domingo, 14 de outubro de 2018

Sobre o ódio e a tolerância na politica

   Não é fácil ranger os dentes no terreno da política, reconheço. Mas não haverá outra saída para nós. Em termos sociais será lenta a reconstrução de um sentido e sentimento classista, a afirmação de uma identidade de classe, aquela mesma que era apresentada como ultrapassada pelo pensamento conservador e reacionário, que iludiu muita gente boa. No entanto a pressão que se exercia socialmente nos sindicatos combativos, na defesa partidária do socialismo, era, mesmo quando pálida, a unica capaz de tornar mais aceitáveis e racionais todas as desavenças pessoais e justificar, em ultima instancia, o ódio individual ao vizinho de porta ou de bairro. E agora?
dezembro de 2014



Advertência
Há alguns anos ouço a denúncia contra a "política de ódio" e os apelos abstratos à tolerância e ao amor como instrumentos necessários da política. Neste processo eleitoral de 2018 o lamento aumentou a ponto de tornar-se não somente inútil eleitoralmente mas inclusive exibição de traço infantil nas disputas sociais. O artigo abaixo escrevi em dezembro de 2014, véspera da eleição de  Dilma Rousseff para seu segundo mandato, quando votei nulo. Para os que possuem memória seletiva ou rarefeita, recordo que naquela disputa o abuso do adjetivo fascista era bem estendido.

Depois, todos sabemos, Dilma foi destituída e juntamente com Lula desceu a rampa do planalto sem oferecer resistência popular ao que os petistas chamam "golpe". A passividade era manifestação eloquente de impotência política alimentada durante mais de uma década de governos petistas, mas era também o ápice da crise do sistema petucano. Agora, após o tsunami eleitoral em favor do proto-fascista Bolsonaro, esta linha de argumentação em defesa de uma "política sem ódio" ressurgiu com mais força revelando a impotência do liberalismo de esquerda, razão pela qual resgatei o artigo para meu blog. Creio que vivemos o eclipse da inocência política. Torço e trabalho para seja rápido.

A publicação original apareceu na Revista Subtrópicos #14, então dirigida pelo meu amigo Fábio Lopes.


A violência na política
A violência é uma característica constitutiva do Estado e, em consequência, também da política moderna. No mundo moderno, simplesmente não existe política sem violência, razão pela qual tampouco existe  política sem ódio. No entanto, na eleição presidencial brasileira, os dois principais partidos denunciavam a política de ódio do adversário, numa tentativa de legitimação, omo se, de fato, pudesse existir uma "política do bem". O comportamento equivale a clamar por justiça social numa reunião de banqueiros. A redução da política ao ritual da disputa eleitoral cada dia mais previsível levou o Tribunal Federal Eleitoral à proibição da crítica ao adversário como forma legítima de toda atividade política. Neste contexto, tanto o bem comportado comentarista da TV quanto setores das classes subalternas, sentindo-se "desprotegidos" ou "vulneráveis" bradam pelo principio da tolerância, que, segundo a ideologia dominante, deveria reger toda atividade entre os civilizados.
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Lulinha paz e amor

Há certo invólucro moral no apelo ao amor e ao respeito como regra da política, mas a vitalidade do artificio deve-se sobretudo a operação ideológica pela qual será possível evitar a violência e o ódio numa sociedade organizada a partir do ódio e da violência. Não se trata de determinação atávica, mas de um instrumento sem a qual a política moderna não funcionaria. Em termos vulgares, há certa reivindicação de trato cordial na arena cuja regra fundamental é o conflito de interesses, particularmente acentuado nas sociedades dependentes e subdesenvolvidas, que contara, na esteira da expansão do capital comercial europeu do século 16, com a necessária violência e racismo em sua formação, marca indelével de nossa evolução histórica e de nosso presente incerto.

Nas condições particulares da sociedade brasileira, é preciso reconhecer que, a partir do evanescimento da identidade classista dos sindicatos combativos e dos partidos de esquerda - PT e CUT na cabeça - as classes subalternas ficaram não somente desarmadas para enfrentar o conflito inerente a sociedade burguesa, mas, sobretudo, permaneceremos ativas do discurso liberal - especialmente forte nos setores da classe média -  para o qual não possuem outro recurso senão o apelo retórico à tolerância e ao "fim do ódio", ignorando o caráter utópico do discurso. Contudo, no lado da classe dominante, são setores da classe media que exibem sem constrangimento, com suas mãos delicadas, o ódio de classe contra os pobres, os proletários, contra os camponeses e contra tudo que lhes parece fora da normalidade burguesa ou da sociedade tradicional. Mais grave: no contexto atual, parece que os proletários e os camponeses já não existem, pois o governo petista - com o silencio cúmplice dos tucanos - insiste no caráter classe me'dia da sociedade brasileira. como se Marx não fosse mais do que um retrato na parede, uma reminiscencia histórica talvez lúcida, valente a apropriada para os séculos 18 ou 19 europeus, mas completamente sem sentido na atualidade.

Trata-se da banalização do política como expressão do conflito, para a qual contribuem não somente a renuncia precoce do PT e da CUT ã identidade classista - levando consigo os comunistas e socialista da base aliada - mas também a redução da política a moral (vulgarmente tratada como se fosse uma simples udenicação dos discurso político) cuja bandeira mais importante seria o combate a corrupção. Nesses termos, a tematização da corrupção chegou para ficar porque diz respeito a real degradação dos partidos e, portanto, do governo. Mas chegou para ficar porque a corrupção  é constitutiva do Estado e, em consequência, é impossível ocultar seu caráter sistêmico. Ora, a astucia do monopólio televisivo é clara, pois apresenta a estrutura como se fosse apenas evento! O ódio a corrupção, no entanto, é quase residual em relação aos empresários, pois se destina prioritariamente ao genérico "político". Trata-se, sem duvida, de ardil liberal para não enfrentar o vaticínio de um barbudo suspenso em alguma parede: o Estado é  mesmo o comitê de negócios da burguesia. O político vulgar, o ex-sindicalista, o empresários exitoso, o liberal bem comportado, o acadêmico no conforto do campus e tantos outros podem merecer o desprezo e ainda o ódio da classe média: esse luxo da política não poderá, de maneira alguma, servir senão como álibi para a próxima operação de assalto ao Estado, no qual o capital também acumula.

Consciência e inimigo de classe 
Não é fácil ranger os dentes no terreno da política, reconheço. Mas não haverá outra saída para nós. Em termos sociais será lenta a reconstrução de um sentido e sentimento classista, a afirmação de uma identidade de classe, aquela mesma que era apresentada como ultrapassada pelo pensamento conservador e reacionário, que iludiu muita gente boa. No entanto a pressão quer se exercia socialmente nos sindicatos combativos, na defesa partidária do socialismo, era, mesmo quando pálida, a unica capaz de retornar mais aceitáveis e racionais todas as desavenças pessoais  e justificar, em ultima instancia, o ódio individual ao vizinho de porta ou de bairro. E agora?

Agora resta o confinamento parlamentar do conflito político e o exercício cínico da cordialidade tipica do cretinismo parlamentar, enquanto nossos condenados da terra sangram em silêncio nas favelas e no itinerário do sistema carcerário, no assassinato do líder camponês e nos milhares de mortes violentas tipificadas de maneira conveniente como "violência urbana", seja no transito, seja no boteco da esquina.

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Perplexidade e inocência na conciliação de classes
Claro que a digestão moral da pobreza é ingrediente necessário da política da tolerância e do amor. Afina, o que pode o minguado bolsa-família num país em que apenas 5% da população concreta quase 50% da renda? A esquerda liberal acredita, de fato, que a cidadania esta em construção quando o índice de Gini se move em décimos? A eliminação de um horizonte utópico - o socialismo - cuja defesa deveria ser feita aqui e agora, alimentou ainda mais o irracionalismo d apolítica  em curso e exibe suas vitimas a luda do dia.

Ódio de classe e fascismo
Em resumo, enquanto o velho ódio de classe desaparece do horizonte dos pobres, dissipando a antiga consciência de direitos, e no momento em que ganha destaque a ideologia da ascensão social nos maricos do capitalismo (seríamos finalmente um após de classe media), é necessário acusar de engodo a possibilidade de fascismo entre nós. Ora, o fascismo é fenômeno histórico que emerge como arma da classe dominante, quando esta já não é mais possível unicamente por meios parlamentares. Não estamos, portanto, as portas do fascismo. No entanto, essa conclusão não autoriza a falsificação histórica, especialidade do jornalismo. Uma ditadura cordial, ou "ditabranda, jamais existiu. A violência e o ódio de classe existentes no Brasil são suficientes para manter as coisas no seu devido lugar, sem necessidade de recurso ao programa fascista, razão pela qual seguirá orientando a ação do Estado e, certamente, contará com a tolerância, a aceitação dos governos e, no limite, a recusa calibradas dos mecanismo institucionalizados da repressão.

Nas condições brasileiras, o mais provável, no curro prazo, é que o rechaço abstrato ao ódio e/ou a evocação abstrata a tolerância naveguem sem obstáculos, ideologia necessária para tudo mude desde que permaneça exatamente igual. Assim, o pressuposto ingenuo de que o Brasil é um país da delicadeza perdida"seguira', também, gozando de popularidade , ainda que não passa de tirada literária falsa. A despeito da delicadeza que ainda podemos encontrar em pessoas, a norma política nos assuntos públicos e mesmo a violência. Enquanto a, maioria aceitar que "um mau acordo é sempre melhor do que o bom combate"- peça do conformismo político sempre apresentada como virtude e sabedoria política -, a política e a democracia serão sempre lembradas como a arte de engolir sapos. De resto, a democracia liberal admite em seu interior a manifestação e o exercício da violência por parte do Estado e das forças sociais comprometidas com a ordem dominante. Não há anomalia alguma, muito menos ovo de serpente, quando um liberal desavisados ou grande parte da esquerda domesticada  acusa que o ódio e a violência estão saindo dos trilhos. O antidoto real para os "excessos" produzidos pelo liberalismo não brotará da consciência social sem dentes para morder implícita na defesa dos pobres, mas de um projeto de classe - o socialismo - e o correspondente movimento de massas em sua defesa.

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O texto original pode ser visto abaixo na versão eletrônica da Subtrópicos
(https://issuu.com/ayrtoncruz/docs/subtropicos_n14)


domingo, 7 de outubro de 2018

Gracias a la vida

Cid Benjamim escreveu Gracias a la vida. Memórias de um militante para dar alguns recados a todos nós. Eu não pertenço a sua geração mas tenho plena consciência de que ao abrir seu baú de memórias ele despejou sua herança sobre nosso destino sem pedir licença. Ademais, estou convencido que o militante das causas atuais não pode ignorar este inventário pois contém passivos que também são nossos, queiramos ou não.

Marx, num texto de inigualável riqueza literária, afirmou que "a tradição de todas as gerações mortas pesa sobre o cérebro dos vivos como um pesadelo". O alerta do genial mouro pretendia evitar que em tempos revolucionários os vivos não permitissem que os "espíritos do passado" pudessem, com o auxílio da velhice venerável, representar a nova cena histórica que emergia debaixo de nossos narizes com a força inexorável dos tempos de crise... Ocorre que Cid esta "vivo e coleando", como ensina aquele mexicanismo tao delicioso quanto útil para os que lutam e peleiam aqui e agora. Gracias a la vida não é, portanto, livro de quem bateu em retirada e pretende enviar mensagens em garrafas desde a autoridade da velhice venerável. De minha parte, não creio em velhice de ninguém, menos na de Cid. Gracias a la vida é livro militante, repleto de intenções. Portanto, leve a serio o subtitulo e não julgue tratar-se de testamento, pois Cid esta na ativa.
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Além de ter recebido o livro das mãos generosas do autor, eu acuso nestas linhas que nada pode ser pior do que a indiferença daqueles que estão ao alcance de nossos olhos mesmo consciente que a grande maioria dos autores que estudei jamais tomarão café comigo. Nem vinho. Li o livro em poucos finais de noite, em tempo não superior a uma semana, O trabalho, a política, a vida enfim, autorizou tardiamente este comentário. É tarde, bem sei, mas ainda é tempo.

Não serei exaustivo e longe de mim apresentar a obra; valorizo a polemica pois sofremos um tempo orientado pelo bom mocismo, de profundo desinteresse pela leitura; escrevo também porque observo por parte das novas gerações um esquecimento sobre as décadas passadas como se, de fato, aqueles anos ora badalados como rebeldes, ora ditos de chumbo, jamais tivessem existido.

Há, portanto, uma crônica da solidão na livro de Cid quem jamais renegou a luta armada embora afirme que o caminho político escolhido por ele e seus camaradas de armas representou um erro para sua geração. Não um erro qualquer, pois a opção pelos ferros contra a ditadura foi pago com sofrimento, tortura, mortes e longos anos de exílio (9 anos e três meses). Cid não é Gabeira, vamos ao ponto. Quanto ao nosso personagem, creio indispensável constatar sua bravura diante da tortura e, a despeito dos horrores inerentes, o relato com fino humor; definitivamente, um traço de afirmação de humanidade diante da barbárie.

Os recados da Historia
Os anos sessenta tem muitos encantos e enganos, não é matéria fácil. A classe dominante lançou mão da ditadura cívico-militar para derrotar o nacionalismo reformista de Jango e Brizola entre nós na pretensão de execrá-lo para sempre. As novas gerações, estas mesmo que frequentam o PSOL são muito pouco inclinadas a cultura nacional e ao apreço pela Historia. Em larga medida, em nosso partido - do Cid e meu - a História muitas vezes parece não existir e a luta política não raras vezes insinua-se como se tivesse iniciado com a rebeldia de alguns parlamentares em relação ao fracasso petista. É engano grave, consciência ingenua. Estamos avançando, ainda que no ritmo de nossa enfadonha lentidão.

Aos mais novos, informo que não há medo ou ousadia que o jovem Cid não tenho vivido: dos assaltos a banco ao sequestro do embaixador estadunidense - provavelmente a mais espetacular ação da luta armada - na qual empenhou grande energia e não menor carga utópica. O sequestro do embaixador gringo, por exemplo, nasceu por puro acaso, você poderá conferir; ademais, teria sido um retumbante sucesso não fosse Gabeira esquecer num restaurante o paletó feito a medida para Cláudio Torres, quem era nada menos do que o chefe militar da operação, não obstante ter vida legal. Na noite seguinte da negligência de Gabeira, Claudio foi preso em sua casa por agentes do Cenimar, sofreu torturas e manteve-se íntegro durante os setes anos de cárcere. Mas há muitas outras operações "menores", pois ao longo de 1969 ele participou "de mais de dez assaltos a bancos ou carros de transporte de valores, além da tomada de metralhadoras de policiais ou sentinelas das Forças Armadas, e do roubo a mão armada de dezenas de carros."

Qual o balanço da luta armada? Bueno, Cid Benjamim a reivindica porque compreende a decisão da juventude de tomar as armas na luta contra a ditadura como aquela típica fisgada num membro que já perdeu. Gosto do relato e do balanço final embora é muito provável que Cid não tenha lido Marini, quem fez rigorosa avaliação da luta armada (Subdesenvolvimento e Revolução), melhor do que aquela de Jacob Gorender (Combate nas trevas), talvez o mais conhecido livro sobre o período. Na real, Cid endossa com a densidade da experiência a crítica devastadora de Gorender ao PCB sob controle e influência de Prestes. O relato é tão bem feito que o leitor entra na trama e começa a pensar que, ao final do capítulo, terá que votar na célula em favor de um dos bandos nas intermináveis e inevitáveis divergências sobre o futuro imediato.


No exílio
Chile, México, Cuba e finalmente Suécia. No exílio, recomenda Cid, "a pessoa deve se integrar ao lugar em que está". O filósofo Adolfo Sánchez Vázquez recomendava após alimentar falsas ilusões sobre a eminente volta a Espanha enquanto vivia no México - que somente ocorreria duas décadas depois - que após muitos anos de exílio a vida ensinou que não importa onde estamos mas como estamos; são duas recomendações uteis. No entanto, creio que o curto período vivido na maior ilha do Caribe deixou grandes lições à Cid, maiores talvez do que o longo exílio sueco pois a diferença da realidade é abissal e o interesse dele pela América Latina e nossos dramas e possibilidades estão presentes vivamente em seu relato. "O  capitalismo escandinavo não tem nada a ver com o que conhecemos no Terceiro Mundo", anuncia. Enfim, o exílio europeu não amoleceu o caráter e as convicções do camarada como com frequência ocorreu com tantos outros, seduzidos pelas novidades das sociedades opulentas. Não obstante, a gratidão aos suecos é tão clara quanto aos demais povos que o receberam mas o interesse especial pela Pátria Grande, creio, domina o texto. 

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Bueno, abaixo pistas para despertar a curiosidade e estimular a leitura.

Sobre Lula e Briza
Na campanha de 1989 Cid foi colaborador estreito de Lula e o acompanhou na visita à Brizola para pedir o apoio do gaúcho no segundo turno das eleições presidenciais na qual o líder trabalhista mais lúcido do pré 64 ficou de fora por míseros 300 mil votos. São Paulo matou Briza naquela eleição pois, se a memória não falha, o gaudério não conseguiu 1% dos votos em terra bandeirante. Na disputa contra Collor, segundo Cid, Lula se acovardou. "O medo de ganhar - afirma Cid - tomou conta do candidato". Enfim, Lula amarelou. A sentença sobre quem seria melhor para enfrentar Collor de Melo não deixa dúvidas: "só tempos depois me dei conta de que, para o país, isso teria sido muito melhor. Apesar de seus defeitos, Brizola não se deixaria humilhar por Collor. Saberia se impor, colocar o playboy em seu devido lugar e venceria as eleições."  No entanto, este não seria o único erro grave do PT adianta o autor. O lançamento de Gabeira contra Darcy Ribeiro na disputa pelo governo do Rio em 1986 deu a Moreira Franco a vitória porque não existia ainda os dois turnos. Cid afirma que Gabeira "não podia ser comparado a Darcy - um dos maiores brasileiros de nossa época... A candidatura de Gabeira ajudou a dar a vitória ao direitista Moreira Franco." É bom ouvir Cid indicando para as novas gerações o quanto as novidades libertárias a época exibidas pelo desbunde de Gabeira representavam o falso brilhante.

Há também um elogio tardio e justo ao Briza feito por Milton Temer e apresentado por Cid: o golpe de 1964 poderia ter sido evitado se o fator subjetivo - a ousadia de Brizola demonstrada em 1961 - tivesse sido encampada por Jango em 1964. Jango, sabemos, não resistiu. Baita lição! No Brasil, a tradição nacional rende-se fácil as novidades embaladas pela indústria cultural e a política encomendada dos centros metropolitanos. Vale acompanhar a crônica e também a autocritica honesta de Cid sob as escolhas daquele tempo que, aos olhos da novidade, pareciam acertadas e, desde uma perspectiva histórica, revelaram-se um desastre. É um útil alerta a juventude do PSOL mas temo que tal como nos anos juvenis do PT não serão tomados em conta. A experiência, somente ela, comanda nossos passos e, muitas vezes, nem ela...

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As pendengas políticas entre Lula e Briza relatadas por Cid e a completa ausência de reflexão sobre a questão nacional e o nacionalismo - tão importante no marxismo europeu e latino-americano - produziram entre nós não somente equívocos decisivos mas também impediram a solução de questões centrais do programa e da práxis política nas décadas passadas. Este bloqueio ao debate sobre o nacionalismo, produzido pela presença de acadêmicos e intelectuais paulistas oriundos da USP, com seu cosmopolitismo bocó e alienante, é cúmplice de muitas de nossas misérias. O PSOL é, lamentavelmente, tributário desta herança e precisa entender este problema pois, caso permaneça este buraco, trilhará o caminho da repetição fatal.

As memórias familiares também aparecem e, sem minimizar o exemplo da professora primária Iramaya, creio, reluz a influência paterna do "velho coronel" Ney Benjamim, o "nacionalista socializante" e admirador de Jango e Brizola. "Meus pais eram de centro-esquerda", recorda Cid. Há, segunda creio, num envolucro de saudade inevitável, a certeza de Cid de que seus pais se orgulharam das opções tomadas pelos filhos e não atuaram somente na defesa da prole, especialmente nos dias mais difíceis e incertos no período de auge da repressão e tortura.


A tragédia petista
A origem da tragédia petista que culmina com a melancólica prisão de Lula tem no livro antecedentes importantes contados com riqueza de detalhes e ótima análise política. A primeira denuncia grave contra os donos do PT não foram oferecidas pelas delações de gente como Palocci mas por militantes de comprovado compromisso com a luta em nosso país. O relato das denuncias oferecidas no interior do PT por Paulo de Tarso Venceslau, quadro importante da Dissidência Universitária do PCB em São Paulo quem se deslocou ao Rio para o sequestro do embaixador estadunidense, atestam que nas origens, o PT tinha gente muito boa. Paulo de Tarso também foi preso e barbaramente torturado em 1969 cumprindo pena até 1974. Foi precisamente ele quem denunciou ao partido, longe da imprensa, nos fóruns adequados os graves indícios de corrupção (o caso CPEM). O relato minucioso releva até que ponto a degradação moral da alta cúpula petista chegava, fato que somente mais tarde e apenas marginalmente, seria reconhecido de maneira tímida por alguns de seus dirigentes muito antes que o judiciário sob comando de Sergio Moro inciasse a perseguição a Lula. Todos aqueles que com razão rechaçam a caça de Sérgio Moro a Lula, devem ler e julgar as palavras de antigos militantes na trama que levou ao assassinato de Celso Daniel e a resistência existente no interior do PT contra a corrupção que seria logo abandona para o partido assumir uma razão de estado. É episódio premonitório e muito importante. Segundo Cid, "Lula não aceitou o relatório da comissão Bicudo-Cardozo-Singer. Atropelou o partido e, por exigência sua, o trabalho foi desconsiderado sem ter sido avaliado pelo Diretório Nacional. Uma segunda comissão, com integrantes escolhidos a dedo, foi montada para reexaminar as denúncias. Como esperado, ela concluiu pela falsidade das acusações e recomendou ao diretório a expulsão de Paulo de Tarso do PT, o que aconteceu em fevereiro de 1998." Que tal? Barra pesada este relato.

Estes episódios revelam que nem tudo começou com o juiz Sérgio Moro e seu ativismo político. Há cadáveres no armário que o pragmatismo petista, rasteiro por natureza, a serviço de uma razão de Estado e apresentado como racionalismo possível, cedo ou tarde cobraria seu preço. Um partido que não trata de suas misérias será, inexoravelmente, tragado por elas.

Passado e futuro
O esquecimento é uma tragédia. A luta no PSOL padece desta grave limitação: a memória histórica é rarefeita! É possível - apenas possível - que o partido cresça com a crise e amadureça em poucos meses tudo que não amadureceu em anos de existência. Em 2005, após a decepção completa com o PT, Cid ingressou no PSOL: "... ao contrário de alguns correlegionários, não penso que o PSOL possa ter um crescimento exponencial ou um desempenho decisivo na política brasileira num futuro próximo, As condições não permitem. A conjuntura é muito diferente da que existia quando o PT foi fundado, em 1980. Naquela ocasião, havia um vazio na esquerda, e a sociedade saia da ditadura com enorme ânsia de participação política."

Bueno, quando meu camarada de partido escreveu estas linhas corria o ano de 2013 e o petismo sem brilho na estrela comandava o pragmatismo burguês e alienante que o condenou para sempre. Agora, a ação do tempo criou um cenário totalmente novo. Cid pensava que no dia em que o PT não mais estivesse no governo federal, o lulismo e seus satélites estariam obrigados a um "ajuste de contas interno", fato que não ocorreu e, em minha opinião, jamais ocorrerá. As memórias podem conter autocrítica e análises desinteressadas, mas um partido submetido a razão de estado não permite este luxo. O petismo seguirá incorrigível e submetido aos interesses de uma burguesia decadente e brutal em nome da caridade que pretende destinar a maioria do povo. Atua, portanto, como intermediário entre os interesses da classe dominante que simula enfrentar e o apaziguamento da rebeldia inerentes as classes populares sumidas no abismo social em que nos encontramos. No entanto, nada desabona o livro pois errar nas previsões e/ou avaliações é próprio de quem se implica na luta e não esconde seus desejos. 

A propósito, o livro esta repleto de pequenas confissões e importantes auto-criticas; mas não há autoflagelação, atitude religiosa comum, origem de danos irreparáveis na política. As opções de um tempo em que se decidia na lógica das situações extremas obriga a leitura das memórias militantes. As insuficiências teóricas, a falta de análise rigorosa em determinados períodos, as lições que o caminho tomado oferece e sobretudo como é possível manter-se integro e jogar a vida em suas opções, constituem recados do livro que devem ser tomados em consideração, especialmente agora, diante da ingenuidade política que domina os ambientes de esquerda no país. Portanto, os impasses atuais e nossas limitações políticas e intelectuais obriga certa humildade no juízo das lutas passadas relatadas por nosso camarada pernambucano que se fez carioca.
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Alguém pode ser consequente aos 21 anos? Esta provado que sim. Cid indica que não há razão para a renuncia cínica do passado censurando os chamados "erros de juventude". É preciso certa dose de heroísmo na política, artigo em falta nos tempos atuais quando a tribuna do parlamento parece seduzir a todos como se esse fosse o único jeito de "lutar". A despeito das pequenas conquistas, dos fracassos e das apostas que não resultaram, é preciso entender que a glória chega para poucos e, ainda assim, será passageira. Pensem no Che, em Ho Chi Minh, Emiliano Zapata ou Salvador Allende. O segredo da política jamais poderá ser encontrado na superfície das lutas eleitorais. Nem no conforto eventual de pequenas glorias passadas. O segredo da política esta na solução do conflito que virá e das próximas opções, muitas vezes já sob a mesa ainda que não somos capazes de percebe-lo. Gracias a la vida, o livro das memórias militantes, ajuda e muito nesta lenta e necessária descoberta de nosso passado recente. Leia! Ao contrário dos autores de moda que nos invadem pela força da industria cultural e do colonialismo intelectual, você ainda tem a enorme vantagem de bater na porta do Cid e tomar um café com ele bem ali em Botafogo.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

A encruzilhada




Nos últimos anos o país caminha para a lógica de situações extremas embora na lentidão típica de nosso processo político o drama se desenvolve de maneira quase imperceptível. Ainda assim, vez por outra, o espanto balança o espirito do eleitor progressista e o desespero emerge. Nesta semana, as pesquisas eleitorais produziu em muita gente boa o espanto e a angústia pois o processo eleitoral finalmente ficou dividido entre Bolsonaro e os demais. Bolsonaro pode vencer. No entanto, para além das pesquisas, há sinais mais importantes que indicam a rápida adesão de todas as frações do capital ao office boy dos Estados Unidos. As igrejas evangélicas fecham com o deputado. Amplos setores das classes médias e também no proletariado aderem sem vacilação ao proto-fascista.

As jornadas de junho de 2013 (ainda hoje considerada pelo petismo como ação da direita!) e a destituição de Dilma foram eventos eloquentes a respeito da lógica das situações extremas mas a narrativa do liberalismo de esquerda venceu e impediu avaliação lúcida. A vitimização tipica do discurso petista capturou a consciência nos limites da ingenuidade e impediu a percepção de que algo mais profundo estava mudando rapidamente. O sistema petucano apodrecia, mas a narrativa petista "contra o golpe" chamou para si a representação do sistema e o tucanato na oposição até fortalecia o sentimento anti-petista como se, de fato, este fosse o epicentro da crise. Não era, como alertamos muitas e repetidas vezes.

No entanto, a guerra de classes - aquela mesma que na luta pela terra mata dezenas de sindicalistas todos os anos no campo - tinha sido declarada de maneira aberta. O ajuste de Dilma foi a maior evidência nesta direção mas o liberalismo de esquerda não podia admitir que as medidas impostas por seu governo eram consequência necessária da dinâmica da acumulação de capital inerente ao rentismo dominante que, com incorrigível oportunismo, o PT pretendia governar de maneira mais competente que os tucanos. A narrativa do "golpe" construiu um mundo imaginário, aparentemente confortável para a paralisia das classes subalternas, mas não para as classes dominantes. A denuncia do golpe exauriu-se no processo eleitoral porque ninguém - rigorosamente ninguém! - defendeu o governo de Temer. A crise social é o fato mais importante do processo eleitoral e não o governo Temer. A propósito, a "denuncia" do golpe era, na prática, um meio para evitar a avaliação crítica e a condenação sem cerimonia do governo petista dirigido por Dilma. Enfim, o bordão "fora Temer" e a condenação ao "golpe" não rende no terreno eleitoral e menos ainda na construção de uma alternativa a miséria petucana. 

Afinal, Bolsonaro pode vencer?

O diagnóstico da crise nem passa na cabeça dos poucos estrategistas pensantes do PT e seus satélites. À esquerda do petismo decadente, tampouco há consciência plena do solo em que pisamos. Ignora-se e despreza-se a análise séria sobre o capitalismo dependente em sua fase rentística. Assim é impossível perceber a profundidade da crise e suas graves consequências para a classe trabalhadora e o futuro da nação.

O tempo, agora, se acelera. O profeta petista mais popular julga que com a "razão e o amor" se poderá enfrentar a ameaça daquilo que chamam fascismo. As esperanças de reconstituir parte do paraíso perdido com a eventual eleição de Haddad também está sob suspeita, até mesmo para os mais entusiasmados. As lágrimas do profeta petista que "teoriza" sobre a ralé denunciam a angústia na alma e a impotência do acadêmico engajado.

Enfim, Bolsonaro pode vencer.

Por que Bolsonaro pode vencer? 

Por que as forças fascistas são maioria na sociedade brasileira? Não, mil vezes não! 

Há razão mais elementar para o crescente apoio eleitoral (e político) a Bolsonaro: o povo esta cada dia mais irado contra o sistema que nos domina e o processo eleitoral não foi capaz de produzir a politização necessária para reverter o avanço do ultra liberalismo e, de fato, nem poderia. Não basta declarar que o "sistema faliu" tal como sentencia o bom mocismo no interior da esquerda. Era preciso dizer claramente que FHC e Lula, o sistema petucano, seus políticos e empresários, são responsáveis diretos pela crise e devem ser tratados como tal. 

A necessidade de um novo radicalismo político que defendi no PSOL durante meses não foi acatada. Venceu a ideia de que deveríamos "dialogar com a base do petismo" no suposto que poderíamos tirar nossa lasquinha do espólio lulista elegendo alguns deputados e eventualmente até mesmo senadores. No entanto, a narrativa do golpe fortaleceu as filas petistas e ocorreu inclusive sua recomposição eleitoral e parlamentar.

Bueno, enquanto os partidos de esquerda evitavam a crítica a Lula e ao sistema em seu conjunto, deixamos o monopólio da crítica para a direita. 

E a direita avançou eleitoral e... socialmente. 

Há, portanto, algo mais grave do que o crescente apoio eleitoral a Bolsonaro. Milhões de proletários, trabalhadores, pequenos comerciantes e autônomos, são agora, no momento em que termina a campanha presidencial do primeiro turno, cativos do discurso do deputado que lidera as pesquisas. Bolsonaro avança porque ataca o sistema em seu ponto mais sensível: a corrupção. E o sistema é, de fato, corrupto. Bolsonaro ataca o Estado e a deficiência crônica dos serviços públicos e, de fato, tal fenômeno é real. Bolsonaro atua no fortalecimento da alienação e da consciência ingenua e não encontra antídoto em nossa trincheira de luta pois basicamente as forças progressistas obedecem ao espirito de Poliana, buscando o lado positivo em tudo... Assim, lentamente, Bolsonaro construiu um cenário favorável: quem esta contra o sistema é bom; quem esta a favor do sistema é mau.

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A eterna luta entre o bem e o mal
O desespero do militante sindical, do petista sincero que arregaçou as mangas e foi disputar o voto na rua, de setores das classes médias com inclinação e/ou sentimento de "esquerda", aumenta com o passar das horas. Um pressentimento lhe diz que algo saiu errado. É possível afirmar que seu pressentimento esta correto pois algo grave esta sob a mesa.  

Agora, nos estertores do primeiro turno, avizinha-se uma situação clara: afinal, votar contra ou a favor do sistema? 

Amplos setores sociais identificados com Bolsonaro julgam que o deputado proto fascista a serviço do ultra liberalismo estadunidense é uma  candidatura contra o petucanismo; neste contexto, pouco importa se você e eu sabemos que, ao contrário, ele é o produto mais acabado da podridão sistêmica. Ocorre que ele avança solitário na crítica ao sistema de partidos e não somente despreza como detesta o bom mocismo na política. Ademais, Bolsonaro tem a seu favor a virtual extinção de uma geração de políticos: FHC, Lula, Serra, José Aníbal, Zé Dirceu, Aécio, Garotinho, Cabral, Richa, etc. São distintos, pertencem a bandos diferentes, mas todos estão a serviço da classe dominante e, em larga medida, abatidos eleitoralmente.

No coração do povo existe uma ira justificada. A miséria e a exploração crônica foram "enfrentadas" com a digestão moral da pobreza dos governos petistas, incapazes de atacar o problema pela raiz. Gastou-se tempo e energia naquele projeto infame, orientado por boas intenções e condições econômicas passageiras muito particulares que jamais voltarão. Nesta semana, os apelos contra o voto orientado pela raiva e a política de ódio, simplesmente não possuem força popular pois o abismo social produz justificada ira e ressentimento contra tudo e todos. A ordem dominante não aparece como domínio de classe mas tao somente como ressentimento contra os políticos mais conhecidos. Alckmin despenca. Ciro estanca. Marina merecidamente desaparece... Bolsonaro sobe. 

A classe dominante, os tribunais e a renuncia do ex-presidente a resistência democrática diante da prisão arbitrária impediram a candidatura de Lula; Haddad herdou algo relevante em termos eleitorais, sem dúvida. No entanto, a cada dia esta herança se revela mais débil diante da ofensiva do deputado proto-fascista. Ademais, Haddad agora se encontra em situação incomoda: reivindica uma frente de todos aqueles que "prezam a democracia e a justiça social" contra Bolsonaro. Neste contexto, estará rodeado de políticos da ordem, até ontem considerados luminares da República. Haddad será um defensor da ordem contra o sujeito que ataca a ordem. O bem contra o mal. O cenário ideal pra disputa de segundo turno na estratégia do deputado do "baixo clero".

O ativista desesperado observa que não pode existir dúvidas entre Haddad e Bolsonaro. Grita com energia e redobrada esperança: "todos contra Bolsonaro, podemos vencer"!!!! Mas na consciência popular o ódio de classe contra o sistema cresceu a cada dia e ainda mais durante o período eleitoral. A campanha do primeiro turno que termina na quinta-feira com um debate na Globo (onde mais?), é incapaz de reverter esta tendência, exceto se alguém acredita num golpe de sorte televisivo. Bolsonaro se encontra em situação tão confortável na pesquisa que pode, por isso mesmo, dispensar o palco para seus adversários. A ausência do deputado vítima da violência pode revelar o quanto ele despreza o sistema político e sua liturgia desgastada e simuladora. Você realmente acredita que alguém definiu seu voto a partir de algum "debate" de TV? A disputa eleitoral ganhou nova dinâmica e a pífia audiência dos debates estão demonstrando que os velhos mecanismos marqueteiros não mais movem moinhos. É boa notícia, sem dúvida.

A campanha televisiva foi rápida mas mesmo que tivesse sido longa seria incapaz de traduzir o desespero de milhões. A dor e o desespero de milhões foi instrumentalizada em favor do ultra liberalismo que avançou como nunca no país. O ultra liberalismo é a ideologia dominante e, como a vida demonstra, não admite uma ala esquerda em sua trajetória. O ultra liberalismo eliminou pela raiz o antigo liberalismo, dividido entre uma ala direita (tucana) e outra de esquerda (petista). O petucanismo, como afirmei no artigo anterior, naufragou para sempre!  O ultra liberalismo roubou a cena e chegou para ficar. 

A estratégia de Bolsonaro consiste em potencializar o anti-petismo somente na aparência. O alvo é o sistema e não o PT. O antigo hábito de conciliar interesses sem a participação ativa do povo agora conta com o sentimento popular em favor do programa ultra liberal... Um acerto de contas tão inusitado quanto bom para o rentismo! No entanto, a operação anti-PT é funcional porque obriga Haddad à defesa da ordem, da democracia em abstrato, das regras da civilidade, com seus políticos venais, enquanto para Bolsonaro basta simular sua candidatura como a única alternativa real de "quebrar o sistema" e eliminar seus políticos corruptos. Eis aqui a natureza oculta do anti-petismo denunciado por Alckmin, Marina e utilizado por Bolsonaro. Haddad esta condenado à defesa da "democracia contra o autoritarismo", contra a "ameaça fascista", o velho e surrado bordão da impotente sociologia uspiana. 

Neste contexto, o essencial não é votar em Haddad para evitar Bolsonaro. Essa é a visão superficial, meramente eleitoral do conflito político. A luta de classes em curso indica outra dinâmica: um candidato - Bolsonaro -, apresenta-se cada dia mais como anti-sistema e sua posição será ainda mais confortável no segundo turno. O outro, Haddad, o bom moço da USP e do Insper (!!!), aparece como parte constitutiva do sistema, uma tentativa de modernizar o velho, de reciclar a mensagem desgastada. É assim que o povo vê e, de fato, é assim que a vida é. A banda agora toca no ritmo idealizado pelo deputado proto-fascista.

Chegamos na semana final das eleições e tudo indica que Haddad defenderá o sistema enquanto Bolsonaro atacará o sistema. O sistema é uma podridão imensa e a vala comum dos condenados da terra somente aumenta no seu interior. Aqueles que estão com o sistema serão considerados maus; aquele que critica e promete "quebrar" o sistema, será considerado bom. Logo, Haddad é expressão do mal e Bolsonaro... ungido a posição do... bem! 

As ideologias não podem brigar contra os fatos para sempre, por isso mesmo, desabam. O eclipse do bom mocismo esta diante de nós; emerge o ultra liberalismo e seu encanto sedutor. No entanto, tal como alertou um notável personagem de Shakespeare, as ideias ruins somente se revelam totalmente ruins quando levadas a prática. É preciso pensar o pós eleitoral já e fomentar o radicalismo de esquerda que enfrente sem ponderações a onda ultra liberal e seu enorme potencial destrutivo sem as ilusões da esquerda moderna incapaz de tocar nas questões realmente relevantes da economia, da política e da cultura nacional.  

Enquanto o novo radicalismo de esquerda não vem, a angustia de ontem do militante preocupado parece não ter fim pois a cada nova manhã uma notícia pior para seu cálculo eleitoral emerge das pesquisas e pode ser confirmado nas ruas. Na mais completa ausência de Lenin, sobrou Jessé e  Boaventura. A luta política será sempre por questões concretas e não imaginárias.    

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É neste vácuo que Bolsonaro e Mourão ainda navegam.

A História, sabemos, não tem fim. Este capítulo, tudo indica, esta concluído. Voltemos nossos olhos, nossa atenção e nosso esforço militante para as próximas batalhas. Não há razão para supor que estamos condenados as ilusões que produziram a marginalidade da esquerda no processo eleitoral e no terreno mais profundo da política. Sem as ilusões que nos angustiam, marcharemos melhor. Sem elas, podemos ter algum futuro.