A saída desse circulo é muito simples: do fato de o liberalismo burguês, por medo do movimento operário ascendente e de seus objetivos finais ter exaltado o último suspiro decorre apenas que hoje, justamente, o movimento operário socialista é e pode ser o único suporte da democracia; não que os destinos do movimento operário socialista estão ligados aos da democracia burguesa, mas que inversamente os destinos do desenvolvimento democrático estejam ligados ao movimento socialista; que a democracia não se torna capaz de viver na medida em que a classe operária abandona sua luta emancipatória, mas, inversamente, na medida em que o movimento socialista se torna suficientemente forte para combater as consequências reacionárias da política mundial e da deserção burguesa; que quem deseja o fortalecimento da democracia também precisa desejar o fortalecimento e não o enfraquecimento do movimento socialista e que, com o abandono dos anseios socialistas, também soa igualmente abandonados o movimento operário e a democracia
Não é fácil superar ilusões. No entanto, sem renunciá-las
não se vai adiante. Numa aguda análise das revoluções de 1848 na Europa - ano
de publicação do Manifesto - Marx escreveu em 24 de dezembro ao seu amigo Fred
que "o grande fruto do movimento revolucionário de 1848 não é o que os
povos obtiveram senão aquilo que perderam: a perda das ilusões".
As ilusões do liberalismo de esquerda - o
"combate à pobreza", a "inclusão social", "os avanços
sociais" de governos progressistas nos marcos do capitalismo dependente -
e outras quinquilharias destinadas a justificar no terreno moral o acomodamento
produzido pela conciliação de classes, derretem feito sorvete sob o sol
tropical. Em consequência, tanto os liberais de direita quanto os de esquerda
exibem suas misérias. No entanto, as ilusões inerentes à conquista do reino da
felicidade neste vale de lágrimas ainda parecem sólidas e insinuam-se capazes
de mover o moinho. Os primeiros, à direita, indicam a crise dos valores como
fonte de nossos males, razão pela qual operam a redução da politica à moral e
turbinam sua fé na ação restauradora dos tribunais, como se juízes pudessem dar
um jeito nesta joça; os segundos, reunidos em torno do PT e Lula, indicam que o
sistema político necessita urgente reforma para superar a “mais grave crise
institucional" inaugurada a partir da destituição de Dilma Rousseff em
2016. Ambos querem a melhoria do sistema e, cada qual a seu modo, aspira a
restituição das virtudes da democracia. Mas ao contrário da idealização, a
democracia é precisamente o regime que temos diante de nossos olhos.
No Brasil, as classes dominantes pretendem insularidade ao
escancarar a diferença entre a narrativa política hegemônica aqui e nos demais
países latino-americanos. Na Argentina, Equador, Costa Rica, Argentina,
Colômbia ou México, ninguém discute a hipótese do fascismo. No entanto, entre
nós brasileiros, qualquer medida tomada pelo governo liberal e corrupto de
Temer ou ainda a ação de grupos da direita, sempre presentes em qualquer democracia
parlamentar, é imediatamente identificado como ameaça fascista. Mas o fascismo não emerge toda segunda-feira,
pois é regime político que resulta de intensificação da luta de classes, diante
da qual a burguesia lança mão de uma cartada final destinada à eliminação de
seu inimigo - o avanço socialista das classes subalternas - como meio radical
de alterar por longo período a correlação de forças a seu favor. Nos países da
periferia, especialmente na América Latina, é comum confundir os mecanismos "normais"
de controle social-estatal com práticas fascistas pois a democracia é regime
político de caráter restringido.
Duas moléculas de história
O regime liberal burguês implantado em 1985 resultou da
estratégia de "transição lenta, gradual e segura" elaborada por
militares, capitalistas e a embaixada de Washington. Não foi processo isento de
avanços e retrocessos e naqueles dias, nós, militantes da esquerda, atuávamos
sob justificada dúvida: a ala fascista do regime militar perderia ou não o
comando da política? O país - muitos se perguntavam - caminhava para a
democracia ou sofreria retrocesso com a volta das prisões, desaparecimentos e
assassinatos? Não era dúvida existencial, de extração acadêmica ou
especulativa. A manchete da Folha de São Paulo do dia 28 de agosto de 1980 pode
refrescar a memória sobre o clima daqueles dias nebulosos e o contraste com
nossa situação atual: "Bomba do terror causa morte no Rio; OAB, Câmara
Municipal e Jornal são atacados". A crônica é mais precisa:
"Duas bombas de
alto teor explosivo provocaram a morte de uma senhora e ferimentos em outras
seis pessoas, ontem, no Rio, em dois atentados ocorridos no início da tarde:
um, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil e outro na Câmara dos Vereadores.
Num terceiro atentado, de madrugada, uma bomba de pouca potência destruiu
parcialmente a sala do jornal "Tribuna da Luta Operária", não fazendo
vítimas."
A lenta exaustão da ditadura cívico-militar produzia
dúvidas sobre o futuro imediato em todo militante socialista, obrigando-o a
caminhar com angústia na alma. Bomba na OAB e morte de dona Lídia!! Bomba na
Câmara de Vereadores? Bomba no jornal do PC do B, todos no mesmo dia? Os
fascistas não entregarão a rapadura!! Alguns meses depois, em abril de 1981, o
famoso atentado no Riocentro levou à renúncia de ninguém menos que o general
Golbery, o estrategista político do regime, defensor da transição ao regime
democrático. Naquele contexto, manter a firmeza necessária e a militância não
era tarefa fácil, pois os riscos eram bem maiores do que aqueles estampados na
manchete do jornal. Afinal, os fascistas seriam derrotados e a democracia
venceria ou, finalmente, voltaríamos aos piores dias da ditadura? A democracia
venceu, sabemos. A militância de esquerda a qual eu pertencia saía do processo
com um sabor amargo porque todos os crimes da ditadura estavam impunes e a
dívida externa - de contratação privada - fora estatizada com um canetaço e
teria que ser paga com imenso custo social por meio de políticas de austeridade
de extração fundomonetarista.
Na verdade, em 1985 a ditadura já não era mais possível e a
transição era pra valer. A política externa dos Estados Unidos não mais estava
baseada exclusivamente no terror de Estado. A crise econômica,
o processo de acumulação de capital e a ofensiva burguesa contra o
"gigantismo estatal" anunciava amplo processo de privatização
preconizado pelo manifesto dos empresários em março de 1977 encabeçado por
Einar Kok, então presidente do Sindicato de máquinas do Estado de São Paulo. A
fração da burguesia industrial reivindicava a "volta a democracia"
com considerável apoio de outros setores da classe e os capitalistas preparavam
o assalto ao estado na "compra" das suculentas estatais e no controle
civil do Estado. À esquerda, nós, os defensores da derrubada revolucionária da
ditadura, perdíamos espaço para o Partidão que postulava a defesa das
"liberdades democráticas" apoiado numa ampla aliança de classe
encabeçada pela burguesia paulista. A lembrança daquela época e do
clima então dominante me ocorre agora, quando escuto algo acerca da "onda
fascista" que segundo alguns, se aproxima com a certeza semelhante àquela
que anuncia o amanhecer. Aos que desprezam as lições da história, é necessário
recordar que aquela longa ditadura cívico-militar não era considerada um regime
fascista, embora suas atrocidades - ainda impunes – tenham sido imensas. Agora,
observo que a "ameaça fascista" é denunciada sem análise detalhada,
apenas como expressão da angústia produzida pela crise do regime político de
petistas e tucanos.
De fato, eis
aqui a questão central: o sistema petucano agoniza. Na
ausência desse reconhecimento e ignorando o fracasso histórico - programático e
moral - do petismo em mudar o país,
tornou-se cômodo e até mesmo necessário atribuir à "onda fascista"
todo e qualquer evento, seja a repressão a uma greve, o assassinato de uma
liderança popular, a decisão de um tribunal, uma campanha da mídia, etc. Mais
do que uma possibilidade real, a ameaça fascista é invocada pela ala esquerda
do liberalismo como meio de iludir a bancarrota histórica do petismo e serve
também à direita que, se efetivamente ameaçada em seu privilégio de
classe, não vacilaria em caminhar rumo à ditadura.
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A bomba explode nas mãos de militares que preparavam atentado
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O espasmo
fascista
Na América
Latina ninguém pode menosprezar a tentação fascista e, em consequência, não se
deve banalizar o fenômeno sobretudo porque em algum momento, quiçá será
necessário reconhecê-lo e enfrentá-lo. Aqui e agora, não tenho dúvidas a
respeito: não vivemos uma onda fascista ainda que existam
manifestações de caráter e orientação fascista.
O liberalismo de
esquerda venceu as eleições de 2014 e a presidente Dilma uma vez eleita,
desatou a guerra de classes contra o povo aplicando a política econômica de
Joaquim Levy que, na prática, resgatava as teses fundamentais do liberalismo de
direita, defendido por Aécio Neves, o candidato derrotado. Configurado o
estelionato eleitoral, o primeiro grito consistente da direita fascista foi
dado pelo General Mourão muito tempo depois, num encontro maçônico. O general -
hoje vice-candidato presidencial com Bolsonaro - defendeu o programa
ultraliberal em economia e, caso necessário, a defesa da intervenção militar
aplicada sob o bordão imprescindível para a sobrevivência na selva:
"suportar o desconforto e a fadiga sem queixa e sermos moderados nas
necessidades". (
http://nildouriques.blogspot.com/2017/10/o-general-no-pendulo-de-washington.html).
A despeito da
desinibição do general, as limitações e contradições para o fascismo emergir
no país são ainda consideráveis. O fascismo supõe a existência de organizações
de massa e lideranças que inexistem no Brasil. É fácil constatar que tanto o
MBL quanto o "Vem pra rua" não possuem a capacidade ofensiva e atuam
quase exclusivamente na reação ao petismo e a Lula, um adversário tão débil
quanto necessário. Ademais, uma onda fascista requer um líder político, alguém
com capacidade semelhante àquela de Carlos Lacerda no período pré-64. O
deputado Bolsonaro, antecipo, não reúne condições para cumprir essa função,
embora as pesquisas eleitorais deste momento despertem temores
ao eleitor/militante de consciência ingênua. Portanto, a ausência de
organizações de massa e a inexistência de uma liderança consistente, limitam o
potencial fascista na conjuntura imediata. Mas há obstáculos ainda maiores.
O caráter
classista do fascismo
A coesão burguesa é a característica mais
evidente da conjuntura nacional. Todas as frações de classe - o capital
comercial, bancário, industrial e agrário - mantêm sólida unidade em torno de
um programa de orientação liberal comandado, obviamente, pela fração
financeira. Há, portanto, evidente contraste na correlação de forças entre as
classes dominantes e as subalternas. Estas atuam na resistência às políticas
liberais mas sem unidade política permanente e, mais importante, sem identidade
classista. Em poucas palavras, quando possível os trabalhadores esboçam
resistência e expressam certa eficácia (Marcha sobre Brasília) mas
seu ativismo não é de corte socialista. Enfim, se a resistência tem sido
importante, igualmente visível é a falta de consistência para preparar e
efetuar a ofensiva contra a classe dominante e, menos ainda, para propor
alternativa política.
Na medida em que
o Plano Real (tucano) se consolidou nos governos petistas, a coesão das
distintas frações de classe atingiu o ápice. Hoje a burguesia exige fidelidade à
proposta liberal e nem mesmo sua fração industrial residual é capaz de oferecer
qualquer resistência significativa em direção oposta. Assim, o
desenvolvimentismo de Lula e Ciro representa basicamente uma proposta ilusória
em busca de uma classe social impossível de encontrar no país, razão pela qual
o lamento em torno da "desindustrialização" e a promessa de
"crescimento com distribuição de renda" ocorre sem produzir
qualquer consequência.
Tal como o leigo
pode perceber, a economia se deteriora e os lucros explodem! O latifúndio tem
assegurado a renda da terra navegando na recuperação dos preços internacionais
indicados na Bolsa de Chicago. Os banqueiros exibem estratosféricas taxas de
lucro ano após ano, com a Selic em elevação ou em baixa. A concentração do
capital comercial cresce e os lucros suculentos também. A burguesia industrial
fenece sem manifestar resistência, pelo contrário, na mesma medida em que exige
maior abertura da economia reivindica políticas compensatórias para sustentar
sua incapacidade crônica na concorrência com produtos estrangeiros. O assalto
ao Estado não respeita regras! Enfim, a classe dominante anuncia sem vacilação
não existir vida burguesa fora do liberalismo extremo. A expressão máxima da
coesão burguesa em torno do ideário liberal é o lançamento da candidatura de um
funcionário do capital financeiro, Henrique Meirelles, à presidência do país. A
"reforma moral' pretendida pelos liberais e anunciada pelo general Mourão
necessita candidatos que não cedam ao "populismo" e à conciliação de
classes. Meirelles é impotente no terreno eleitoral mas sua presença é garantia
de que o liberalismo de direita terá um profeta que não cede aos apelos
mundanos inerentes a uma eleição presidencial que se realiza num momento de
enorme crise social. Ademais, ele não esta só na cruzada ultra liberal: Amoedo,
Meireles, Alckimin, Bolsonaro, Marina...
O liberalismo de
esquerda - Lula, Ciro, Manuela e até mesmo Boulos - clama pela restauração de
programas sociais limitados, doses possíveis de justiça tributária e respeito
ao cretinismo parlamentar, que é incapaz de legitimar o regime politico que
apodrece. Não há saída pelas regras do sistema! Não é mais possível restaurar
as "virtudes" da democracia. O que acontecerá?
O papel da pequena burguesia
Ao contrário da grande burguesia que, repito, exibe enorme
unidade política em torno do programa liberal, a pequena burguesia -
proprietária e assalariada - indica um comportamento errático, mas de crescente
radicalização. Não faz sentido buscar coerência na atuação da pequena burguesia
e das classes médias em geral, pois ela oscila de acordo com a intensidade da
crise. No entanto o combustível da radicalização das classes médias é duplo: a
corrupção e os efeitos nocivos da crise econômica. A corrupção - sempre
inaceitável para um socialista! - é igualmente detestável para todos e
funciona, aqui e agora, como espécie de justificativa "ética" para o
cinismo pequeno burguês, cuja existência está marcada por pequenos privilégios
numa sociedade atravessada pela profunda desigualdade de classe.
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Os pequenos burgueses de Gorki
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A direita e a corrupção
A redução da política à moral confere enorme e invejável
radicalidade à pequena burguesia na disputa abstrata pelos "valores",
pois assim não necessita prestar contas às exigências do mundo real. Portanto,
o liberalismo de direita está mais apto para capitalizar o descontentamento
generalizado contra a corrupção, na medida em que indica o Estado como origem
de todos os males no suposto de que o "setor privado" não é corrupto!
Ademais, como sabemos, as massas não fazem distinção entre governo e Estado e
culpam o primeiro por seus males. Neste contexto pouco importa se atrás de um
político corrupto sempre encontramos um empresário exitoso, afinal a crítica do
liberalismo de direita não é dirigida contra os capitalistas (Eike Batista ou
os irmãos Batista da JBS), mas aos políticos corruptos comprados por eles e com
insistência denunciados no noticiário diário da TV.
A defesa social-democrata do Estado interventor e
desenvolvimentista é incapaz de enfrentar a ofensiva liberal de direita no
terreno moral, não somente porque minimiza os efeitos perversos do assalto ao
estado, realizado à luz do dia por meio da elevadíssima dívida pública, mas,
sobretudo, porque o programa liberal de petistas e tucanos tem como pilar de
sustentação a compensação estatal com suculenta "ajuda" para as frações
perdedoras do capital nacional (e também multinacional!). De resto, o
petucanismo não pode dar lições sobre moralidade pública à direita
proto-fascista ou neofascista, pois nas suas filas e suas alianças abundam
corruptos notórios ou celebridades delatadas prestes a ajoelhar nos tribunais
ou mesmo ingressar nos presídios.
Acuado no terreno moral quando as massas descobrem o
alcance da corrupção nos assuntos de Estado, o petismo revela impotência na
disputa política. Nestas circunstâncias logra apenas simular a reprovação moral
ao indicar - nos melhores casos! - que a corrupção é inerente ao Estado burguês,
numa súbita e inacreditável análise leninista do Estado e não inocente
naturalização do fenômeno. Na realidade pretende apenas ocultar seu
protagonismo na maquinaria podre da corrupção entre capitalistas, políticos da
ordem e o sistema partidário. No entanto, a despeito da simulação, as massas
não esquecem que o êxito petista foi, durante 13 longos anos, beneficiário
direto da máquina corrupta. A direita - promotora de tenebrosas transações
desde sempre - é tão mais hábil quanto cínica e não perde oportunidade de
indicar o PT, e Lula, como dirigente da mais perigosa organização criminosa já operante
na política brasileira. FHC, o uspiano, é insubstituível nesta função: emprestou
verniz sociológico, de extração weberiana, às teses de Moro ao afirmar que
"a corrupção sempre existiu, mas não era organizada pelo sistema
político".
A esquerda e a corrupção
Nada pode ser mais pernicioso na política do que a
complacência, ou ainda a ambiguidade, na luta contra a corrupção. Ainda pior é
considerar o combate à corrupção mero resíduo moralista inadequado à luta de
classes. Aos complacentes bastaria recordar que Getúlio Vargas foi acossado até
os últimos dias sob a acusação de orquestrar um "mar de lama". Jânio
Quadros tornou-se popular também porque "varreria" a corrupção do país.
João Goulart e o reformismo nacionalista era igualmente acusado de conviver com
a roubalheira. E Collor de Mello, como esquecê-lo? Acaso não atacaria os
marajás para redimir o país dos males da corrupção? Após tantos exemplos de
nossa História é no mínimo irresponsável abandonar a luta contra a corrupção
ou, pior ainda, deixá-la nas mãos do liberalismo de direita sob o
"argumento" de udenismo. Não se deve esquecer que quando surgiu na
cena política o PT (e especialmente Lula!) tinha no combate à corrupção uma
importante bandeira de agitação contra a classe dominante que, lentamente, foi
secundarizada e mais tarde completamente esquecida na exata medida em que o
partido se submetia à razão de Estado. Não foram necessárias mais do que
algumas vitórias eleitorais em prefeituras e governos de estado para indicar a
Lula e ao PT que a crítica, e especialmente o combate à corrupção, deveriam ser
considerados "erros de juventude" incompatíveis com o "realismo
político" de quem precisa governar o país.
A burguesia opera a redução da política à moral,
empurrando o liberalismo de esquerda para a impotência política na exata medida
em que novas denúncias surgem e velhas são requentadas segundo a conveniência e
cálculo político do juíz Moro. Foi assim que a classe dominante - articulando
judiciário e imprensa - afastou de maneira definitiva amplos segmentos da
classe média do polo eleitoral representado pelo PT e Lula. No entanto, ainda
que importante, não foi esta a cartada decisiva. A ofensiva do liberalismo de direita é resultado necessário do pacto de
classe comandado pelo PT em benefício de todas as frações do capital. A eliminação
definitiva do horizonte socialista e de certo radicalismo político no partido e
nos sindicatos sob sua influência, promovidos pela suposta sapiência de Lula -
considerado pelos ingênuos pouco menos que um gênio político -, eliminava no
nervo o único obstáculo que as frações burguesas realmente temem: a referência
classista e a ação combativa orientada pelo programa socialista. Neste
contexto, a acomodação de classe não poderia produzir mais do que as políticas
sociais compensatórias – uma digestão moral da pobreza – destinada tão somente
a mitigar a dor dos miseráveis sem qualquer possibilidade de superar a opressão
e exploração a que estão historicamente submetidos. Esse processo é
irreversível e basta observar as alianças que Lula - desde a cadeia em Curitiba
- traça com Renan Calheiros, Eunício de Oliveira, Wellington Fagundes e tantos outros personagens que votaram pela destituição de Dilma e eram considerados "golpistas" até ontem na mesma medida em que são absolutamente necessários e
justificáveis para sair da crise agora...
A crise social e a
pequena burguesia
A despeito dos programas sociais, os dramas da pequena
burguesia foram encubados nos governos do PT pois a concentração de renda e
patrimonial nunca cessou desde 1994. Em sentido oposto, naqueles anos o bordão
preferencial de Lula e Dilma consistia basicamente em afirmar o milagre dos
governos petistas responsáveis por "tirar da miséria 40 milhões de pessoas
e incluir outros 30 milhões na classe média". A falsificação grotesca da
metodologia necessária para garantir essa maravilha pouco importava ao petista
militante, e menos ainda à burocracia parlamentar do partido, que colhia os
dividendos da popularidade passageira nas urnas. O bordão preferencial de Lula
era enganoso em dupla dimensão. Ora, até mesmo a sociologia da ordem ensina que
um país de classe média forte é insustentável na periferia capitalista
latino-americana dependente. Ademais o discurso presidencial dissipava a
consciência de classe dos trabalhadores, pois a entrada na "classe média"
representava o acesso ao paraíso sem as dores do enfrentamento com o estado
burguês e as classes dominantes. O poder burguês intocável e o número de pobres
e miseráveis diminuindo: sem dúvida, o "melhor dos mundos possíveis".
De fato o discurso de Lula - como todo político vulgar orientado pelo princípio
da justiça social - justificava com a presumida sabedoria do presidente a
possibilidade da conciliação de classe desde que, obviamente, "bem
manejada". Na verdade a operação política consiste em apresentar a
conciliação como fruto do talento de Lula, e não como resultado de uma imposição
das classes dominantes que a descartariam sem cerimônia quando necessário.
Eis a razão pela qual Lula foi presa fácil para Moro: sua
prisão não representava qualquer ameaça à ordem dominante tal como demonstrou
sua melancólica despedida no sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo. Quando
muito Lula figura como obstáculo eleitoral, que ao fim e ao cabo, caso
necessário, a classe dominante estabelece o rumo do governo num acordo tão
fácil quanto desejado pelo ex-presidente. Por isso todas as previsões
catastróficas produzidas por seus profetas acerca do cancelamento das eleições
presidenciais, golpes militares ou ainda a ameaça fascista são tão descabidas
quanto convenientes para o petismo. Essa narrativa é irreal mas não inútil,
pois mantém o liberalismo de esquerda cativo dos estreitos limites do sistema,
onde cumprirá eternamente a função de denunciá-lo na vã tentativa de melhorá-lo
e colocá-lo a serviço dos interesses das maiorias. A recente reativação
eleitoral da polarização petucana (Alckmin x Haddad), é talvez a última cena
deste conhecido roteiro cujo objetivo é limitar o horizonte político do
processo eleitoral. O resultado será visto em poucos meses.
A oposição parlamentar socialista - cujo epicentro é o PSOL
- ao defender a política social dos governos petistas e Lula da perseguição de
Moro, comete pecado capital: renuncia o terreno da disputa moral para gozo
exclusivo da direita liberal. Nesta linha, destinada a assegurar e
eventualmente ampliar a bancada de deputados com votos de extração progressista
supostamente hegemonizada pelo petismo, troca a possibilidade de constituir-se
como referência anti-sistêmica aqui e agora em nome de uma representação
parlamentar mais numerosa contra o futuro governo que já sabemos, será liberal.
No entanto, a vida não se resume ao parlamento e menos ainda quando o sistema
parlamentar, tal como atualmente funciona, entrou em crise terminal.
Os efeitos corrosivos do liberalismo na economia
Longe do desconforto de ordem moral, a contradição
fundamental da pequena burguesia - especialmente a proprietária - é resultado
da aplicação cada dia mais intensa do programa liberal responsável pela lenta e
inexorável corrosão de suas condições sociais e possibilidades econômicas,
reduzindo a distância que a separa dos proletários, sempre mais pauperizados.
Neste contexto, aumenta o descontentamento com a política oficial e a
voracidade da crise mantém o pequeno burguês na oscilação entre a contestação
do governo e escassas esperanças nas promessas do liberalismo de direita. Não
há que buscar coerência no comportamento da pequena burguesia, pois seus
movimentos resultam precisamente da intensidade da crise. A greve dos
caminhoneiros - puxada pelos proprietários autônomos - é expressão clara do
fenômeno, mas está longe de ser a única. A reticência de setores sindicalistas
e progressistas em apoiar sem vacilação aquele movimento revela o quanto
ignoram a natureza específica da crise atual.
A enorme ofensiva do capital contra o funcionalismo público
– nas três esferas, federal, estadual e municipal - é crescente e afeta
diretamente as classes médias insatisfeitas com os custos elevados das escolas
privadas, planos de saúde, segurança, vida social e cultural, etc. Assim, se
por um lado a ideologia liberal condena o Estado como fonte de todos os males,
por outro a ausência ou a péssima qualidade dos serviços públicos decorrentes
da "austeridade fiscal" empurra milhões para o combate
anti-sistêmico. Sendo assim, não basta clamar em defesa dos "direitos da
cidadania" e menos ainda à retórica sobre a importância das políticas
públicas notoriamente incapazes de evitar o abismo social onde se encontram
milhões de trabalhadores. Numa lógica das situações extremas simplesmente não
há espaço para o antigo keynesianismo ou as políticas de bem estar social de
extração socialdemocrata. Nem mesmo cobrando impostos da classe dominante ou
limitando o tradicional assalto ao Estado promovido por todas as frações do
capital. O rentismo é
imbatível no interior do sistema pois ele é o sistema!
O rentismo
seguirá apertando a pequena burguesia porque é próprio de sua autorreprodução
a concentração e centralização da propriedade, tal como ocorre
desde 1994, início do Plano Real. O latifúndio se amplia e também as terras e
imóveis urbanos seguirão nas mãos de poucos proprietários, na exata medida em
que os aluguéis encarecem e a propriedade torna-se importante instrumento de
reserva de valor. O pesadelo pequeno-burguês nesse contexto é interminável. É
verdadeiramente um mistério que a esquerda - especialmente o PSOL - não atue em
consequência e busque precisamente representar este radicalismo que, ausente, é
inapelavelmente capturado pela direita liberal. A pequena burguesia possui como
referência de futuro apenas as promessas irrealizáveis do liberalismo de
direita, pois o liberalismo de esquerda limitado à promessa de políticas de
corte socialdemocrata que acabam de ruir é incapaz de captar sua ira.
O combate a corrupção
Nós socialistas sabemos
que a origem da corrupção é a relação simbiótica entre capital e Estado. No entanto, este reconhecimento não pode ocultar a decadência política e moral do
petismo, especialmente de sua direção, e a consequente impotência política de
um partido sob razão de Estado incapaz de combate-la até o fundo e o fim. O bom moço Keynes - ignorado em larga medida
pelos keynesianos brasileiros - alertou há quase um século (1926) que "a
inépcia dos administradores públicos contribuiu muito para levar o homem
prático ao lasseiz-faire – um sentimento
que, de maneira alguma, desapareceu. Quase tudo o que o Estado fizesse além de
suas funções mínimas, no século XVIII, era, ou parecia, injusto ou sem êxito”. Ora,
quando Dilma aplicou em 2014 um estelionato eleitoral semelhante ao de FHC em
1994, a inépcia petista sabotou no nervo a “competente” administração da ordem
alimentada durante dois mandatos por Lula. Neste contexto, a memória sobre o
veranico maravilhoso do segundo mandato do ex-presidente evaporou,
especialmente para as classes médias e a pequena burguesia proprietária. A
destituição de Dilma - o momento em que a burguesia decretou o fim da
conciliação de classe no país - foi embalada na propaganda exitosa que a
ex-presidente era completamente destituída de qualidades intelectuais e
virtudes políticas para dirigir o país. Enfim, seu governo exibiu a
"inépcia dos administradores públicos" indicada por Keynes e aqui
difundida de maneira insistente; até mesmo parte do petismo alimentou esta
política na medida em que também dirigiu muitas críticas a Dilma no suposto de
que se "Lula estivesse lá, tudo seria diferente"...
A redução da
política à moral segue crescendo no processo eleitoral sempre que surgem novas acusações
e as antigas são tiradas do baú pelo juíz Moro contra Lula. Foi assim que a
classe dominante afastou amplos segmentos da classe média do polo eleitoral
representado pelo PT e Lula, agora estruturalmente debilitado por razão
elementar: sem uma referência de classe socialista e combativa, Lula e o
PT não podem mais vencer essa batalha. Ao contrário, cada dia que passa, como
partido da ordem que alimenta esperanças no sistema, empenhado em renová-lo
como se fosse possível fazê-lo, terá inexoravelmente menos espaço entre as
classes médias, jogando-as aos braços do melhor pastor. As classes médias - ao
contrário do que pensa a filosofa municipal - não representam o
"horror". Ora, foram precisamente elas que deram a vitória ao PT e ao
seu profeta Lula, que nos governos petistas fixaram como utopia possível a
"inclusão social" tal como se, de fato, a esquerda não mais se
definisse pela luta socialista mas única e tão somente na luta contra as
"injustiças sociais" ou, como pretende renovar o PSOL, na luta
"contra os privilégios". Afinal, não foi de Lula a propaganda segundo
a qual "40 milhões de brasileiros deixaram a miséria e outros 30 entraram
na classe média"? Pois bem, as classes médias e os despossuídos desfrutam
agora de um país sem horizonte socialista, o único polo capaz de
rivalizar com a ofensiva ultra liberal das classes dominantes e, em
consequência, oscilam em direção à direita que captura sua atenção na medida em
que a política está reduzida à moral e o paraíso parece perdido para sempre por
pura responsabilidade da "esquerda".
De resto, as
reformas liberais caminham bastante bem. Não deve ser considerado um feito
menor o fato de que um governo sem qualquer aceitação tenha avançado como
nenhum outro na direção da política encabeçada pela fração financeira do
capital. A mais importante foi a reforma trabalhista que derrubou
estruturalmente os salários e afirmou o terreno fértil para o aprofundamento da
superexploração da força de trabalho. Antes dela, o congelamento dos gastos do Estado
por duas décadas garantiu os recursos necessários para manter o caráter
rentista cujo epicentro é a dívida pública. E o fim de um regime previdenciário
de interesse imediato para os bancos está consolidado como se sua eliminação
fosse uma condição para a existência do país. A resistência ao programa liberal
tem sido forte mas fragmentada, e tragicamente, os sindicatos e movimentos
populares reagem somente na medida em que o parlamento pauta as reformas. Um
movimento de massas orientado por uma concepção parlamentar de política seguirá
necessariamente limitado a posição reativa.
Frente
eleitoral e frente antifascista
Neste cenário
podemos observar com clareza os estragos produzidos pelo colapso programático e
moral de 13 anos de governos petistas. A direita não cansa - e não cansará! -
de identificar toda esquerda com o petismo. É confortável para as classes
dominantes a identidade de toda esquerda com a crise programática e moral do PT.
Pior ainda é observar que as forças de esquerda não desistem de marchar de mão
dadas com Lula, a principal liderança eleitoral do partido, trazendo o petismo
a reboque. O ato no Circo Voador no Rio em março deste ano e o Show Lula Livre
em julho - ambos com a presença de Boulos do PSOL - exibem bastante bem a
profundidade do estrago: é claro até mesmo para o observador neófito que antes
de avançar na constituição de uma frente anti-fascista, os eventos eram, de
fato, campanha eleitoral do PT e Lula.
Portanto a linha
"estratégica" à esquerda é suicida. O PSOL recusa o radicalismo de
esquerda e pretende herdar o espólio petista desconsiderando a natureza
específica da crise atual - em larga medida compreendida como se fosse mero
resultado da política recessiva de Dilma/Temer - e ignora o profundo e
definitivo desgaste do projeto petista e seu líder eleitoral na classe
trabalhadora e em amplos setores da classe média. No limite, a aliança branca
que o PSOL realiza com o PT sob o argumento do "direito de Lula ser
candidato", com Boulos insistindo em atitudes de "solidariedade"
irrestrita ao ex-presidente, pretende tão somente captar o voto para uma
bancada de deputados e senadores no suposto de que a base eleitoral do PT
caminhará em direção a candidatos éticos e mais combativos e não votará nos
parlamentares que seguem Lula e Haddad, composta majoritariamente de
oportunistas de todo tipo. Ademais, além de sua inscrição nos marcos restritos
da política parlamentar, é notório que essa atuação pretende definir o
alinhamento do PSOL no segundo turno em torno do candidato petista,
provavelmente Haddad. De resto, anuncia-se sem muita convicção e de maneira
parcimoniosa a transição para outro partido cuja composição e hegemonia
abrigaria possivelmente as correntes moderadas do PSOL e a "banda
ética" do PT capaz de inaugurar no Brasil uma... nova esquerda!
Este
"projeto" despreza a evolução recente do capitalismo dependente em
sua fase rentística na suposição de que o liberalismo de esquerda combativo, a
"aliança com movimentos sociais" e uma dose de cretinismo parlamentar
poderá realizar funções construtivas na guerra de classes inaugurada pelo
ajuste de Dilma e aprofundada pelo governo liberal e corrupto de Temer. É ledo
engano. Nestes termos o PSOL navega sem bússola e perde oportunidade histórica
de romper com os limites políticos e culturais que ainda aprisionam
contingentes de trabalhadores na angústia e exploração de um sistema que não
mais tem capacidade de renovar-se pelas vias "civilizadas" e no
"respeito às regras democráticas". A denúncia do "estado de
exceção" expressa precisamente essa falência da crítica e a miséria do
diagnóstico centrado na "crise de representação do regime político"
que, nestes termos, derivou na "mais profunda crise de nossa
democracia". Há, contudo, os ventos erráticos do sistema eleitoral que
poderá reservar surpresas nunca antes pensadas.
O segredo
de Bolsonaro
Bolsonaro mantém posição nas pesquisas operando no vazio do
radicalismo de esquerda e também na dupla incapacidade de liberais de esquerda
(PT) e de direita (PSDB) em afirmar mecanismos de renovação do sistema
petucano, cuja impotência em afastar-se da lepra da corrupção é cada dia mais
evidente para milhões de eleitores. Neste contexto, a pecha de fascista
destinada ao deputado oculta algo essencial: o êxito nas pesquisas eleitorais é
resultado direto de sua insistência na acusação do sistema político petucano, de
todas suas misérias e não por que é de fato, um novo ‘Messias’, capaz de
representar o ovo da serpente que na próxima segunda-feira nos conduzirá ao
regime fascista. As teses ultra liberais que toscamente indica no terreno da
economia são - ao contrário do que os acadêmicos julgam - ácido contra a
inépcia das políticas públicas de corte socialdemocrata ou caritativa em tempos
de crise social e de colapso financeiro do Estado, incapazes de romper a
dinâmica satânica do rentismo sobre a dívida pública e o raquitismo dos
programas sociais.
Ademais, o ultraliberalismo defendido por ele jamais poderá
ser testado no mundo dos homens - razão pela qual tampouco pode ser batido no
terreno da mera argumentação - pois é utopia reacionária e, embora de
comprovada eficácia para capturar o senso comum em períodos eleitorais, jamais
foi levado a prática em qualquer país do mundo, simplesmente porque sem Estado
não existe capitalismo. Há que se compreender algo decisivo nesta disputa:
Bolsonaro é um marionete nas mãos de Washington, uma carta do ultraliberalismo
a serviço dos Estados Unidos. Aqui reside, precisamente, a força de seus
argumentos, pois o ultraliberalismo jamais poderá ser levado a prática de
maneira cabal; basta observar que a realização de uma etapa de reformas
liberais deverá, necessariamente, ser seguida de outra ainda mais forte que,
invariavelmente, será ainda insuficiente! A natureza religiosa da política que
ele representa é capaz inclusive de roubar protagonismo do
pastor-evangélico-deputado que, com os pés no mundo real e aferrado ao dinheiro
(In God we trust), adotará sem cerimônia e remissão o messias mundano,
renegando logo que necessário e possível, o deus que simulam adorar. Portanto,
as acusações de que Bolsonaro não tem programa e que seus argumentos são
irracionais, sem compromisso em solucionar os cada dia mais graves problemas
nacionais, simplesmente não colam mais.
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Bolsonaro é, na verdade, mais um candidato de Washington
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Os partidos políticos da esquerda liberal manifestam
ineficácia na tarefa de produzir teoria sobre a realidade brasileira e sua
profunda crise, razão pela qual importam da academia fragmentos de
interpretação da realidade nacional sem qualquer compromisso com o radicalismo
político e o rigor científico. Em consequência, os partidos políticos do
liberalismo de esquerda são cativos do academicismo liberal hegemônico na
chamada inteligência universitária, sem perceber suas graves consequências. Na
prática, estendem polêmicas do mundinho acadêmico para a vida partidária como
se pudessem nessa infantil operação, cativar as massas! Este comportamento -
expressão necessária do colapso completo do sistema petucano e dos acadêmicos
com fortes vínculos com partidos de origem na esquerda - não é somente ingênuo;
é também fatal para reconstruir o radicalismo de esquerda necessário para
enfrentar o avanço liberal e suas expressões proto-fascistas. É ilustrativo deste
fato que muita gente boa repita os bordões de acadêmicos inofensivos a ordem
burguesa como Boaventura de Souza Santos e outros tantos, para iluminar o
próximo passo da luta...
A demonstração mais desinibida da degradação da política
como práxis totalizante a qual a esquerda liberal adota como virtude, pode ser
observada no fato de que nesta disputa eleitoral os candidatos
"possuem" seus economistas, apresentados com inusitada insistência
nos programas de TV como verdadeiros oráculos que poderiam nos salvar da
máquina de moer gente que deparamos desde sempre. Na real a cartada televisiva
e do jornalismo em geral opera radical separação entre política e economia,
responsável por perversa inversão, pois ela indica claramente que os candidatos
não possuem um economista mas precisamente o contrário: o economista é quem,
finalmente, possui um candidato! O proto-fascista Bolsonaro, com razão acusado
como ignorante completo, incapaz de diferenciar a taxa de câmbio de uma
frigideira, é hábil quando afirma sua fé inabalável no batalhão de
técnicos competentes e em seu delfim economista capaz de arrumar esta
"esculhambação". Não é ocioso observar o discurso liberal de todos os
economistas mais salientes distinguindo-se apenas por maior ou menor domínio
das contas nacionais e correlações típicas dos manuais de macro-economia do
mundinho acadêmico. No entanto, todos eles ajoelham no altar das finanças, ou
seja, da fração financeira hegemônica no pacto de classe que nos domina. Na
Europa, foi a fração financeira quem comandou o fascismo, mas essa lição
histórica é sistematicamente omitida pelos que aqui e agora pretendem nos
alertar contra a emergência daquele regime.
Ora, a separação radical entre o candidato e seu economista
é também a maior expressão da concepção tecnocrática de política, dirigida
precisamente à administração da crise segundo os interesses da classe dominante
(especialmente da fração financeira) e jamais em superá-la em favor das classes
subalternas! O antigo elogio à tecnocracia como caminho redentor diante da
deficiência crônica da política social e do subdesenvolvimento encontra seu
correlato à esquerda na medida em que a política como atividade totalizante,
ato destinado à emancipação dos oprimidos, se refugia em "causas" e
termina na impotência quando adota o "conceito" de
"empoderamento" para redimir, por meio do otimismo individual, dos
manuais de auto ajuda e da simulação de práticas coletivas, a violência e
exploração a que estão submetidas as vítimas do sistema. A denúncia retórica
contra a "política do ódio", a "violência" e a
"intolerância" nada pode no contexto de uma guerra de classes!
Mais do que um caminho para enfrentar a ofensiva burguesa, a insistência nas
lutas fragmentadas destinadas a fortalecer "causas", indica que a
defesa de direitos particulares não mais pode ser eficaz como
substituição da práxis totalizante; ao contrário, somente um programa
totalizante e o ataque ao coração do sistema petucano poderia multiplicar o
esforço anônimo e militante de milhares de pessoas que sustentam os movimentos
populares. Eis a razão pela qual os chamados movimentos sociais - a despeito de
sua importância - acumulam derrotas atrás de derrotas no contexto da guerra de
classes aberta contra o povo. Expressam também que se a resistência é
importante e sempre ocorrerá movida pelo sofrimento e exploração das vítimas do
sistema, os limites implícitos da política baseada na denúncia da
"intolerância" e da "política de ódio" soam infantis e
antecipam o destino de todo moralismo: a impotência em ação!
Epílogo eleitoral
Neste mês inicia o epílogo eleitoral: a propaganda na
TV. Os dois partidos da ordem (PT e PSDB) poderão afirmar a centralidade da
disputa pois dispõem de maior tempo de televisão. O desafio central do sistema
petucano é impedir que Bolsonaro apareça como o único candidato anti-sistêmico
numa eleição aparentemente previsível que repetiria a polarização dominante
desde 1994. As últimas semanas oferecem indicativos sérios de que a eleição
petucana poderá não existir. A renúncia ao radicalismo de esquerda permitiu a
Bolsonaro avanço solitário na condição de alguém que está contra "tudo o
que aí está". Alguém poderia acreditar? Em larga medida alertamos para
este fato desde o início do ano indicando também o único caminho capaz de
barrar Bolsonaro: o radicalismo de esquerda. O caminho ficou livre para o
proto-fascista que, nos marcos de uma eleição disputada, atualiza o voto útil
já no primeiro turno. O voto progressista tem neste contexto um único objetivo:
evitar o pior. E o que seria o pior? Bueno, a consciência ingênua tentará
evitar um segundo turno entre Marina e Bolsonaro ou entre este e Alckmim. Nesta
miséria - dependendo do que farão tucanos e petistas no horário eleitoral - a
candidatura de Haddad poderá crescer.
A frente eleitoral anti-fascista tão desejada pelo
liberalismo de esquerda como meio de exorcizar a ameaça fascista conta
inclusive com o entusiasmo de Fernando Henrique Cardoso, que já anunciou que
votaria em Haddad contra Bolsonaro. E o que faria o PT caso Bolsonaro fosse
para o segundo turno contra os tucanos? Creio que retribuiriam a gentileza para
evitar o avanço do "fascismo". A luta política esfacelou os partidos
da ordem e exige radical redefinição entre os políticos da classe dominante.
E nós, da esquerda? Não teremos mesmo que chafurdar nesta
lama na qual os liberais redefinem seu futuro diante do avanço inexorável do
ultraliberalismo. Aqui e agora é preciso exercer a política da renúncia às
misérias do sistema, abandonar as ilusões das possibilidades parlamentares,
renovar a práxis política no interior dos sindicatos e exercer a crítica a
tudo e a todos no lento trabalho de reconstrução das referências críticas para
os trabalhadores e nossa juventude num pais em rápido giro à direita. A
reconstituição de uma referência radical, preferencialmente de corte
socialista, tinha na disputa eleitoral uma oportunidade estratégica que a
aliança PSOL/PCB desprezou completamente. Este grave erro cobrará elevado preço a partir de janeiro de 2019, quando um governo liberal e um parlamento corrupto
dominado por conhecidas figuras a serviço da classe dominante atuarão segundo o
roteiro do ultraliberalismo e, na mesma medida, os políticos profissionais
sempre orientados pelas conhecidas virtudes republicanas exibirão as vísceras
de um sistema colapsado a serviço do exclusivismo burguês.
Neste contexto, a polarização petucana já dançou. O
aprofundamento da dependência e do subdesenvolvimento sob o impulso de petistas e tucanos na
administração do Plano Real, o declínio do antigo orgulho burguês responsável
pela característica moderna e terrível da sociedade brasileira, encontrou novo
inimigo. A ameaça fascista cai como uma luva neste cenário e será útil para
perpetuar as cadeias que nos mantém presos ao passado e ao presente, anulando
as possibilidades e a necessidade do horizonte radical e socialista aqui e
agora. O liberalismo de esquerda exigirá a redefinição partidária que alguns
com cândida inocência consideram uma saída sem traumas sob os escombros de um
sistema político que vive seus últimos dias. A ameaça fascista se tornará real?
No momento não é necessário para a classe dominante, pois a guerra de classes
acumula resultados favoráveis para seu programa. O fascismo, caso necessário,
será uma vez mais, o epílogo do extremismo liberal. Mas não devemos nos enganar
sobre o essencial: somente um movimento de massas, de orientação socialista,
enraizado nas maiorias poderá enfrentar o monstro caso ele, finalmente, levante
a cabeça.