sábado, 4 de maio de 2024

Greve nas universidades: radicalizar ou negociar?


A greve nacional dos professores produziu na UFSC um falso dilema: devemos radicalizar e fortalecer a greve em curso dirigida pelo ANDES Sindicato Nacional   ou apostar exclusivamente na mesa da negociação entre o governo e as entidades sindicais da educação (Andes, Fasubra, Proifes)?

A radicalização não excluiu a negociação; ao contrário, o recurso à greve somente se justifica como meio eficaz de pressão na mesa de negociação. A greve pressiona o governo e devemos fortalecê-la para ganhar força numa negociação que, por responsabilidade do governo, é tardia e até agora muito ruim para a categoria.

No passado – não devemos jamais esquecer! – o recurso à greve era com enorme frequência um meio para estabelecer a mesa de negociação, pois os governos recusavam sem cerimônia qualquer iniciativa do ANDES para realizar acordos; na prática, os governos empurravam a categoria para a paralização. Em não poucos casos, o movimento grevista tinha que arrancar a negociação não com o ministro da educação, mas – pasmem! –, com o presidente da Câmara ou do Senado. A propósito, recordo que em algumas oportunidades o movimento recorria aos políticos “de peso” na república burguesa e, portanto, com acesso ao Palácio do Planalto (Antônio Carlos Magalhaes, Luiz Eduardo, entre outros cumpriram essa função!). Assim, por meio de parlamentares, o movimento grevista exercia alguma pressão sobre o Ministério da Fazenda.

Nas circunstâncias atuais esse artifício não tem qualquer eficácia, pois Haddad é o representante máximo da ortodoxia liberal e defensor religioso do déficit zero; de resto, no covil de ladrões, tanto Lira como Pacheco – após conquistar do governo 44,57 bilhões de emendas parlamentares – fazem coro com o ministro e atuam como guardiões da austeridade fiscal contra o povo e, em especial, contra o funcionalismo público (exceto, é claro, com o Judiciário que já consome 1,5% do PIB).

Não nos enganemos sobre o essencial. O reajuste linear de 9% concedido pela MP 1170/23, iniciado em 1 de maio do ano passado a todo o funcionalismo público nacional não foi produto da pressão ou de uma negociação do governo com as entidades sindicais. Nem radicalismo, nem negociação! O governo decidiu o aumento em função de seus próprios interesses, mas com olhos no futuro: o “folego” do ano passado era antídoto do aperto permanente decidido na transição de Bolsonaro a Lula sob a partitura do teto de gastos considerados orwellianamente pelo petismo como “arcabouço fiscal”. Na prática, aquele reajuste não recupera nossas perdas de pelo menos 25% derivados dos acordos de 2016 e 2017 e nunca respeitados pelo governo. Portanto,  os percentuais prometidos apenas compensam a inflação que sofremos, mas estão longe – bem longe! – de recuperar o poder de compra da categoria.

A ortodoxia de Lula/Haddad poderá ceder? Sem dúvida! A Polícia Federal levou 22% e os funcionários do Banco Central 23% de reajuste; a Polícia Rodoviária Federal arrancou 27% e a Polícia Penal Federal, outros 60%. Os auditores fiscais  conquistaram um “bônus de produtividade” de R$4.500,00 iniciais. O IBGE e especialmente a FUNAI conseguiram significativos reajustes na carreira com 40% em janeiro passado. Que tal?

A greve dos auditores fiscais ensina algo valioso para todos nós. O movimento eclodiu em dezembro de 2023 e durou... 80 dias! No dia 7 de março o Sindifisco anunciou que “os valores para pagamento do bônus ficam definidos da seguinte maneira: 10,19% para os meses de fevereiro a julho de 2024, com limite mensal de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais); 11,33% para os meses de agosto de 2024 a janeiro de 2025, com limite mensal de R$ 5.000,00 (cinco mil reais); 15,52% para os meses de fevereiro de 2025 a janeiro de 2026, com limite mensal de R$ 7.000,00 (sete mil reais) e 25% para os meses de fevereiro de 2026 a janeiro de 2027, com limite mensal de R$ 11.500,00 (onze mil e quinhentos reais)”. Portanto, mesmo não pertencendo à vala comum dos servidores públicos – representavam uma “carreira de Estado” no jargão socialdemocrata dos finados tucanos dirigidos por Bresser-Pereira – os auditores foram à luta e arrancaram agora o bônus! Não está  descartado que tenham que retomar mais adiante o movimento, caso o governo não reconheça sua assinatura num acordo onde tudo cabe, exceto a honra. Contudo, escolado na arte de negociar com governos sem palavra, o Sindifisco afirma que o acordo está limitado ao bônus e – muito importante! – nada impede que a categoria possa “se mobilizar na luta para a conquista de outras reivindicações como vencimento básico, fim das contribuições previdenciárias e busca pela integralidade”.

Ora, a negociação em curso com os professores está ancorada na promessa de aumento nos próximos anos, mas nenhum aumento agora: zero em 2024! De fato, a proposta é inaceitável até mesmo para o Proifes. Mais: é um estímulo à greve que já mobiliza mais de 40 universidades. Portanto, a despeito de promessas e eventuais acordos sobre ganhos no futuro, a questão é, como em toda a greve, o agora. Fortalecer a greve nesse momento é a única maneira de influenciar na negociação em curso em Brasília. Até mesmo o bom moço Keynes alertou que “no longo prazo todos estaremos mortos” e, em consequência, os pontos mais importantes não estão na promessa de reajuste em 2025 e 2026. Ora, diante da mais absoluta ortodoxia liberal, qual é a garantia de que o governo cumprirá o acordo no próximo ano?

Nesse contexto, devemos buscar o grau máximo de unidade entre os professores e lutar também pela máxima adesão dos professores. É um trabalho essencialmente político. A divisão entre o ANDES e o Proifes – entidade reconhecida pelo governo Lula para dividir a categoria quando o ministro da educação era ninguém menos do que Fernando Haddad em 2007 – é um obstáculo objetivo a ser superado. Até aqui, as suspeitas e fatos que marcaram a trajetória do movimento docente foram produtos de erros e acertos do ANDES. Entretanto, águas passadas não movem moinho! É preciso somar com o Andes com a mesma força  com a qual devemos exigir a renovação de sua práxis política sindical.

Qual projeto de universidade?

Há outros problemas mais graves do que o índice de reajuste. A classe dominante já decidiu a sorte da universidade no Brasil e o governo Lula/Alckmin segue à risca o roteiro. Há sinais evidentes que nem mesmo o rebaixamento do debate sobre a “função social” da universidade pode ignorar[1] . O financiamento das universidades praticado por Lula para 2024 foi inferior ao do protofascista Bolsonaro em 310 milhões!! Até agora, a ANDIFES não tem uma ação decisiva para arrancar recursos adicionais destinados à recomposição orçamentária necessária à restauração das condições mínimas para nosso funcionamento. De resto, a aposta oficial do governo – anunciada em 12 de março de 2024 – se resume à expansão de 100 novos institutos federais com a abertura de 140 mil vagas. Ademais, no MEC, Camilo Santana goza de enorme prestígio e, em consequência, em posição confortável, segue dando as cartas com orientação da Fundação Lemann. Aqui – e em todo o Brasil – as universidades exibem sua miséria na gravíssima crise da infraestrutura, nos déficits permanentes e na crônica falta de investimentos. O planejamento está morto! Em consequência, resta o miserável recurso às emendas parlamentares e a sorte de pequenas negociações no modesto balcão em Brasília. Enfim, o cenário não é nada bom.

A universidade, nas condições de um capitalismo dependente rentístico – sem base industrial e aprofundando a dependência científica e tecnológica – indica que a função social da universidade é, de fato, complementar. Na prática, a universidade presta serviços a órgãos de Estado (ministérios, estatais, fundações, etc) e busca nas empresas nacionais e multinacionais nichos para garantir seu funcionamento. Portanto, não há função estratégica para o sistema universitário no ideológico “desenvolvimento nacional”. Aos que duvidam, basta analisar com algum cuidado a proposta da “neo-industrialização” anunciada por Alckmin: não há recursos do tesouro Nacional e a “proposta” conta apenas com reduzidos recursos do BNDES. Na prática, o BNDES funciona como política compensatória de uma lumpem burguesia capaz apenas de contemplar pequenos e médios empresários longe da disputa tecnológica e migalhas para os neófitos adeptos das “start up” e do empreendedorismo.

Finalmente, a austeridade permanente contra as universidades constitui um impulso à mercantilização de todas as atividades possíveis entre nós. O pragmatismo não perde tempo e anuncia sua legitimidade: se o financiamento público é mesmo reduzido, o recurso ao privado ou a venda de serviços aos ministérios e às estatais sobreviventes ganham um ar de “legitimidade” inédito. No surrado bordão liberal, a universidade se tornou uma instituição “cara demais” para um país subdesenvolvido e dependente. A greve atual precisa ampliar o horizonte da reflexão para além do combate necessário destinado a arrancar reajuste e eventual melhoria na carreira.

O desafio do “professor novo”

O grau de regressão político-intelectual da esquerda liberal é profundo e reduziu o horizonte da luta sindical nos campi além de obstaculizar a reflexão sobre a função da universidade num país subdesenvolvido e dependente. A greve atual exibiu a imensa dificuldade dos “progressistas” em defender o elementar: nossos salários! Não poucos defensores do atual governo consideravam – e outros ainda consideram – que uma greve “contra o governo” fortalece uma modalidade de “neofascismo” que somente existe em suas cabeças! A derrota eleitoral da direita liderada até agora por Bolsonaro somente poderia ocorrer na ruptura com a economia política do rentismo, mas, ao contrário, o governo petucano segue à risca a partitura inaugurada com o Plano Real em 1994 e levada com truculência por Paulo Guedes no governo anterior.

Nesse contexto, a defesa dos salários ainda é cativa de um economicismo rasteiro (a luta dos salários contra os preços) mas não devemos desprezar que em determinadas circunstâncias pode adquirir um caráter transformador. Ora, nossa greve bate de frente com o teto de gastos adotado como virtude pelo governo Lula. O professor cativo de uma perspectiva individualista considera ingenuamente que, de fato, há algo especial em nossa profissão e, em consequência, supõe que, ao contrário dos demais servidores  públicos, ainda gozamos de prestígio social capaz de conquistar algum reajuste sem cair na vala comum do sofrimento humano. Ledo engano!! O princípio da austeridade é uma declaração de guerra contra os trabalhadores em geral e contra o serviço público em particular. Os baixos salários (90% da PEA ganha até 2,5 salários mínimos) e a dívida pública turbinam a acumulação no capitalismo dependente rentístico enquanto a consciência ingênua sonha com a volta de uma modalidade qualquer de keynesianismo impossível na periferia do sistema.

Aqui reside o caráter essencialmente político de nossa greve a despeito do economicismo dominante e da vã tentativa de poupar o atual governo de merecidas críticas! De um lado, o professor novo quer apenas seu salário e, de outro, o antigo militante petista quer agora evitar o “ataque” ao seu governo. A despeito de acusações mútuas, ambos são produto do mesmo processo. As greves – públicas e privadas – crescem em função das péssimas condições reservadas aos trabalhadores. O DIEESE informa que em 2020 foram 649 greves e em 2021 subiram para 721; em 2022 superaram a marca do milhar (1.067) e, finalmente, em 2023 novo patamar (1.132). A pressão é, portanto, anterior ao atual governo e indica um ativismo sindical ainda com “caráter defensivo”, porém com potencial diante dos aviltantes salários pagos aos trabalhadores.

A eleição da chapa petucana (Lula/Alckmin) era defendida pela esquerda liberal como necessária, um passo na derrota do “neofascismo” (seja lá o que isso significa) e uma possibilidade para a retomada da luta por melhores condições de vida e trabalho. A eleição figurava no discurso da esquerda liberal como condição para permitir melhores condições para a luta dos trabalhadores! Agora, subitamente, antes mesmo de defender seu salário, a esquerda liberal indica que a prioridade é... preservar o governo e impedir “a volta da direita”. Ora, essa concepção parlamentar de política que pretende confinar o conflito de classe cada dia mais intenso numa urna eleitoral é um caminho suicida! A “defesa da democracia” termina por legitimar um sistema político corrupto e funcional à ordem burguesa, que já conta com o repúdio de milhões de trabalhadores! Portanto, a “defesa do governo” não pode ser feita senão mobilizando e elevando o grau de consciência e autonomia dos trabalhadores diante dos partidos e do Estado! A propósito, esse era o postulado básico do PT e do sindicalismo de Lula antes de sua completa e definitiva integração à ordem burguesa!

Entretanto, o governo petucano (fusão de petistas e tucanos) goza de simpatizantes tanto no ANDES quanto no decadente Proifes. Lula aparece – para ambos! – como um perverso horizonte do possível no terreno do político como se estivéssemos, de fato, condenados a aceitar as misérias desse governo no suposto de que nenhum outro é viável nesse momento. Em nossa categoria – a despeito da desilusão manifesta, crescente e discreta – ouvi de setores da esquerda liberal a negativa de participar da greve porque estaríamos atuando contra “nosso governo”. Há também aqueles que pretendem afirmar a superioridade do governo petucano diante do protofascista Bolsonaro porque agora estamos pelo menos diante de uma negociação. É verdade que há uma negociação, entretanto, os argumentos em defesa do voto em Lula contra Bolsonaro eram precisamente porque em caso de vitória do primeiro, as condições para a luta melhorariam!

Desde uma perspectiva sindical, é preciso recordar que a fundação da CUT sob controle petista consistia justamente na defesa radical da independência e autonomia sindical. Os atuais defensores do governo esqueceram o fundamento sindical do petismo originário? Ao recusarem este princípio básico do sindicalismo nascido do protesto operário contra a ditadura, apenas confirmam o quanto estão submetidos a uma razão de estado e às graves consequências de tal orientação para a sorte dos trabalhadores. Ademais, o governo está completamente comprometido com o postulado da austeridade ultraliberal – a adoção do teto de gastos o comprova – responsável direto pela degradação do serviço público em geral e da saúde e educação em particular.

Aos que responsabilizam os “novos professores” pela situação atual e os acusam de despolitizados ou ainda de seres cativos de um miserável individualismo sem “espirito coletivo” unicamente apegados a seu pequeno mundo num laboratório semi financiado ou agraciado por algum contrato mais ou menos sólido com uma estatal ou multinacional, eu recordo que a renovação de nossa categoria ocorreu num período de ausência completa do radicalismo político e do mais absoluto desarme ideológico praticado como virtude pela antiga esquerda cuja representação máxima segue sendo o octogenário Lula. Acaso, após a miserável integração do PT e Lula à ordem burguesa com a consequente esterilização da práxis política radical, alguém poderia esperar que “jovem professor” entraria numa assembleia do sindicato com um volume de “A ideologia alemã” de Marx embaixo do braço?

O que pretendem zelosos defensores da “consciência de classe” quando responsabilizam os “novos professores” pela falta de mobilização da categoria? Ora, não pretendem menos do que isentar a “despolitização dos últimos 20 anos” propulsora da ascensão da direita que encontrou em Bolsonaro um inesperado “crítico da ordem” dominante! Acordem: ao calar sobre as misérias cada dia mais visíveis do governo e sua economia política que condena a maioria absoluta dos trabalhadores à superexploração da força de trabalho não fazem menos que deixar o monopólio da crítica para a direita!

Os baixos salários, os orçamentos sob permanente restrição, a mercantilização como aparente alternativa, o colapso da “universidade inclusiva” (Janine Ribeiro) evidente com a “sobra de vagas” e a redução acentuada da relação candidato-vaga em um sistema de ingresso (ENEM) que já deveria ter sido superado produz um evidente e justificado pessimismo nos novos professores. Como superar essa situação? No âmbito sindical, podemos retomar a reflexão crítica sobre a função da universidade num país cada dia mais afundado na dependência científica e tecnológica e abandonar definitivamente a miragem da inclusão social universitária num contexto onde os miseráveis são multiplicados pela taxa de juros mais elevada do planeta, os baixos salários e políticas compensatórias incapazes de tocar no nervo da marginalidade definitiva de milhões de brasileiros. 

Portanto, o suposto “vazio ideológico” do “despolitizado” jovem professor não é menos que um produto necessário da renúncia voluntária daquele radicalismo[2]  político identificado com o socialismo e a revolução social que era um combustível tão necessário para a politização dos colegas quanto da afirmação da universidade como instituição de Estado! Agora, diante de um sentimento de desânimo sobre o futuro e enquanto alguns professores sonham com uma temporada em Yale e Columbia, Sorbonne ou Oxford, não se dão conta de que estamos com os pés afundados num país subdesenvolvido e dependente que importa máquinas e equipamentos para a indústria, adubos para o latifúndio e não duvidaria que até mesmo a roupa intima que usam possui a marca indelével no selinho: made in China!

A greve, portanto, exibe não apenas nossas misérias, mas também as exigências de nosso desafio comum. O governo não tem projeto para o país – exceto a reprodução ampliada da dependência – e, portanto, tampouco pode oferecer algo digno para a universidade. A divisão sindical que nos enfraqueceu até agora precisa terminar de uma vez por todas, a despeito do caráter cada dia mais fantasmagórico do Proifes. Na mesma toada, o ANDES necessita da renovação de sua práxis sindical e a mais completa independência de qualquer governo. Mas essa é apenas uma condição necessária, jamais suficiente. É preciso que nosso sindicato abra um debate nacional sobre o futuro da universidade que já não cabe no surrado bordão de outras épocas (a defesa de uma “universidade pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada”) para enfrentar níveis de dependência jamais sofridos anteriormente.

Entre a conversão liberal da antiga esquerda radical existente nos anos oitenta do século passado – agora cínica defensora da ordem burguesa e do bom-mocismo – e a brutalidade da direita capaz de atuar sem vacilação rumo a uma modalidade qualquer de estado policial, a tarefa da greve é imensa: novos e antigos professores necessitam lutar pela imediata recuperação dos salários num tempo em que a própria existência da universidade como instituição está em questão.

Revisão: Junia Zaidan

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

As confissões de Zé Dirceu

 A completa integração do PT à ordem burguesa é assunto quase proibido entre as cabeças pensantes e independentes no país. Com frequência, quando a reflexão exige um pouquinho de rigor e duas moléculas de honestidade político-intelectual, a miséria partidária visível aos olhos de milhões de brasileiros, é tematizada como fruto de circunstâncias alheias à vontade de seus líderes. Supostamente, uma obra da contingência, jamais uma opção consciente de seus antigos dirigentes e especialmente da figura de Lula. A "ala esquerda" do PT - presença apenas testemunhal da decadência política, ideológica e programática do partido - reproduz ilusões sobre a real situação do outrora considerado o "maior partido dos trabalhadores da América Latina". Aquele militante de sentimento socialista há muito temperou suas antigas convicções com elevadas doses de pragmatismo cujo resultado pode ser identificado sem muito esforço no caráter confuso do governo, na miséria da maioria de seus ministros, na completa falta de iniciativa política e, sobretudo, na continuidade da economia política do rentismo sob condução de Lula/Haddad.

Em perspectiva histórica, a antiga capacidade de formulação do PT e seus dirigentes desapareceu para sempre pois agora as instâncias partidárias se encontram sob comando de deputados, governadores, senadores e todas as demais expressões do mais rasteiro cretinismo parlamentar e dos iniciados no submundo dos pequenos negócios. Nessas circunstâncias, não é exagero afirmar que o antigo partido nascido do duro combate operário contra a ditadura e forte presença da esquerda reformista e revolucionária - derrotada em abril de 1964 e mais tarde em 1974 com o fim da luta armada -, desapareceu para sempre. Entretanto, se muitos reconhecem os méritos de sua origem, são raros aqueles capazes de afirmar sua decadência na atualidade. No limite, sob o impulso de múltiplos interesses - todos distantes dos trabalhadores - um hálito de esquerda ainda permanece na jaula lulista. Em consequência, podemos observar apelos para a "volta às bases" e declarações em favor da "antiga militância aguerrida" quando o partido se encontra completamente capturado pelo carreirismo político-eleitoral sob a rasteira argumentação "gramsciana" segundo a qual é "preciso disputar a hegemonia" nos marcos do atual sistema político. Uma farsa completa!

Em consequência, a audiência aos atuais representantes do partido - nem em pesadelo poderíamos chamá-los de dirigentes! - constituiu um exercício inútil para a compreensão do conflito de classes de alta intensidade em curso no Brasil. O PT e especialmente Lula, repete enfadonhamente o bordão que alimentou a vitória eleitoral considerada por seus cardeais necessária para abrir as portas da volta à normalidade republicana perdida com a destituição de Dilma em agosto de 2016 e a vitória do protofascista Bolsonaro em 2018. Mas esse retorno, sabemos, é impossível sem uma mudança radical na correlação de forças que o resultado eleitoral de 2022 era como alertamos muitas vezes, incapaz de produzir. Contudo, o completo e irreversível controle liberal do PT e a dedicação resoluta de Lula em filiá-lo doutrinariamente ao Vaticano e ao Partido Democrata dos Estados Unidos, impede qualquer ação necessária para enfrentar tanto as transformações do capitalismo dependente em sua fase rentística quanto para regenerar a crença das maiorias no sistema político em crise profunda.

Aqui, precisamente aqui, reside a vantagem estratégica da direita protofascista comandada por Bolsonaro na conjuntura: a incapacidade crônica do PT e Lula em oferecer uma alternativa à dupla crise anunciada acima. Ademais, o governo e seu partido é notoriamente incapaz de pensar e implementar uma alternativa real para a crise da república burguesa, mas, inclusive, em função da composição e ação de seu governo, o petismo (seja lá o que isso quer dizer) não percebe o aprofundamento da crise e a completa repulsa da maioria da população às negociatas entre Lula e o covil de ladrões representado no congresso nacional. Os representantes do PT comandam, quando muito, comitês eleitorais e as disputas internas se resumem à busca de espaço nos ministérios cujo objetivo é a repartição de influências nos estados destinados à reprodução parlamentar e à conquista de governos estaduais. A função dirigente que o  partido pretendia em sua origem, não mais existe. 

Mas, então, quem "dirige" o Partido? Ora, Lula no governo! Não é Lula quem dirige, mas Lula no governo. E quando Lula não está no governo quem, afinal, dirige o PT? Bueno, nesse caso Lula mantém o controle das decisões mais importantes porque é "o único que pode chegar" a presidência! O Partido não passa de uma plataforma eleitoral de acesso a postos nos ministérios, razão pela qual uma instância decisória jamais ousa ultrapassar os limites estreitos da linha traçada pelo presidente da república. Há muito o Partido renunciou sua autonomia frente ao governo e mantém disciplina total diante das determinações de Lula.  

A submissão do Partido à razão de Estado é, portanto, completa e definitiva. Não é ocioso recordar que  na periferia capitalista (latinoamericana), o Estado possui determinações que ninguém pode ignorar, menos ainda aqueles devotados à tarefa de lograr cidadania nos marcos da ordem burguesa. Aqui, o "comitê de negócios da burguesia" não pode sequer apresentar o mofado e anacrônico "estado de bem estar social" que a duras penas e de maneira caricata exibe reminiscências numa Europa completamente submetida aos Estados Unidos. A orfandade socialdemocrata é, inclusive para o mais ingênuo dos desenvolvimentistas, uma dura e amarga realidade.

Nesse contexto, o vice presidente nacional do PT - o deputado Washington QuaQuá do Rio de Janeiro - não representa anomalia, mas uma demonstração da vitalidade do partido na ordem burguesa; ele, de fato, não possui limites ou escrúpulos, como diz um zeloso e impotente moralista, reminiscência da juventude partidária em extinção. Entretanto, a atuação do deputado fluminense exibe a ausência das antigas virtudes que o petista exitoso (vereador, prefeito, deputado, senador ou governador) tampouco pode carregar, pois a necessidade de reprodução parlamentar tem que conviver com todo tipo de oportunismo eleitoral e um apetite insaciável típico do lúmpem a serviço da burguesia. Portanto, nada de injustiça, por favor: além de Quaquá, existem muitos outros, de igual estirpe e com semelhantes objetivos, atuando com mais requinte na mesma direção.

É nesse contexto que ainda dedico alguma atenção às analises do José Dirceu. O ex-todo-poderoso secretário geral e presidente do Diretório Nacional por muitos anos, responsável pela derrota da esquerda marxista então existente no PT e influente chefe da Casa Civil do primeiro governo Lula, caso não tivesse sido destituído, seria o candidato imbatível na disputa interna na sucessão do então presidente. A despeito de sua aptidão para o pragmatismo, Zé Dirceu mantém seletiva memória histórica e segue operando como uma espécie de "referência crítica" para os petistas mais sensíveis e desesperados com os rumos do atual governo. Ele voltou a circular na imprensa burguesa, com frequência é ouvido por empresários e parlamentares porque, como a vida ensina, ninguém sabe sobre o dia de amanhã... É claro que as ações dos tribunais contra ele limitam e de certa forma regulam uma atuação mais destacada nas instâncias partidárias, mas nem por isso ele deixa de indicar caminhos e ensaiar uma disputa mais intensa.          

Pois bem, numa recente entrevista ao Instituto de Brasilidade  (22 de fevereiro), Zé Dirceu confessa seu absoluto ceticismo sobre as possibilidade do governo petucano. Afirma sem rodeios - mas com o devido cuidado - que o governo vai fazer muito pouco nesse mandato e adianta que somente num prazo mais longo (8, 12 ou 16 anos!!) o petista angustiado poderia ter alguma esperança de um resultado melhor.  Ora, o argumento é pueril mas alimenta o apetite eleitoral enquanto tenta ganhar tempo para regenerar o PT cujo congresso esta previsto para o próximo ano. 

Zé Dirceu, maldito pela política burguesa da qual segue fiel servidor, tenta recuperar influência política e incidir na reconstrução do Partido porque conhece a trama que ajudou construir e da qual foi, talvez, a principal vítima petista. Ele fala, sugere caminhos, mas não tem instrumentos para fazer valer suas propostas no governo: nem poderá. O PT, como partido capaz de mobilizar e incidir na guerra de classes, está morto. Em 2016, diante da ofensiva burguesa sob comando da direita, ficou evidenciada a mais completa impotência para manter Dilma ou ao menos lutar sem temor e medida na defesa da ex-presidente. Foi uma derrota histórica com profundas consequências entre as quais a impossibilidade de uma mudança de rumo radical ou moderada diante da ordem burguesa e as exigências do sistema político em crise. Na ausência dessa revisão, emergiu a justificativa ideológica do "golpe", a denúncia do "anti-petismo", os brados contra a perseguição judicial de juízos corruptos (Moro), a produção midiática de um consenso contra Lula e o PT, como se os inimigos de classe estivessem abandonado um código de ética na luta política republicana!

Quais as confissões mais importantes de Zé Dirceu na entrevista mencionada?

Em primeiro lugar Zé Dirceu confessa a ausência de um "núcleo de governo claro". Ademais, não deixa de acusar o "desastre em certas áreas" de atuação e registra a incapacidade de Lula em mover a militância mesmo quando denunciou as elevadas taxas de juros: as "bases" não se moveram e a "sociedade" ignorou completamente os reclamos presidenciais. Ora, ao contrário do que afirma ZD, o governo tem um núcleo racional cujo comando é de Lula e Haddad. Na prática é o "núcleo dirigente" ordenado pelo respeito absoluto da economia política do rentismo responsável pelo "desastre de certas áreas" cada dia mais visível para milhões de brasileiros na insuficiência das políticas públicas restringidas pelo teto de gastos e a política de austeridade praticada com total zelo até aqui. Haddad, com profunda convicção, faz a defesa do déficit zero! De resto, supor que uma base fiscal distinta - colocar os ricos no imposto e os pobres no orçamento - e uma baixa gradual dos juros, poderiam alargar as estreitas margens nas quais navega o barco petista é pura mistificação. 

Na segunda confissão Zé Dirceu recusa o ônus do identitarismo. Ele descobriu que a pauta ambientalista (Environmental, Social and Governance - ESG), LGBT e da igualdade de gênero é uma política dos capitalistas. Eureka!!! As empresas multinacionais adotam e multiplicam a ideologia liberal ao redor do mundo mas aqui, no Brasil, segundo suas próprias palavras, o "ônus ficou com a esquerda". É uma descoberta motivada pela baixa densidade eleitoral do identitarismo, a despeito de imensa propaganda diária dos monopólios dos meios de comunicação! Eis a razão pela qual Lula exigiu discretamente candidatos com alguma liderança popular e não alguém preto, gay ou mulher! De fato, o identitarismo rasteiro e alienante - expressão particular de mobilidade social de extração individualista - divide o que restou da esquerda e permite a agitação ideológica da direita na imprecisa e conveniente "guerra de costumes". É a deriva identitária denunciada e analisada com certa precisão por Elizabeth Roudinesco. O reconhecimento do problema por Zé Dirceu é tardio, porém útil para um gradual descolamento da agenda identitária; de resto, o PT já resolveu em larga medida o problema ao terceirizar o identitarismo via PSOL, (PC do B também) cada dia mais assemelhado a sublegenda no "horizonte" lulista.

Ora, o identitarismo é ideologia importada dos Estados Unidos, mais concretamente do Partido Democrata, mas o apetite eleitoral e o financiamento externo manteve fidelidade de muito "movimento social" e algumas "lideranças" a quinquilharia ideológica gringa. No entanto, a análise da disputa eleitoral no país imperialista revela de maneira cristalina as razões pelas quais Obama venceu nos Estados Unidos recusando abertamente o identitarismo em defesa astuta e realista da condição americana! Contudo, em sua sucessão, o Partido Democrata viveu breve primavera identitária nas internas de 2016 quando o senador Bernie Sanders tentou mas perdeu para Hillary Clinton. Na ultima disputa o identitarismo de Sanders ensaiou mas sequer chegou à convenção final. O Partido Democrata amargou uma fragorosa derrota para Trump e Biden seguiu a fórmula de Obama para vencer, mas a notícia apenas começa a chegar aqui...   

A terceira confissão não é uma novidade mas nem por isso deixa de ter importância: ZD declara o governo petucano de Lula/Alckmin como centro-direita; um governo de centro-direita com participação da esquerda! É uma pancada de realismo na cabeça do petista ingênuo e também do lulista religioso. É óbvio que a declaração não desperta consciência alguma no sentido crítico pois os dois bandos estão treinados na estranha arte do pragmatismo capaz de justificar qualquer ministro ou aliança desde que mantenha Lula na cadeira presidencial. Zé Dirceu pretende que o congresso do partido no próximo ano retome algo da iniciativa política a ponto de poder influenciar tanto na composição do governo quanto na orientação das políticas públicas na suposição de que é possível recuperar a capacidade de mobilização da sociedade com o despertar do PT. Entretanto, o compromisso de vida de Lula com a economia política do rentismo aliado às transformações do capitalismo no país que seus sucessivos governos produziram, a derrota histórica de 2016 e a renúncia do projeto socialista em nome da miserável administração democrática da república burguesa e da crise de seu sistema político impedem na raiz qualquer esperança nos mais otimistas.

A quarta confissão é uma novidade, pois reconhece que os países capazes de garantir certa estabilidade política e com alguma capacidade de intervenção nas disputas mundiais possuem uma coesão interna que aglutina forças sociais e, quando necessário, é também capaz de reprimir seus adversários reais ou potenciais com eficácia. Na linguagem cifrada, são países que lograram um sistema político centralizado, uma verdadeira miragem nas condições atuais nas quais Lula e o PT reforçam abertamente uma modalidade perversa de parlamentarismo e, em consequência, sabotam em nome do "realismo político" todas as virtudes potenciais do presidencialismo reconhecidas historicamente pelo povo brasileiro. É a defesa abstrata da democracia contra todas as formas totalitárias imaginárias! A despeito das evidências que qualquer um pode ler no jornalão burguês, Zé Dirceu se mantém cativo da criatura que ajudou a fortalecer e concluiu que somente Lula pode liderar um projeto de transformação e mudar o rumo do país. A contradição não poderia ser mais evidente: Lula atua decididamente nos marcos da podridão do sistema político e reforça todos os seus vícios, como se fosse virtude e sabedoria governar em aliança com Lira ou Pacheco, com Alexandre de Moraes e Campos Neto. De fato, não há uma só medida destinada a revisar as "amarras" herdadas dos governos de Temer e do protofascista Bolsonaro. Nem haverá! Não se trata de limitações impostas pela "correlação de forças" mas de convicções profundas do liberalismo de esquerda.    

Na entrevista, Zé Dirceu aposta no debate público - sua única "arma" na conjuntura - e parece jogar sua sorte na reconstrução militante do PT destinada a criar ou influenciar em alguma medida um governo  incapaz de enfrentar a gravíssima situação nacional que Lula/Alckmin não fazem menos que agravar. No entanto, a linha dominante no governo petucano é avançar nas bases da direita na tentativa de neutralizar ou mesmo capturar apoios até bem pouco fiéis ao protofascista momentaneamente inabilitado pelos tribunais para disputas eleitorais. Há, contudo, um obstáculo insuperável: a economia política do rentismo turbina o desespero da classe trabalhadora submetida à superexploração (salários baixos e precários), políticas públicas em saúde e educação notoriamente insuficientes, taxa de investimento pra lá de modestas, teto de gastos e seguidas promessas de déficit zero. De resto, o improviso é uma marca do terceiro mandato de Lula, a tal ponto que segundo ZD o anúncio da "nova indústria Brasil" pegou até mesmo Lula de surpresa, razão pela, qual numa reunião pública, pediu metas e prazos para um "programa" sem fonte de financiamento (exceto o limitado BNDES) e sem plano algum capaz de ganhar algum grau de credibilidade. A coesão burguesa segue auferindo lucros extraordinários e nem de longe sofre alguma ameaça de natureza política; em consequência, a classe dominante dispõe de Lula e Bolsonaro. Tudo depende das circunstâncias e das exigências do momento. 

Nesse contexto, Zé Dirceu mantém a antiga pretensão de organizar o capitalismo no país com "inclusão social" a luz de um projeto de Brasil "grande". Ao contrário de janeiro de 2021 quando defendeu que o caminho para derrotar Bolsonaro era "reconstruir a consciência social na classe trabalhadora" e trazer de volta ao vocabulário a ideia de revolução social "sem medo" e "explicitando o que ela é", o ceticismo expresso na recente entrevista indica recuo radical. Mas indica também que Lula - altar onde ele deposita todas suas esperanças - não é menos que um beco sem saída!

Não há surpresa e sim repetição. Há muito ambos perderam o encanto dos tempos áureos em que eram carne e osso operando o giro à direita do PT e sua integração à ordem burguesa, jogada considerada sábia pela classe dominante. Agora, somente por conveniência o presidente ainda mantém um otimismo cosmético sem sustento na economia, na política e na luta ideológica, porém, ao custo de imenso sofrimento e exploração do povo. Ambos, cada qual a seu modo, seguem sendo uma fonte valiosa para exibir os limites históricos e políticos intransponíveis do petismo diante da ofensiva burguesa. Agora, Zé Dirceu, ao embalo ingênuo e impotente da geração de 68 da qual declara filiação, brada, de maneira dissimulada, que, de fato, o sonho acabou.

Revisão: Junia Zaidan

domingo, 18 de fevereiro de 2024

Nos tempos do Américo

Américo Ishida pertenceu a geração dos anos 80 forjada no combate à ditadura e igualmente hostil a transição lenta, gradual e segura do regime militar ao liberal burguês. Perdeu a batalha, mas o combate não foi em vão. Uma andorinha não faz verão: Américo participava do nutrido grupo de trotskistas especialmente forte na Arquitetura num tempo no qual o academicismo agora dominante não tinha vez, pois na intensa batalha das ideias o título de doutor não conta. Fletes, o atual moderadíssimo presidente da APUFSC, turbinava o PC do B. Marcos Cardoso e outros exibiam certa força do PCB. O primo pobre ideologicamente sempre foram os professores militantes ou alinhados com o petismo numa época em que a filiação partidária não rendia cargos ou financiamentos para elaboração de “políticas públicas” e, portanto, ainda continha duas moléculas reais de compromisso com o povo. 

Foto: Coletivo SOMA do CAU

Naquele tempo existia um embrião de “comunidade universitária”, agora reduzido a um bordão destinado a mendigar orçamento em Brasília de duvidosa eficácia. Em consequência, a proximidade entre profes e estudantes era de tal ordem que o almoço (no RU) não estava separado pela conta bancária. Fala mansa, Américo tinha convicções embora seus argumentos eram não raras vezes perguntas; mas não se engane, o japa não cultivava dúvidas como se fossem virtudes. Ao contrário, suas perguntas estavam sempre carregadas de intenção! Na conversa sempre reservou doses comedidas de bom humor temperadas com fina ironia. Ao longo do tempo se manteve íntegro e creio que na exata medida em que a esquerda se fez liberal – com a completa integração do PT a ordem burguesa – Américo se entregou cada vez mais a reflexão sobre a estética marcando certa distância da disputa partidária notoriamente empobrecida. Também estava sempre preocupado e refletindo sobre a questão pedagógica, nas condições atuais um artigo de luxo na universidade brasileira.     

Com Lino Peres, elaborou um lindo projeto para a sede definitiva do IELA que haveremos de realizar. Muitas horas de debates e reflexão sobre o projeto, a América Latina, a luta de classes, a política, a arquitetura, a cultura, etc... Há tempos não sabia dele pois com a letargia da vida sindical somado ao academicismo alienante e de pequenos grupos, o encontro entre professores tornou-se raro e rarefeito. Entretanto, ainda mais raro é o encontro entre profes, técnicos e estudantes unidos numa luta comum; o identitarismo nos divide completamente. O último espasmo coletivo foi o rechaço ao “Future-se”, um adversário tão fácil de bater quanto fugaz para fomentar a unidade política. Talvez por isso não recordo a presença de Américo naquela batalha embora não tenha dúvidas sobre seu compromisso. Tampouco lembro se estava nas marchas até o centro da cidade e nas assembleias de estudantes, mas tenho certeza da natureza de nosso desencontro: o tempo do Américo já tinha passado. Era o tempo da luta contra a ordem, da batalha das ideias que moveu varias gerações na UFSC e em outras universidades, quando a maioria não estava limitada tão somente à administração “democrática” da ordem burguesa com todas as misérias possíveis e imaginárias. Aos 75 anos Américo nos deixa. É uma morte precoce, sem dúvida. Mas o exemplo de seu combate e mesmo as tarefas inconclusas, atualizam a verdade e a necessidade de novo esforço. O tempo do Américo passou? Bueno, o tempo do Américo voltará. Creio, saberemos honrar seu nome.