domingo, 31 de janeiro de 2016

A alma de Lula

Foi Chico de Oliveira, o oscilante sociólogo uspiano, quem afirmou ser Lula um "homem sem caráter". De minha parte, não descarto a análise de extração psicanalítica, mas considero a caneta presidencial o indicador mais confiável sobre o caráter de qualquer presidente. No entanto, antes que o rasteiro moralismo burguês dominante torça o nariz para meu desprezo inicial pela perspectiva moral, reafirmo que, na política, é claro que o caráter conta, mas a prova final sobre a conduta presidencial será sempre o Diário Oficial.

Ainda assim, não cometo engano em afirmar que, entre os petistas, poucos conhecem Lula na intimidade - e, portanto, seu caráter - tão bem quanto Gilberto Carvalho, o ex-ministro chefe do gabinete presidencial entre 2004-2010. A propósito das investigações sobre a edição de medidas provisórias criadas para benefício das multinacionais do setor automobilístico, Gilbertinho - como é conhecido nas suas bases - afirmou que "o estímulo à indústria automobilística era a alma do presidente Lula". Arrematou dizendo que "dada a importância do setor automobilístico no Brasil, essa coisa de estímulo ao setor era, digamos, a alma do presidente Lula. Ele sempre teve muita preocupação com isso."(Valor, 26 de janeiro).

Há, nas fileiras onde me encontro, uma espécie de interpretação marxista suficientemente tosca para afirmar que nenhum presidente seria louco em negar apoio ao "setor automobilístico", ou seja, as montadoras multinacionais. Esta sorte de "marxismo" considera a correlação de força sempre desfavorável aos trabalhadores e, em consequência, qualquer medida mais ousada é sempre expressão de aventura ou aberta irresponsabilidade, razão pela qual não vacilam em emprestar apoio ao governo petista como se, de fato, o petismo fosse o horizonte histórico possível para as classes subalternas no capitalismo dependente. Não deixa de ser curiosa a situação, pois precisamente este "marxismo" domesticado aparece, involuntária e melancolicamente, como a mais importante manifestação de orgulho burgues entre nós. Enfim, enquanto a lumpemburguesia brasileira retrocede em termos industriais como nunca após 1994, ainda podemos ver "marxistas" em defesa do "setor industrial" como se esta fosse uma barricada real na defesa da industria nacional.   

No entanto, o tempo da indústria nacional automobilística no Brasil acabou há tempos. O golpe de 1964 foi fatal para qualquer pretensão nacionalizante, enterrada juntamente com a deposição do governo nacional reformista de João Goulart. Após a democratização, o Plano Real consolidou um pacto de classe que, na prática, tornou impossível fazer a indústria automobilística nacional. Não se trata de uma lei de bronze, uma consequência necessária da "globalização" como costumam alegar os idiotas conformistas e, com mais enfase, economistas interessados. A Coreia do Sul e a China, para dar apenas dois exemplos recentes, construíram esta industria com capacidade de competir com os Estados Unidos e a Europa. A engenharia nacional poderia fazer o mesmo não fossem nossas universidades um poço de desejo pelas multinacionais, origem do academicismo alienante que ali predomina. Mas não vivemos o epílogo da História e, portanto, o renascimento da indústria nacional dependerá da força de um governo revolucionário e nacionalista disposto a enfrentar as multinacionais no Brasil. Mas esta possibilidade demanda reflexão mais profunda e o tema aqui é a alma do Lula

Hoje o Estadão informa que a operação Lava Jato aprendeu carta do lobista Mauro Marcondes Machado dirigida ao então presidente da Scania na América Latina, um tal Sven Harald Antonsson, na qual Marcondes - ex-funcionário da Wolkswagen no setor de recursos humanos - exibia suposta intimidade com Lula, a quem conhecia desde os esquecidos anos 70. Na Polícia Federal, Lula negou qualquer relação com o empresário e menos ainda com qualquer de suas empresas. Creio que neste caso Lula diz a verdade. Lula, sem pressão alguma, já sabia que o que fazer pelo "setor" antes mesmo de chegar a presidência com poder para editar medidas provisórias. Marcondes provavelmente mentiu na carta enviada ao executivo da Scania. Afinal, qual o poder de um reles lobista diante de um sujeito que traz as multinacionais na alma?

15 comentários:

  1. Prezado amigo Ouriques! Penso que você está certo sobre o Lula. Em longa entrevista à revista Veja, logo após a primeira derrota, na sua tentativa de chegar a presidência da república, Lula perguntado onde um trabalhador brasileiro gostaria de trabalhar, responde sem pestanejar: "numa multinacional".
    As razões do Lula são de subordinação e de medo (na linguagem local dizemos cagaço) em produzir qualquer rompimento, qualquer desagrado aos grandes interesses econômicos internacionais que atuam no Brasil.

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  2. Prezado amigo Ouriques! Penso que você está certo sobre o Lula. Em longa entrevista à revista Veja, logo após a primeira derrota, na sua tentativa de chegar a presidência da república, Lula perguntado onde um trabalhador brasileiro gostaria de trabalhar, responde sem pestanejar: "numa multinacional".
    As razões do Lula são de subordinação e de medo (na linguagem local dizemos cagaço) em produzir qualquer rompimento, qualquer desagrado aos grandes interesses econômicos internacionais que atuam no Brasil.

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  3. Excelente análise ded Nildo Oriques. Quanto ao comentário acima, apenas uma pequena discordâmcia. Eu, substituiria "medo" ou o popular "cagaço" por adequação ideológica. Como disse o Nildo, isso está na alma dele.

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  4. Mas creio que na alma dele uma coisa não impede a outra, primeiro fortalecemos a economia e trabalhamos juntos, depois implementamos o que é nosso. Isto também pode fazer parte de uma estratégia do projeto Brasil. Não acho que tenha medo de fazer isto, e é claro que concordo que ele não quer este enfrentamento agora e nunca quis, pois pensa que as duas coisas podem andar juntas quando isto for possível.

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  5. Lula nunca foi marxista, nunca entendeu de economia e nem ele nem seu partido tiveram um programa de governo capaz de enfrentar os problemas centrais do país, ou melhor, seu problema central que é a condição de economia dependente e, portanto, de território colonizado pelo imperialismo. O PT, portanto, fez apenas alguma firula para estender um pouco mais a agonia da dependência mas agora está chegando a hora de surgir condições políticas novas de superação. A contribuição do professor Ouriques para este avanço fundamental tem sido de grande valia.

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  6. Nathaniel, não só do Mestre Ouriques, mas de Você e de todos que comentam aqui. Um grande abraço de ^Beozonte^

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  7. Caros amigos, as vezes falar sobre este tema me parece "chover no molhado". No entanto, há tanto auto-engano sobre Lula e Dilma que motivação se justifica. Abraços!

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  8. Caros amigos, as vezes falar sobre este tema me parece "chover no molhado". No entanto, há tanto auto-engano sobre Lula e Dilma que motivação se justifica. Abraços!

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  9. Toda fala da direita conservadora e manipuladora precisa atacar alguém. Discutir o caráter de alguém é necessário muita intimidade co0m a pessoa e com seu universo particular. Senão, é pura especulação ou enorme má fé. O que está por trás dos ininterruptos ataques ao ex-presidente é a jamais perdoada opção por beneficiar com políticas públicas o povão. Daí vem a mágoa insatisfeita. Por outro lado, meu comentário é como "chover no molhado" pois as consciências obliteradas pelo preconceito social são incapazes de gestos fraternos. E seguem a cartilha da imprensa da casa-grande.

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  10. Tenho a vantagem de não ser cristão novo. Fui fundador do PT e sai do partido no primeiro ano do primeiro mandato do Lula. Antes das denuncias do tal "mensalão". Portanto, abandonei o PT por convicção. A "mágoa" a que você se refere é, na verdade, ódio de classe. No entanto, é preciso saber que a burguesia (casa grande) não tem mágoa com Lula. A burguesia agradece Lula todos os dias. De resto, a crítica sempre será decisiva e jamais poderá ser confundida com o que você chama de "preconceito social".

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  11. Em 1994, escreví um artigo, que foi publicado nas colunas de alguns jornais, coluna do leitor ou de opinião, provando, não apenas afirmando que a CUT e o PT eram um movimento fascista, de extrema direita financiado pelo grande capital financeiro internacional. Baseei-me no conceito de fascismo de Togliatti:"Para se entender o que é fascismo temos que recorrer ao grande filósofo Palmiro Togliatti. Segundo ele, quem tentar caracterizar o fascismo pelas suas formas concretas de ação, erra sempre, pois o fascismo é um camaleão que muda de forma constantemente em função de determinado objetivo imediato. O que caracteriza a essência do fascismo é a sua identidade com os interesses da fração hegemônica do grande capital financeiro, o mais oligopolizado e reacionário portanto. Se quiser entender a forma concreta que o partido fascista assume em determinado momento, é só relacioná-la com os objetivos imediatos do grande capital financeiro naquele momento." Acrescento:
    “Quero adverti-los contra a tendência a considerar a ideologia fascista como algo solidamente constituído, de acabado, de homogêneo. Nada se parece mais com um camaleão do que a ideologia fascista. Não pensem na ideologia fascista sem ver o objetivo que o fascismo se propunha a atingir num determinado momento com uma determinada ideologia.”

    Lições sobre o Fascismo – Palmiro Togliatti – Livraria Editora Ciências Humanas – SP – 1978. - pg. 9.

    Isso foi em 1994.Como se explicar que os luminares da esquerda, doutores da USP e quejandos, não percebessem que estavam construindo um movimento fascista. Eu me formei em Engenharia Elétrica. Entre sustentar a família e estudar o necessário para meu desempenho profissional, não disponha de tanto tempo para estudar economia política, quanto tinham os luminares de esquerda que se dedicavam só e exclusivamente a isso?

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Francisco Santana: ainda que possamos encontrar similitudes em aspectos particulares de uma realidade social qualquer e as teorias do fascismo, nada autoriza a conclusão de que o PT e a CUT eram ou são organismos fascistas ou representam o caminho em direção ao fascismo. O fascismo necessita sempre algo essencial: o temor da classe dominante diante do socialismo ou de um governo com clara intenção de reforma popular. Estamos longe, bem longe disso. Aliás, o PT e a CUT representam na atualidade um pacto de classe que interessa a burguesia, razão pela qual a destituição da presidente Dilma e menos ainda o golpe militar não possuem a menor viabilidade.

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  12. Francisco Santana: ainda que possamos encontrar similitudes em aspectos particulares de uma realidade social qualquer e as teorias do fascismo, nada autoriza a conclusão de que o PT e a CUT eram ou são organismos fascistas ou representam o caminho em direção ao fascismo. O fascismo necessita sempre algo essencial: o temor da classe dominante diante do socialismo ou de um governo com clara intenção de reforma popular. Estamos longe, bem longe disso. Aliás, o PT e a CUT representam na atualidade um pacto de classe que interessa a burguesia, razão pela qual a destituição da presidente Dilma e menos ainda o golpe militar não possuem a menor viabilidade.
    10 de fevereiro de 2016 05:37

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