quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

As confissões de Zé Dirceu

 A completa integração do PT à ordem burguesa é assunto quase proibido entre as cabeças pensantes e independentes no país. Com frequência, quando a reflexão exige um pouquinho de rigor e duas moléculas de honestidade político-intelectual, a miséria partidária visível aos olhos de milhões de brasileiros, é tematizada como fruto de circunstâncias alheias à vontade de seus líderes. Supostamente, uma obra da contingência, jamais uma opção consciente de seus antigos dirigentes e especialmente da figura de Lula. A "ala esquerda" do PT - presença apenas testemunhal da decadência política, ideológica e programática do partido - reproduz ilusões sobre a real situação do outrora considerado o "maior partido dos trabalhadores da América Latina". Aquele militante de sentimento socialista há muito temperou suas antigas convicções com elevadas doses de pragmatismo cujo resultado pode ser identificado sem muito esforço no caráter confuso do governo, na miséria da maioria de seus ministros, na completa falta de iniciativa política e, sobretudo, na continuidade da economia política do rentismo sob condução de Lula/Haddad.

Em perspectiva histórica, a antiga capacidade de formulação do PT e seus dirigentes desapareceu para sempre pois agora as instâncias partidárias se encontram sob comando de deputados, governadores, senadores e todas as demais expressões do mais rasteiro cretinismo parlamentar e dos iniciados no submundo dos pequenos negócios. Nessas circunstâncias, não é exagero afirmar que o antigo partido nascido do duro combate operário contra a ditadura e forte presença da esquerda reformista e revolucionária - derrotada em abril de 1964 e mais tarde em 1974 com o fim da luta armada -, desapareceu para sempre. Entretanto, se muitos reconhecem os méritos de sua origem, são raros aqueles capazes de afirmar sua decadência na atualidade. No limite, sob o impulso de múltiplos interesses - todos distantes dos trabalhadores - um hálito de esquerda ainda permanece na jaula lulista. Em consequência, podemos observar apelos para a "volta às bases" e declarações em favor da "antiga militância aguerrida" quando o partido se encontra completamente capturado pelo carreirismo político-eleitoral sob a rasteira argumentação "gramsciana" segundo a qual é "preciso disputar a hegemonia" nos marcos do atual sistema político. Uma farsa completa!

Em consequência, a audiência aos atuais representantes do partido - nem em pesadelo poderíamos chamá-los de dirigentes! - constituiu um exercício inútil para a compreensão do conflito de classes de alta intensidade em curso no Brasil. O PT e especialmente Lula, repete enfadonhamente o bordão que alimentou a vitória eleitoral considerada por seus cardeais necessária para abrir as portas da volta à normalidade republicana perdida com a destituição de Dilma em agosto de 2016 e a vitória do protofascista Bolsonaro em 2018. Mas esse retorno, sabemos, é impossível sem uma mudança radical na correlação de forças que o resultado eleitoral de 2022 era como alertamos muitas vezes, incapaz de produzir. Contudo, o completo e irreversível controle liberal do PT e a dedicação resoluta de Lula em filiá-lo doutrinariamente ao Vaticano e ao Partido Democrata dos Estados Unidos, impede qualquer ação necessária para enfrentar tanto as transformações do capitalismo dependente em sua fase rentística quanto para regenerar a crença das maiorias no sistema político em crise profunda.

Aqui, precisamente aqui, reside a vantagem estratégica da direita protofascista comandada por Bolsonaro na conjuntura: a incapacidade crônica do PT e Lula em oferecer uma alternativa à dupla crise anunciada acima. Ademais, o governo e seu partido é notoriamente incapaz de pensar e implementar uma alternativa real para a crise da república burguesa, mas, inclusive, em função da composição e ação de seu governo, o petismo (seja lá o que isso quer dizer) não percebe o aprofundamento da crise e a completa repulsa da maioria da população às negociatas entre Lula e o covil de ladrões representado no congresso nacional. Os representantes do PT comandam, quando muito, comitês eleitorais e as disputas internas se resumem à busca de espaço nos ministérios cujo objetivo é a repartição de influências nos estados destinados à reprodução parlamentar e à conquista de governos estaduais. A função dirigente que o  partido pretendia em sua origem, não mais existe. 

Mas, então, quem "dirige" o Partido? Ora, Lula no governo! Não é Lula quem dirige, mas Lula no governo. E quando Lula não está no governo quem, afinal, dirige o PT? Bueno, nesse caso Lula mantém o controle das decisões mais importantes porque é "o único que pode chegar" a presidência! O Partido não passa de uma plataforma eleitoral de acesso a postos nos ministérios, razão pela qual uma instância decisória jamais ousa ultrapassar os limites estreitos da linha traçada pelo presidente da república. Há muito o Partido renunciou sua autonomia frente ao governo e mantém disciplina total diante das determinações de Lula.  

A submissão do Partido à razão de Estado é, portanto, completa e definitiva. Não é ocioso recordar que  na periferia capitalista (latinoamericana), o Estado possui determinações que ninguém pode ignorar, menos ainda aqueles devotados à tarefa de lograr cidadania nos marcos da ordem burguesa. Aqui, o "comitê de negócios da burguesia" não pode sequer apresentar o mofado e anacrônico "estado de bem estar social" que a duras penas e de maneira caricata exibe reminiscências numa Europa completamente submetida aos Estados Unidos. A orfandade socialdemocrata é, inclusive para o mais ingênuo dos desenvolvimentistas, uma dura e amarga realidade.

Nesse contexto, o vice presidente nacional do PT - o deputado Washington QuaQuá do Rio de Janeiro - não representa anomalia, mas uma demonstração da vitalidade do partido na ordem burguesa; ele, de fato, não possui limites ou escrúpulos, como diz um zeloso e impotente moralista, reminiscência da juventude partidária em extinção. Entretanto, a atuação do deputado fluminense exibe a ausência das antigas virtudes que o petista exitoso (vereador, prefeito, deputado, senador ou governador) tampouco pode carregar, pois a necessidade de reprodução parlamentar tem que conviver com todo tipo de oportunismo eleitoral e um apetite insaciável típico do lúmpem a serviço da burguesia. Portanto, nada de injustiça, por favor: além de Quaquá, existem muitos outros, de igual estirpe e com semelhantes objetivos, atuando com mais requinte na mesma direção.

É nesse contexto que ainda dedico alguma atenção às analises do José Dirceu. O ex-todo-poderoso secretário geral e presidente do Diretório Nacional por muitos anos, responsável pela derrota da esquerda marxista então existente no PT e influente chefe da Casa Civil do primeiro governo Lula, caso não tivesse sido destituído, seria o candidato imbatível na disputa interna na sucessão do então presidente. A despeito de sua aptidão para o pragmatismo, Zé Dirceu mantém seletiva memória histórica e segue operando como uma espécie de "referência crítica" para os petistas mais sensíveis e desesperados com os rumos do atual governo. Ele voltou a circular na imprensa burguesa, com frequência é ouvido por empresários e parlamentares porque, como a vida ensina, ninguém sabe sobre o dia de amanhã... É claro que as ações dos tribunais contra ele limitam e de certa forma regulam uma atuação mais destacada nas instâncias partidárias, mas nem por isso ele deixa de indicar caminhos e ensaiar uma disputa mais intensa.          

Pois bem, numa recente entrevista ao Instituto de Brasilidade  (22 de fevereiro), Zé Dirceu confessa seu absoluto ceticismo sobre as possibilidade do governo petucano. Afirma sem rodeios - mas com o devido cuidado - que o governo vai fazer muito pouco nesse mandato e adianta que somente num prazo mais longo (8, 12 ou 16 anos!!) o petista angustiado poderia ter alguma esperança de um resultado melhor.  Ora, o argumento é pueril mas alimenta o apetite eleitoral enquanto tenta ganhar tempo para regenerar o PT cujo congresso esta previsto para o próximo ano. 

Zé Dirceu, maldito pela política burguesa da qual segue fiel servidor, tenta recuperar influência política e incidir na reconstrução do Partido porque conhece a trama que ajudou construir e da qual foi, talvez, a principal vítima petista. Ele fala, sugere caminhos, mas não tem instrumentos para fazer valer suas propostas no governo: nem poderá. O PT, como partido capaz de mobilizar e incidir na guerra de classes, está morto. Em 2016, diante da ofensiva burguesa sob comando da direita, ficou evidenciada a mais completa impotência para manter Dilma ou ao menos lutar sem temor e medida na defesa da ex-presidente. Foi uma derrota histórica com profundas consequências entre as quais a impossibilidade de uma mudança de rumo radical ou moderada diante da ordem burguesa e as exigências do sistema político em crise. Na ausência dessa revisão, emergiu a justificativa ideológica do "golpe", a denúncia do "anti-petismo", os brados contra a perseguição judicial de juízos corruptos (Moro), a produção midiática de um consenso contra Lula e o PT, como se os inimigos de classe estivessem abandonado um código de ética na luta política republicana!

Quais as confissões mais importantes de Zé Dirceu na entrevista mencionada?

Em primeiro lugar Zé Dirceu confessa a ausência de um "núcleo de governo claro". Ademais, não deixa de acusar o "desastre em certas áreas" de atuação e registra a incapacidade de Lula em mover a militância mesmo quando denunciou as elevadas taxas de juros: as "bases" não se moveram e a "sociedade" ignorou completamente os reclamos presidenciais. Ora, ao contrário do que afirma ZD, o governo tem um núcleo racional cujo comando é de Lula e Haddad. Na prática é o "núcleo dirigente" ordenado pelo respeito absoluto da economia política do rentismo responsável pelo "desastre de certas áreas" cada dia mais visível para milhões de brasileiros na insuficiência das políticas públicas restringidas pelo teto de gastos e a política de austeridade praticada com total zelo até aqui. Haddad, com profunda convicção, faz a defesa do déficit zero! De resto, supor que uma base fiscal distinta - colocar os ricos no imposto e os pobres no orçamento - e uma baixa gradual dos juros, poderiam alargar as estreitas margens nas quais navega o barco petista é pura mistificação. 

Na segunda confissão Zé Dirceu recusa o ônus do identitarismo. Ele descobriu que a pauta ambientalista (Environmental, Social and Governance - ESG), LGBT e da igualdade de gênero é uma política dos capitalistas. Eureka!!! As empresas multinacionais adotam e multiplicam a ideologia liberal ao redor do mundo mas aqui, no Brasil, segundo suas próprias palavras, o "ônus ficou com a esquerda". É uma descoberta motivada pela baixa densidade eleitoral do identitarismo, a despeito de imensa propaganda diária dos monopólios dos meios de comunicação! Eis a razão pela qual Lula exigiu discretamente candidatos com alguma liderança popular e não alguém preto, gay ou mulher! De fato, o identitarismo rasteiro e alienante - expressão particular de mobilidade social de extração individualista - divide o que restou da esquerda e permite a agitação ideológica da direita na imprecisa e conveniente "guerra de costumes". É a deriva identitária denunciada e analisada com certa precisão por Elizabeth Roudinesco. O reconhecimento do problema por Zé Dirceu é tardio, porém útil para um gradual descolamento da agenda identitária; de resto, o PT já resolveu em larga medida o problema ao terceirizar o identitarismo via PSOL, (PC do B também) cada dia mais assemelhado a sublegenda no "horizonte" lulista.

Ora, o identitarismo é ideologia importada dos Estados Unidos, mais concretamente do Partido Democrata, mas o apetite eleitoral e o financiamento externo manteve fidelidade de muito "movimento social" e algumas "lideranças" a quinquilharia ideológica gringa. No entanto, a análise da disputa eleitoral no país imperialista revela de maneira cristalina as razões pelas quais Obama venceu nos Estados Unidos recusando abertamente o identitarismo em defesa astuta e realista da condição americana! Contudo, em sua sucessão, o Partido Democrata viveu breve primavera identitária nas internas de 2016 quando o senador Bernie Sanders tentou mas perdeu para Hillary Clinton. Na ultima disputa o identitarismo de Sanders ensaiou mas sequer chegou à convenção final. O Partido Democrata amargou uma fragorosa derrota para Trump e Biden seguiu a fórmula de Obama para vencer, mas a notícia apenas começa a chegar aqui...   

A terceira confissão não é uma novidade mas nem por isso deixa de ter importância: ZD declara o governo petucano de Lula/Alckmin como centro-direita; um governo de centro-direita com participação da esquerda! É uma pancada de realismo na cabeça do petista ingênuo e também do lulista religioso. É óbvio que a declaração não desperta consciência alguma no sentido crítico pois os dois bandos estão treinados na estranha arte do pragmatismo capaz de justificar qualquer ministro ou aliança desde que mantenha Lula na cadeira presidencial. Zé Dirceu pretende que o congresso do partido no próximo ano retome algo da iniciativa política a ponto de poder influenciar tanto na composição do governo quanto na orientação das políticas públicas na suposição de que é possível recuperar a capacidade de mobilização da sociedade com o despertar do PT. Entretanto, o compromisso de vida de Lula com a economia política do rentismo aliado às transformações do capitalismo no país que seus sucessivos governos produziram, a derrota histórica de 2016 e a renúncia do projeto socialista em nome da miserável administração democrática da república burguesa e da crise de seu sistema político impedem na raiz qualquer esperança nos mais otimistas.

A quarta confissão é uma novidade, pois reconhece que os países capazes de garantir certa estabilidade política e com alguma capacidade de intervenção nas disputas mundiais possuem uma coesão interna que aglutina forças sociais e, quando necessário, é também capaz de reprimir seus adversários reais ou potenciais com eficácia. Na linguagem cifrada, são países que lograram um sistema político centralizado, uma verdadeira miragem nas condições atuais nas quais Lula e o PT reforçam abertamente uma modalidade perversa de parlamentarismo e, em consequência, sabotam em nome do "realismo político" todas as virtudes potenciais do presidencialismo reconhecidas historicamente pelo povo brasileiro. É a defesa abstrata da democracia contra todas as formas totalitárias imaginárias! A despeito das evidências que qualquer um pode ler no jornalão burguês, Zé Dirceu se mantém cativo da criatura que ajudou a fortalecer e concluiu que somente Lula pode liderar um projeto de transformação e mudar o rumo do país. A contradição não poderia ser mais evidente: Lula atua decididamente nos marcos da podridão do sistema político e reforça todos os seus vícios, como se fosse virtude e sabedoria governar em aliança com Lira ou Pacheco, com Alexandre de Moraes e Campos Neto. De fato, não há uma só medida destinada a revisar as "amarras" herdadas dos governos de Temer e do protofascista Bolsonaro. Nem haverá! Não se trata de limitações impostas pela "correlação de forças" mas de convicções profundas do liberalismo de esquerda.    

Na entrevista, Zé Dirceu aposta no debate público - sua única "arma" na conjuntura - e parece jogar sua sorte na reconstrução militante do PT destinada a criar ou influenciar em alguma medida um governo  incapaz de enfrentar a gravíssima situação nacional que Lula/Alckmin não fazem menos que agravar. No entanto, a linha dominante no governo petucano é avançar nas bases da direita na tentativa de neutralizar ou mesmo capturar apoios até bem pouco fiéis ao protofascista momentaneamente inabilitado pelos tribunais para disputas eleitorais. Há, contudo, um obstáculo insuperável: a economia política do rentismo turbina o desespero da classe trabalhadora submetida à superexploração (salários baixos e precários), políticas públicas em saúde e educação notoriamente insuficientes, taxa de investimento pra lá de modestas, teto de gastos e seguidas promessas de déficit zero. De resto, o improviso é uma marca do terceiro mandato de Lula, a tal ponto que segundo ZD o anúncio da "nova indústria Brasil" pegou até mesmo Lula de surpresa, razão pela, qual numa reunião pública, pediu metas e prazos para um "programa" sem fonte de financiamento (exceto o limitado BNDES) e sem plano algum capaz de ganhar algum grau de credibilidade. A coesão burguesa segue auferindo lucros extraordinários e nem de longe sofre alguma ameaça de natureza política; em consequência, a classe dominante dispõe de Lula e Bolsonaro. Tudo depende das circunstâncias e das exigências do momento. 

Nesse contexto, Zé Dirceu mantém a antiga pretensão de organizar o capitalismo no país com "inclusão social" a luz de um projeto de Brasil "grande". Ao contrário de janeiro de 2021 quando defendeu que o caminho para derrotar Bolsonaro era "reconstruir a consciência social na classe trabalhadora" e trazer de volta ao vocabulário a ideia de revolução social "sem medo" e "explicitando o que ela é", o ceticismo expresso na recente entrevista indica recuo radical. Mas indica também que Lula - altar onde ele deposita todas suas esperanças - não é menos que um beco sem saída!

Não há surpresa e sim repetição. Há muito ambos perderam o encanto dos tempos áureos em que eram carne e osso operando o giro à direita do PT e sua integração à ordem burguesa, jogada considerada sábia pela classe dominante. Agora, somente por conveniência o presidente ainda mantém um otimismo cosmético sem sustento na economia, na política e na luta ideológica, porém, ao custo de imenso sofrimento e exploração do povo. Ambos, cada qual a seu modo, seguem sendo uma fonte valiosa para exibir os limites históricos e políticos intransponíveis do petismo diante da ofensiva burguesa. Agora, Zé Dirceu, ao embalo ingênuo e impotente da geração de 68 da qual declara filiação, brada, de maneira dissimulada, que, de fato, o sonho acabou.

Revisão: Junia Zaidan

domingo, 18 de fevereiro de 2024

Nos tempos do Américo

Américo Ishida pertenceu a geração dos anos 80 forjada no combate à ditadura e igualmente hostil a transição lenta, gradual e segura do regime militar ao liberal burguês. Perdeu a batalha, mas o combate não foi em vão. Uma andorinha não faz verão: Américo participava do nutrido grupo de trotskistas especialmente forte na Arquitetura num tempo no qual o academicismo agora dominante não tinha vez, pois na intensa batalha das ideias o título de doutor não conta. Fletes, o atual moderadíssimo presidente da APUFSC, turbinava o PC do B. Marcos Cardoso e outros exibiam certa força do PCB. O primo pobre ideologicamente sempre foram os professores militantes ou alinhados com o petismo numa época em que a filiação partidária não rendia cargos ou financiamentos para elaboração de “políticas públicas” e, portanto, ainda continha duas moléculas reais de compromisso com o povo. 

Foto: Coletivo SOMA do CAU

Naquele tempo existia um embrião de “comunidade universitária”, agora reduzido a um bordão destinado a mendigar orçamento em Brasília de duvidosa eficácia. Em consequência, a proximidade entre profes e estudantes era de tal ordem que o almoço (no RU) não estava separado pela conta bancária. Fala mansa, Américo tinha convicções embora seus argumentos eram não raras vezes perguntas; mas não se engane, o japa não cultivava dúvidas como se fossem virtudes. Ao contrário, suas perguntas estavam sempre carregadas de intenção! Na conversa sempre reservou doses comedidas de bom humor temperadas com fina ironia. Ao longo do tempo se manteve íntegro e creio que na exata medida em que a esquerda se fez liberal – com a completa integração do PT a ordem burguesa – Américo se entregou cada vez mais a reflexão sobre a estética marcando certa distância da disputa partidária notoriamente empobrecida. Também estava sempre preocupado e refletindo sobre a questão pedagógica, nas condições atuais um artigo de luxo na universidade brasileira.     

Com Lino Peres, elaborou um lindo projeto para a sede definitiva do IELA que haveremos de realizar. Muitas horas de debates e reflexão sobre o projeto, a América Latina, a luta de classes, a política, a arquitetura, a cultura, etc... Há tempos não sabia dele pois com a letargia da vida sindical somado ao academicismo alienante e de pequenos grupos, o encontro entre professores tornou-se raro e rarefeito. Entretanto, ainda mais raro é o encontro entre profes, técnicos e estudantes unidos numa luta comum; o identitarismo nos divide completamente. O último espasmo coletivo foi o rechaço ao “Future-se”, um adversário tão fácil de bater quanto fugaz para fomentar a unidade política. Talvez por isso não recordo a presença de Américo naquela batalha embora não tenha dúvidas sobre seu compromisso. Tampouco lembro se estava nas marchas até o centro da cidade e nas assembleias de estudantes, mas tenho certeza da natureza de nosso desencontro: o tempo do Américo já tinha passado. Era o tempo da luta contra a ordem, da batalha das ideias que moveu varias gerações na UFSC e em outras universidades, quando a maioria não estava limitada tão somente à administração “democrática” da ordem burguesa com todas as misérias possíveis e imaginárias. Aos 75 anos Américo nos deixa. É uma morte precoce, sem dúvida. Mas o exemplo de seu combate e mesmo as tarefas inconclusas, atualizam a verdade e a necessidade de novo esforço. O tempo do Américo passou? Bueno, o tempo do Américo voltará. Creio, saberemos honrar seu nome.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Palestina, teu nome é liberdade


Num tempo canalha, as palavras perdem sua força e, banalizadas, já não encontram seu sentido original ou sua potência explicativa. A frouxidão ideológica, sempre um produto da hegemonia liberal (progressista ou conservadora), revela o quanto devemos cuidar da linguagem como expressão da consciência prática, tal como Marx escreveu em A ideologia Alemã. Em larga medida, essa é a razão pela qual a burguesia por meio dos monopólios de comunicação e das universidades produziram as "guerras de narrativas" onde a despeito de antagonismos, todos os gatos são, mesmo a luz do dia, pardos. Não se trata de algo novo, ao contrário; é fenômeno recorrente na História. No Brasil, a banalização da linguagem adquiriu perfil particular, praticada por todos aqueles que se julgam de esquerda ou se autodefinem como progressistas. A direita, ao contrário, especialmente após 2018, chama as coisas pelo seu nome e, aos ouvidos delicados da consciência ingênua, é considerada truculenta ou medieval quando apenas atua de acordo com seus interesses, objetivos e crenças. 

Nos últimos anos - especialmente durante a pandemia - a esquerda liberal utilizou o adjetivo "genocida" para atribuir responsabilidades criminosas ao protofascista Bolsonaro na presidência da república. De minha parte sempre atuei com sumo cuidado diante de semelhante uso, inclusive na análise da política sanitária, porque além de elementar realismo político é também necessário preservar a força das palavras. A propósito, recordo que Marcelo Freixo anunciou numa entrevista que não chamava Bolsonaro de "genocida" porque, segundo suas pesquisas, o povo não entendia o adjetivo; a esperteza eleitoreira não é de meu agrado e, em consequência, não me orienta. Bolsonaro não era um genocida porque o Brasil não sofria nem sofre um genocídio (o mesmo vale para o apelativo "genocídio negro" de Abdias do Nascimento) Tampouco utilizei a expressão "fascista" para caracterizar o governo de Bolsonaro porque entre o regime político que sofremos e o fascismo há no mínimo um abismo!

Para não ser exaustivo: enquanto a esquerda liberal (PT, PSOL, PC do B, PCB, etc) afirmava a importância estratégica da "luta contra o fascismo" e recomendava voto na chapa petucana (Lula/Alckmin), a Revolução Brasileira lutou pelo voto nulo. Ora, se a luta contra o "fascismo" ou o "neofacismo" - seja lá o que isso representa! - orientava o voto na ultima eleição presidencial e constituía de fato um horizonte estratégico, não há razão para negar apoio ao atual governo que desde sempre afirmou seu compromisso com a continuidade da economia política do rentismo e programas sociais amparados na mera filantropia. Entretanto, a constituição de um governo de compromisso democrático contra o fascismo não seria desprezível se, de fato, estivéssemos diante da ameaça fascista. Ocorre que a "ameaça fascista" é inexistente e o argumento nunca passou de álibi para a esquerda liberal e seu corolário - o cretinismo parlamentar - seguisse tateando no labirinto lulista. Entretanto, é possível ver agora o antigo oportunismo em favor de Lula em signo oposto, simulando oposição ao presidente como se o governo petucano estivesse rasgando antigos compromissos. Ora, o caráter conservador do governo não autoriza a "surpresa" pois foi anunciado com todas as letras durante toda a campanha tanto no disciplinado apego a economia política do rentismo, na política externa, quanto no respeito as instituições burguesas, etc.

Nesse contexto, nem mesmo o genocídio em curso contra o povo palestino balançou o apego liberal ao governo Lula/Alckmin por parte de movimentos sociais e figuras públicas. Nada parece comover a maioria dos liberais de esquerda, nem mesmo o assassinato em massa promovido pelo sionismo contra o povo palestino exibido ao vivo pelos monopólios de TV. Em consequência, lideranças populares, parlamentares, sindicalistas, comentaristas "alternativos", buscaram rápida filiação ao "esforço humanitário" praticado pela diplomacia do Itamarati restrita ao resgate de brasileiros confinados em Gaza e dos simulacros de resolução em busca de um cessar fogo ensaiados quando a presidência do Conselho de Segurança da ONU esteve com o Brasil mas, nunca é demais recordar, sempre sob comando efetivo dos Estados Unidos. 

A contradição salta aos olhos: enquanto setores da esquerda liberal exibem solidariedade abstrata ao povo palestino, calam a crítica sobre a cumplicidade prática da diplomacia brasileira com o genocídio. Um exagero? Não! Os sucessivos massacres contra o povo palestino praticados pelo sionismo com apoio estratégico do imperialismo estadunidense contam com a cobertura televisiva dos monopólios como a Globo e CNN, mas ainda assim não conseguem esconder as milhares de crianças, mulheres, velhos assassinados em suas casas, hospitais, igrejas, campos de refugiados, ambulâncias, etc. As resoluções na ONU são francamente inúteis e, quando estimuladas, contam apenas como artigo de consumo para alimentar a consciência ingênua em cursos universitários de relações internacionais. O genocídio praticado por Israel - com apoio completo dos países europeus - somente poderá ser resolvido no terreno militar e político; a diplomacia, tal como tem sido praticada pelo governo Lula/Alckmin, revela-se agora mais do que em qualquer outra época, completamente cativa de Washington e da direita brasileira. O rumo do governo aqui ou na economia política, é claro: somar à direita para disputar nesse terreno com Bolsonaro!

Uma vez concluída a operação resgate - ainda que brasileiros ainda permaneçam cativos em Gaza - e após as enormes manifestações em Londres (além de algumas importantes nos Estados Unidos), a miséria lulista ficou ainda mais clara. Não basta Lula reconhecer - sempre tardiamente! - que um genocídio esta em curso pois nas atuais circunstâncias, até mesmo conservadores já reconhecem os crimes sistemáticos de Israel embora adicionem justificativas para legitima-lo. A "opinião pública" mudou, para dize-lo na linguagem marqueteira, a única que, afinal, a esquerda liberal respeita. Ademais, o Hamas - com apoio heroico do povo palestino - recolocou a questão nacional palestina no centro da disputa mundial. Portanto, os apelos à paz são simplesmente inúteis, exceto quando solicitados pelo Vaticano; ocorre que o Brasil pode fazer muito mais que o impotente apelo do sumo pontífice, pois dispõe de recursos inúteis à vida após a morte, mas indispensáveis para garantir vida plena aqui e agora aos condenados da terra!

Nesse contexto, podemos ver que a ofensiva sionista/imperialista contra o povo palestino motivou, em alguma medida, a mudança de ânimo de certos setores progressistas em relação ao governo e, ainda que ligeiramente, parece ter revelado de maneira mais clara a servidão e vassalagem do Itamaraty diante da política externa dos Estados Unidos. Até a virada do século, a análise sobre a conjuntura nacional iniciava com a avaliação da luta de classes em escala mundial. A consideração da situação nacional estava com frequência baseada na criteriosa análise do conflito de classes em escala mundial mesmo quando observada pelo limitado prisma da "guerra fria". Nessa perspectiva, não somente acuso o provincianismo dominante nas tentativas de interpretação do que de fato ocorre entre nós mas sobretudo a negativa implícita ou a recusa aberta em observar as crises e conflitos mundiais desde uma perspectiva de classe, ou seja, da luta de classes. Não por outra razão, no lugar da análise rigorosa do conflito de classes mundial, o "horizonte" da esquerda liberal não ultrapassa as tradicionais e miseráveis considerações sobre resultados de processos eleitorais: "Milei venceu na Argentina, a situação é adversa" brada a sabedoria do assessor parlamentar. "Lula venceu! Uma derrota para o fascismo e a onda conservadora!", grita o sindicalista desavisado. "Petro, na Colômbia, manda pra reserva generais assassinos. Uma vitória!" ensina o deputado na tribuna.  Eis a análise da conjuntura mundial...  

O genocídio em curso contra o povo palestino na forma concreta da limpeza étnica (Ilan Pappé) promovido pelo sionismo abriu, subitamente, nova exigência política-intelectual ainda incapaz de romper a ingenuidade e oportunismo da trajetória da esquerda liberal inclusive diante do terrorismo de estado de Israel que, a despeito de forte carga ideológica e propagandística em favor do sionismo, os monopólios de TV não são capazes de ocultar. A antiga paralisia ou mesmo a recusa em ver a guerra de classes em escala mundial não foi superada, mas é evidente o descontentamento com o governo Lula e a lenta, porém inexorável, erosão do moralismo rasteiro que orienta as declarações presidenciais sobre os temas caros a tradição humanista que de alguma maneira formou a esquerda em nosso país. 

De fato, ninguém poderá explicar o moralismo lulista e seu "humanismo" rasteiro, senão como condição necessária para conviver em harmonia com a política imperialista estadunidense no Oriente Médio na qual Israel é a sentinela a serviço do imperialismo. A direita bolsonarista não vacila em seu vínculo orgânico e militante em favor do sionismo tão importante para a burguesia, os monopólios de comunicação e, não menos decisivo, na cúpula das forças armadas. Portanto, a política externa lulista é cumplice da ofensiva imperialista contra o povo palestino pois é incapaz de repudiá-la diante do genocídio e da limpeza étnica em curso em Gaza e, em breve, na Cisjordânia. Lula e seu governo conservador apostou tudo no simples e necessário resgate dos brasileiros vivendo em Gaza, a versão mais fiel e concreta do que é o inferno terrenal para aqueles que acreditam na existência (e no castigo!) dos deuses. A presidência do Conselho de Segurança (CS) da ONU apareceu nos monopólios de TV - especialmente Globo e CNN - como expressão do "protagonismo brasileiro"; entretanto, nem a apologia sobre as "possibilidades" do Brasil na presidência do CS tão funcional à política imperialista, foi capaz de ocultar sucessivos fracassos, além de revelar os limites objetivos da solução negociada de interesses numa mesa regada a cerveja e picanha... Cativo da ingenuidade, o lulista/petista não percebe sequer que até mesmo a última leva de brasileiros liberados foi produto da articulação entre Israel, Estados Unidos e o ... Catar! Portanto, o surrado  e apologético bordão segundo o qual "o Brasil voltou" nas disputas mundiais caiu por seu próprio peso! 

Diante do genocídio sionista contra o povo palestino, o oportunismo eleitoreiro da esquerda liberal se depara com a miserável condição de reconhecer que diante de ação comandada por Netanyahu e o tradicional terrorismo de Estado praticado historicamente por Israel, o protofascista Bolsonaro é menos que um aprendiz a despeito de sua devota filiação sionista. O reconhecimento dessa diferença elementar não anistia sequer uma molécula moral e política ao personagem e seu governo, mas apenas restitui o terreno concreto da luta de classes e sua exata qualificação. Bolsonaro não é, nem de longe, Hitler ou Netanyahu. 

A diplomacia brasileira - caso estivesse de fato orientada pelo apego à soberania nacional - não poderia senão afirmar de maneira clara que nas atuais circunstâncias, Israel não tem direito a existência; não, pelo menos, enquanto a Palestina não for um estado com idêntica existência e garantias! A consciência diplomática liberal, apegada ao "direito internacional" deveria reconhecer essa condição básica pois é precisamente o que ordena a resolução 242 da sacrossanta ONU, que legitimou diante da força das potências imperialistas o deslocamento de milhões de judeus para território palestino e, no limite, permitiu o avanço do sionismo. Entretanto a tradição brasileira em política exterior é prisioneira moral e ideológica da indústria do holocausto , como acertadamente ensinou Norman Finkelstein. Além, é claro, de sua crônica incapacidade de fazer valer nossa soberania em qualquer fórum mundial necessário para assegurar controle do território e da riqueza nacional. De resto, nunca é demais recordar que "protagonismo internacional" não se conquista com a prática cínica do bom mocismo que se tornou uma especialidade da maioria do corpo diplomático com apoio completo da imprensa burguesa. 

A defesa da causa palestina está revelando também o alcance e a orientação ideológica de toda luta antirracista no Brasil. A longa reflexão crítica sobre a escravidão em nosso país - especialmente fecundas nas contribuições marxistas - foi arteira e ideologicamente substituída pelo "combate" burguês autorizado contra o "racismo estrutural" sob comando dos monopólios televisivos e da influência identitária importada do Partido Democrata dos Estados Unidos especialmente forte nas universidades. Não deixou de ser uma surpresa observar que as "lideranças" negras mais autorizadas do país e festejadas nas redes digitais ainda guardam enorme silêncio sobre o racismo sionista contras os palestinos e os árabes em geral. Você já viu ou leu algo de Djamila Ribeiro em defesa dos palestinos? Acaso, o racismo de Israel, tanto quanto aquele vigente na África do Sul até março de 1991 (Apartheid), não é uma versão particular do racismo destinado contra os palestinos? E se o racismo existente no Brasil é, de fato, detestável e merece nosso combate, o que dizer do sionismo como a maior expressão estatal e religiosa de racismo em nosso tempo? Entretanto, deputados e vereadores, assessores e lideres sindicais, da esquerda liberal guardam enorme silêncio sobre o genocídio particularmente visível em Gaza enquanto gritam todos os dias contra o "genocídio do negro" em nosso país. Mesmo agora, lideranças populares vinculadas ao PT e ao PSOL - para mencionar apenas exemplos mais grotescos e vergonhosos - guardaram silêncio diante da limpeza étnica e, somente de maneira esparsa e tímida, começam a balbuciar algo sobre a tragédia em Gaza. 

Nesse contexto, é fácil compreender os apelos genéricos a uma sorte de humanismo burguês rebaixado que reclama o cessar-fogo como se fosse possível convencer o estado sionista com palavras. Da mesma forma é possível observar o cinismo de um suposto "sionismo de esquerda" de acadêmicos a serviço da ordem burguesa condenar o Hamas como exemplo de atuação anti-moderna como se a política de Israel fosse em alguma medida defensável. Nas circunstâncias atuais o chamado "direito a existência de Israel" e seu religioso "direito à defesa" não passa de uma criminosa autorização para matar e cometer crimes de guerra, além, é claro, de permitir ou avalizar sua política sistemática e consciente de limpeza étnica na Palestina. 

Não é preciso ser um gênio político para reconhecer que, no atual contexto, somente vitórias militares do Hamas contra o exército sionista poderá mudar a correlação de forças e abrir a possibilidade remota de um cessar-fogo, a bandeira tão cínica quanto impotente da diplomacia petucana praticada por Lula. Não obstante, se somente a luta dos palestinos poderá produzir efeitos capazes de interromper o genocídio em curso, há uma batalha aqui que devemos travar. Essa batalha não admite vacilo: é contra a política externa do governo petucano Lula/Alckmin. Não devemos vacilar no mais mínimo contra um governo cúmplice, funcional aos interesses imperialistas materializados por Israel contra o povo palestino em particular e os árabes em geral. De resto, a inesgotável fonte energética do Oriente Médio deveria alertar aos desavisados e ingênuos sobre o entreguismo praticado pelo lobista e senador do PT Jean Paul Prates na presidência da Petrobrás sob orientação de Lula, apoiados pela cúpula sindical da FUP e da FNP.

Alertei acima que não seria essa a primeira vez na história que nos defrontamos com opções realmente dramáticas inerentes a lógica das situações extremas que, finalmente, se impõe como o critério da verdade. Na tradição socialista, é útil lembrar a aguda análise de Rosa Luxemburgo a respeito das decisões dos bolcheviques sob comando de Lenin em 1918, oportunidade em que acusou os comunistas alemães sobre suas responsabilidades diante dos limites objetivos da Revolução Russa. Rosa argumentou que "o desenrolar da guerra e da Revolução Russa mostraram não a falta de maturidade da Rússia, e sim a do proletariado alemão para cumprir sua missa histórica... O destino dela dependia inteiramente dos (acontecimentos) internacionais" (A revolução russa). Não serei exaustivo sobre a polêmica Rosa x Lenin, mas a lembrança é suficiente para observar que o genocídio do povo palestino exige outra orientação e conduta dos revolucionários no Brasil. Em larga medida, nem a histórica capacidade de luta do povo palestino, nem eventuais vitórias militares do Hamas, poderão bloquear a ofensiva sionista cujo horizonte é a solução final nazista destinada aos palestinos. Nesse contexto, será preciso que forças políticas se levantem no mundo inteiro e cabe lembrar ao provincianismo que nos domina que "o mundo é aqui". 

No Brasil, a recusa em reconhecer questões elementares da luta contra o sionismo já se transformou num esporte nas filas da esquerda liberal. Assim, é possível ver que especialmente no início do recente conflito iniciado em 7 de outubro as críticas eram dirigidas ao Hamas e "suas ações terroristas" responsáveis por "matar inocentes" na mesma medida em que também reprovavam Israel pela "desmedida reação" as ações do Hamas. O comportamento da esquerda liberal em "condenar os dois lados" nunca passou de um artificio para permanecer no campo da hegemonia da classe dominante. A crítica ao terrorismo de Estado de Israel apoiado pelo imperialismo estadunidense e todas as potencias europeias, ainda não ganhou cidadania em suas filas. É tão tímida quanto cúmplice. Essa linha de atuação mantém laços com a pratica "civilizada" na política e afirma o bom mocismo que também a orienta internamente em sua relação carnal com o governo Lula. 

Portanto, a exigência de ruptura de relações diplomáticas do Brasil com Israel entre outras medidas possíveis e necessárias simplesmente não entraram ou foram lembradas tardiamente por alguns deputados, sempre, obviamente, de acordo com o decoro parlamentar. A propósito, a recente nota de 61 deputados entre os quais a bancada inteira do PSOL, sequer menciona a exigência de ruptura de relações diplomáticas mas a "simbólica" e patética convocatória para que o embaixador brasileiro em Israel retorne a Brasília. Haveria algo que o diplomata pode nos revelar além do que já vemos na TV? No entanto, a ruptura com o governo petucano encabeçado por Lula e a passagem para a oposição de esquerda aberta como único meio de pressão contra a hegemonia liberal não passa pela cabeça de nenhuma de suas "lideranças". O artifício adotado para manter fidelidade à Lula/Alckmin consiste em decifrar as intenções embutidas nas posições de Lula ou aproveitar qualquer declaração ou ato da direita para subir na tribuna e atacar o protofascista Bolsonaro. Nada mais.

É necessário reconhecer que as manifestações militantes de apoio a causa palestina realizadas no Brasil foram, de fato, modestas, a despeito da clara oposição contra a política sionista responsável, entre outras, pela sutil mudança nos discursos de Lula, personagem sempre atento aos ventos do humor popular. A antiga filiação internacionalista de extração comunista na qual grande parte da esquerda brasileira se formou, desapareceu para sempre. Ocorre que a concepção internacionalista jamais esteve confinada no dominante bordão "marxista-leninista", um produto típico da ideologia do estado soviético. As revoluções sociais - como a Nicarágua, por exemplo - não assumiu aquela tradição e o nacionalismo terceiro-mundista cumpriu também função importante na luta anti-imperialista, especialmente aguda no Oriente Médio. Entretanto, se aquela tradição não comportava as forças vitais da Revolução Brasileira e merecia todos os reparos que a história registra, o comportamento atual da antiga esquerda brasileira expressa todos supostos liberais e encontra nos Estados Unidos - o mais importante país imperialista - seu horizonte político-ideológico. Em consequência, o artigo de consumo mais importante das filas da esquerda liberal é o identitarismo de extração estadunidense e cuja função ideológica é esterilizar até o fundo e o fim qualquer vestígio de classe nas lutas parciais (mulheres, negros, gays, etc). O conceito de classe e povo são subordinados quando não simplesmente desconsiderados e, no limite, tratados como se nações fossem "imaginárias". O individualismo burguês que legitima a concorrência capitalista é o mesmo que informa a mobilidade social das políticas de reconhecimento e ações afirmativas incapazes de contemplar milhões num país mestiço como o Brasil.  

O internacionalismo comunista orientado pela URSS até 1989 desapareceu mas não foi substituído pelo "reino da liberdade individual" onde cada um faz o que quer em defesa do pluralismo funcional a sociedade capitalista e a correspondente ideologia burguesa do "ser livre". Agora, como podemos ver a luz do dia, a liberdade de pensar esta totalmente garantida na mesma medida em que completamente filiada aos "valores" e praticas sociais emanadas do centro do Império. O novo templo de adoração não é mais Moscou, mas Washington! O outrora "detestável ouro de Moscou" foi substituído pela grana turbinada e fácil das ONGs e das Fundações num sistema de cooptação que incluiu parlamentares, burocratas dos partidos e lideranças da "sociedade civil". Tudo à luz do dia! Portanto, não estou alertando contra um "provincianismo" qualquer mas, ao contrário, acuso o provincianismo de extração colonial, pendente da "orientação" do Partido Democrata e das migalhas ideológicas oriundas na Europa submissa aos Estados Unidos, aquela também completamente sem projeto próprio. A hora e a conjuntura mundial exigem radical revisão da orientação ideológica entre nós: após o 7 de outubro, quando você falar em "resistência", pense na Palestina! Quando acusar o racismo, estude o sionismo! Quando clamar pela paz, analise os horrores  e as causas da guerra. Quando clamar pela solidariedade, atue duas vezes antes de pensar! Washington não é a capital das luzes, mas o centro de decisão do genocídio.

A luta nacional palestina, tal como registra a História, conta com inimigos poderosos mas não invencíveis. Portanto, em perspectiva histórica, a lógica das situações extremas vigente na Palestina e nos territórios ocupados, incluiu também todos nós, a despeito da distância geográfica. Ora, Gaza e Cisjordânia constituem a vala comum do sofrimento humano que hoje mata impunemente crianças, mulheres, velhos, adolescentes, homens e mulheres, gays e heteros sem qualquer distinção, exceto a nacionalidade: basta ser palestino para estar sob a mira assassina do sionismo. A luta palestina foi, desde sempre, uma luta universal desde uma perspectiva nacional. A despeito da adversa situação em que se encontram os palestinos e também suas organizações políticas - entre elas o Hamas - sabemos que o combate ainda será longo e sem sentença prévia sobre o vencedor. Aqui, no Brasil, gozando de completa liberdade política e dispondo de meios ainda importantes para fortalecer a luta nacional palestina, caberá à esquerda revolucionária empenhar-se na solidariedade ativa em favor da liberdade de todo um povo. Não uma liberdade abstrata, mas a liberdade de dispor de seu território e a segurança para sua existência sem qualquer restrição. Nessa batalha, ao contrário do que a consciência ingênua e não rara oportunista que a esquerda liberal pratica, há que ter clareza sobre o outro nome da liberdade que pretendemos também para os brasileiros: Palestina Livre! 

Revisão: Junia Zaidan

 

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Dias Toffoli, o ministro delator

 

"Você hoje não é mais apenas um juiz, mas um grande líder brasileiro (ainda que isso não tenha sido buscado). Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal. Sei que vê isso como uma grande responsabilidade e fico contente porque todos conhecemos sua competência, equilíbrio e dedicação".

                                                                   Dalagnoll  à Moro em 13 de março de 2016


"La historia es siempre concienzuda y pasa por diversas fases antes de enterrar a las formas muertas. La fase final de una forma de la historia del mundo es la comedia" 

                                                              Marx. En torno a la crítica de la filosofía del derecho de Hegel, 1844

 

 

A decisão do ministro Dias Toffoli do STF, proferida em 06 de setembro, anulando todas e quaisquer provas obtidas dos sistemas Drousys e My Web Day B utilizadas a partir do acordo de leniência celebrado pela Odebrecht no âmbito da Lava Jato, foi recebida com júbilo pela ingenuidade e alienação lulista, igualmente dominante no conjunto da esquerda liberal. A desinibida felicidade de "militantes" é inocultável com o avanço do cerco sobre Sérgio Moro, outrora xerife do bairro no comando da Lava Jato, verdadeiro herói das classes médias endinheiradas e da astúcia burguesa versada na arte de iludir. Ademais, como nada no mundo da política ocorre por acaso, poucos dias depois (15/9), a Corregedoria Nacional de Justiça adicionou combustível ao entusiasmo geral ao publicar a investigação (ainda parcial) destinada a avaliar a "imprudente" administração de Sérgio Moro dos bilionários recursos obtidos em delações ilegais e abuso de autoridade praticadas contra ladrões e corruptos de toda espécie. A cascata de denúncias contra Moro avançou ainda mais quando (28/9) a defesa de Tony Garcia - um capitalista réu confesso, chantageado sistematicamente por Moro, solicitou ao mesmíssimo Dias Toffoli o reconhecimento de parcialidade do xerife que usou todo tipo de chantagens para mantê-lo como informante por longo período (2005-2018), segundo documentário produzido pelo canal ultra-petista 247 há um mês. A propósito, nesse documentário, é verdadeiramente revelador que o posto de ministro da Justiça dos governos de Lula e Dilma estava vago pois não há notícia de ação ministerial contra as tramoias e ilegalidades de Moro, Dallagnol e sua turminha!

Com os olhos fixos no presente, as decisões do ministro Toffoli não descuidaram do futuro imediato e, em consequência, alcançaram também o destino da Lava Jato ao anular a suspeição de Eduardo Appio. Muito provavelmente Toffoli pretende criar as condições para a devolução ao açodado magistrado o comando da afamada operação até agora sob o fugaz reinado da juíza Gabriela Hardt, a queridinha de Moro e Dallagnol na 13ª. Vara Federal de Curitiba. Nem tudo são flores, razão pela qual o Conselho Nacional de Justiça conduzirá análise do processo disciplinar instaurado para julgar o comportamento de Appio no breve período em que comandou a Lava Jato e contra o qual há acusações igualmente graves para as quais não se deve esperar decisão salomônica.

O entusiasmo da consciência ingênua, entretanto, não foi o suficiente para que o lulista/petista entoasse o enfadonho bordão "a justiça voltou". A alegria é indisfarçável, mas a situação não permite cinismo desmedido. Escolado nos vaivéns da vida, até mesmo o mais ingênuo lulista desconfia que a política se move tanto quanto as marés. No terreno especificamente jurídico, a consciência ingênua da esquerda liberal - filha órfã da democracia burguesa em grave crise - se apressou no elogio das decisões orientadas pelo "garantismo" contra os medievais justiceiros como se tivéssemos descoberto eficaz antídoto contra a "ameaça fascista". Eles de fato acreditam que a defesa da legalidade não nos mata, mas, ao contrário, nos salvará! Alegam, portanto, que tanto Moro quanto Dallagnol terão a garantia do devido processo legal, que, como sabemos, negaram a Lula, aos petistas e a uma corja de funcionários e políticos burgueses corruptos condenados pelo arbítrio de Moro e seu bando. 

Entretanto, o pragmatismo da esquerda liberal insinua lições de realismo ao afirmar que não temos tempo para pruridos e, a despeito de atropelos aqui e ali, o fundamental é tirar Moro, Dallagnol e seu mais íntimos colaboradores da política agora. A mesma "estratégia" vale pra o protofascista Bolsonaro, cada dia aparentemente mais emparedado nos marcos da legalidade burguesa. Uma peça por vez, declara a sabedoria lulista/petista contra todos aqueles que julgam o excesso de prudência um risco, recado também dirigido aos críticos contumazes como eu, sempre considerados eternos insatisfeitos.  

No limite - para o liberalismo de esquerda - a ordem jurídica é essencialmente boa e uma garantia diante do pesadelo petista de 8 de janeiro, quando a mobilização da direita gritava pela "intervenção militar" e a "resistência civil". Nesse contexto, alegam que a defesa das instituições e da ordem democrática é o mínimo que toda a esquerda deve fazer! A ambiguidade petista não consegue ocultar sua extração bovarista, pois, ao mesmo tempo em que declaram a iminência de um golpe de Estado exibido na primeira semana do novo governo, (liderados pelos militares), afirmam também que não existem condições internas e internacionais para a intentona da direita! A ginástica ideológica deixa o petismo numa situação tal qual Madame Bovary, que, num só momento pretendia viajar a Paris e morrer. Mas morrer e viajar a Paris ao mesmo tempo é, como sabemos, impossível!

Os advogados alinhados com o petismo evitaram os arroubos militantes próprios do bordão "o Brasil voltou" e, em consequência, deram um tom sóbrio à análise das decisões dos eminentes ministros: segundo a versão interessada, Toffoli decidiu, antes de mais nada, nos marcos da legalidade e apresentou uma "peça jurídica" considerada um primor "técnico". Ademais, inaugurando um novo tempo, registram que o juiz teria evitado a espetacularização da sentença, um recurso usual no STF quando o país estava tomado pelo "espírito maquiavélico da farsa lavajatista". Agora, ao contrário daquele obscuro tempo, o ministro agiu com "seriedade, coragem e didatismo". Uma beleza! 

O mundo dá voltas, transformando em mentira o que ontem era considerada a mais pura expressão da  verdade. No passado, Moro afirmava que "a Lava Jato é a maior operação de combate à corrupção do mundo". Agora, o ministro Toffoli - recolhendo lições de um jornalista do The New York Times - escreve que a operação é, ao contrário, "o maior escândalo judicial da Humanidade". O entusiasmo com a boa nova impediu a leitura cuidadosa da sentença emitida pelo eminente juiz da Corte Suprema. Entretanto, vale dedicar alguma atenção ao documento pois ali podemos ler uma verdadeira delação - essa sim, voluntária! - de todo o sistema de justiça nacional.

Ora, em 135 páginas Toffoli destila seu ácido contra o Ministério Público Federal, a Procuradoria Geral da República e especialmente Janot, a Polícia Federal, a impoluta Receita Federal, o outrora beatificado TRF-4, e contra a antiga reserva moral da nação, a impoluta 13 Vara Criminal de Curitiba. Finalmente, sobrou algo também para a imprensa, ainda que tratada genericamente como manda a tradição da neutralidade. Numa nota de pé de página, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério de Justiça teria pecado por "omissão". A lista das cumplicidades e omissões é considerável a tal ponto que não seria exagero afirmar que o sistema inteiro estava contaminado por grave doença. Por fim, a indicação da absoluta falta de competência para a 13 Vara julgar em Curitiba as acusações contra Lula (e não Brasília) também foi agora considerada como ilegalidade flagrante quando, no auge da Lava Jato, foram simplesmente ignoradas por juízes de "notório saber" orientados para preservar as leis com zelo e rigor! 

De minha parte, não recordo sentença semelhante na qual um juiz da Corte Suprema faça juízo tão ácido contra as instituições burguesas. Mas esse "aspecto" não chamou atenção dos lulistas e todos os dedicados e atentos lutadores contra o "neofascismo". Ao contrário, a julgar pelo comportamento político e sobretudo pela ausência de ações, tudo indica que antes de seguir a marcha da podridão, as instituições estariam, na verdade, renascendo após a vitória de Lula/Alckmin. Não obstante, as instituições se encontram todas aí e sequer há notícia de algum projeto de reforma do sistema judicial nacional.

Pois bem, em longa sentença, Toffoli declarou a nulidade absoluta dos acordos de leniência produzidos pela Lava Jato. Ademais, afirma que Moro não cumpriu "determinações claras e diretas emanadas da mais alta Corte de Justiça do País", fato que deve agravar a crítica situação do senador ainda no exercício do mandato. Não deveriam existir dúvidas de que a nulidade absoluta dos acordos de leniência abre possibilidades extraordinárias para empresas reclamarem prejuízos reais e imaginários ao Estado. Esse é um capítulo que apenas começa e não constitui surpresa se notórios corruptos receberem no futuro breve, suculentas indenizações pelos prejuízos que a "violação do devido processo legal" causou às empresas responsáveis pela "geração de empregos e renda ao povo" tal como reza o jargão lulista. No embalo, tampouco duvido que escritórios de advocacia cobrarão cifras milionárias não contabilizadas no cálculo do déficit público porque estarão dirigidas à restauração do Estado Democrático de Direito. É atual a severa crítica do audaz e honrado Mandeville!

Ao ler o documento, há algo que deveria chamar a atenção de qualquer analista ou militante com duas moléculas de memória histórica, afinal, todas as ilegalidades agora reconhecidas como tais sempre estiveram na cena pública nas páginas da imprensa ou mesmo na defesa das suposta vítimas. Por que, afinal, somente agora um ministro que também cometeu atrocidades em sua atuação no STF acordou? Toffoli afirma que em não poucos casos ocorreu "ostensivo descumprimento de determinações claras e diretas emanadas da mais alta Corte de Justiça do País"; declara também que o "reclamante" (Lula) alertou o Juízo de Curitiba em cinco oportunidades de negativas da Vara de Curitiba a seguir as determinações do STF, como se estivéssemos diante de um segredo de Estado! Ocorre que as denúncias de Zanin atuando na defesa de Lula sobre as sucessivas negativas do bando de Curitiba em permitir acesso às delações eram públicas, muitas vezes registradas em grandes jornais e TVs!!

Eis o cerne da questão: os crimes cometidos pelos procuradores e juízes de Curitiba que levaram Toffoli a denunciar as atrocidades político-jurídicas praticadas por Dallagnol e Moro não constituem novidade alguma, mesmo antes da publicação de documentos e provas de conspirações expostas na Operação Spoofing na qual um suposto hacker acessou e divulgou as falcatruas, ilegalidades e atrocidades do ex-xerife do bairro atualmente senador da república! Não há nada absolutamente novo no cenário e qualquer um pode rastrear na imprensa as denúncias repetidas sobre cada ponto agora presentes na sentença. O mesmíssimo Toffoli afirma (p. 21) que a Lava Jato negou aos defensores de Lula nos últimos três anos acesso aos "elementos de prova" a despeito das determinações expressas do Colegiado e do próprio relator (Toffoli) para que seu cliente tivesse acesso aos segredos de Moro e Dallagnol. Por que, afinal, somente agora o ministro emite tão grave sentença?

Nem tudo mudou, mas o país respira novos ares, afirma a consciência ingênua. A "derrota eleitoral do fascismo" nas eleições levou Lula à presidência e, portanto, há um novo governo; ademais, a ofensiva dos "golpistas" contra a sede dos três poderes que arrancou autênticas lágrimas de Rosa Weber diante da destruição do STF, permitiu a contraofensiva do tribunal embora de curso e destino, ainda incertos. De resto, no turbilhão da crise, o protagonismo de Alexandre de Moraes ganhou força e justificativa após a aparentemente desastrosa ofensiva contra os três poderes ocorrida no segundo domingo de 2023. Há quem afirme com profunda convicção nossa dívida com o Judiciário pois ao final das contas, o egrégio tribunal salvou nossa sempre frágil democracia! De resto, acreditam, uma vez mais a vida ensina que a despeito de suas enormes insuficiências, a democracia não é assim um adversário tão simples de bater e nem tão fácil de desprezar. 

Entretanto, a delação de Dias Toffoli não despertou o instinto reformista aparentemente necessário para religar a fé do povo nas instituições apodrecidas da república burguesa. Ao contrário, ao embalo do alienante bordão "O Brasil voltou", a antiga legalidade se apresenta não como aquela velha senhora repleta de vícios para a qual amor é impossível, mas, ao contrário, emerge com a força virtuosa de uma paixão que após breve separação regressou simulando saudades e virtudes que merecem um jantar à luz de velas em nova e certamente breve reconciliação. Nesse caso, o caráter fantasmagórico do fascismo cumpre a função de anistiar todos os crimes da democracia restringida que se abatem implacavelmente sobre os trabalhadores e garantem super lucros e vida mansa às distintas frações burguesas. Nunca foi tão inequívoca a existência da extração liberal da esquerda, que recusa com radicalismo qualquer vocação de ruptura com o sistema apodrecido! [JZ1] É uma esquerda da ordem, ainda que sôe raro. A razão da burguesia nas condições do capitalismo dependente rentístico é sua razão e, posto que a burguesia não é reformista, a esquerda liberal tampouco, especialmente na periferia capitalista onde com a intervenção decisiva das forças armadas pode, em última instância, colocar tudo nos eixos.

A fonte da crise atual consiste precisamente no fato de que a esquerda liberal não constitui força mobilizadora em favor de reformas no interior do sistema. Ao contrário, na ausência de um programa reformista, o governo conservador Lula/Alckmin orienta-se pela "agenda" necessária às frações do capital dirigidas a aumentar seu poder sobre o Estado e realizar mudanças que favorecem não somente a superexploração da força do trabalho mas o desmonte final das "conquistas constitucionais de 1988". Nesse contexto, pouco importa se a demolição de direitos sociais da Constituição de 1988 se realiza em acordo ou de maneira conflituosa com o covil de ladrões dirigido por Lira e Pacheco ou se, voluntariamente, é praticada por meio de medidas do Ministério da Fazenda. A verdade é que mesmo os chamados mínimos constitucionais da saúde e da educação serão revisados a pedido do governo, assim como a privatização dos presídios já começou com estímulo oficial (BNDES), a liberação de 103 agrotóxicos represados no governo de Bolsonaro, a ausência de iniciativa para recuperar a Petrobrás e a Eletrobrás, e todas as promessas da campanha eleitoral sobre a revisão da legislação trabalhista sequer são lembradas num país onde 93% dos trabalhadores recebem até 2,5 salários mínimos e 40% sequer possui carteira assinada.

A direita, ao contrário, na completa ausência de um programa reformista por parte da esquerda liberal, mantém o firme comando da luta ideológica, das iniciativas políticas e parlamentares e do assalto ao Estado com medidas de política econômica destinadas a fortalecer os interesses da coesão burguesa em nome do "emprego e da renda". Portanto, o programa da direita é implementado pelo governo da esquerda liberal responsável em última instância pela permanência de milhões de trabalhadores no abismo social próprio de um país subdesenvolvido e dependente. Entretanto, se a política econômica do governo da esquerda liberal aprofunda a miséria e a exploração sobre a maioria da classe trabalhadora, nas condições atuais a política social nem sequer pode mitigar o sofrimento, a violência e a miséria como pretendeu durante os 14 anos de seus governos anteriores.  A antiga filantropia católica atualizada na cansativa e impotente afirmação de Lula pela "inclusão do pobre no orçamento" (não é digno comentar a emenda ao soneto de "meter o rico no imposto de renda") não possui aderência para manter o governo estável e menos ainda para garantir estabilidade ao sistema político. Nas condições atuais da crise capitalista em escala global e sua intensa repercussão na periferia capitalista, o Brasil sofrerá mais do que qualquer outro país latino-americano as consequências políticas e sociais acumuladas pela acelerada transição de sua fase industrial para a rentista. O antigo desenvolvimentismo emerge com força na cabeça dos otimistas mas é incapaz de realizar qualquer arremedo de política industrial necessária para competir com os preços de produção asiáticos. Em consequência, resta o patético apelo à "economia verde" e às "janelas de oportunidades" abertas pela demanda de energia (hidrogênio verde) cuja consequência é sacramentar a posição do país na divisão internacional do trabalho de maneira mais perversa, que faria corar um desenvolvimentista dos anos 60 e 70.  

A impotência política do governo petucano e de Lula - principal personagem da esquerda liberal - expressa no genérico "combate ao fascismo" não poderia ser mais eloquente. O desarme político-ideológico é tal que podemos ouvir ministros e "pensadores" da esquerda liberal afirmarem sem pejo que, nas circunstâncias atuais, o "judiciário salvou a democracia"! Ora, a renúncia sistemática dos poderes inerentes ao regime presidencial caracteriza Lula e o petismo desde sempre; portanto, a convocatória ao povo como único meio de pressão contras as classes dominantes e as eternas lutas entre as distintas frações do capital está descartada! Lula não cansa de afirmar que a "mão rebelde do trabalho" é carta fora do baralho! Em consequência, o cretinismo parlamentar se pavoneia como se fosse, de fato, a razão da política de "resistência" sem a qual estaríamos ainda mais desprotegidos diante da ofensiva real e fantasmagórica da ultra direita. De resto, a "ação política" do governo e seus partidos não acumula forças e tampouco dirige esforços para mobilizar uma força capaz de enfrentar nas ruas eventual ofensiva da direita. Ao contrário, Lula/Alckmin não fazem menos do que avançar à direita - na composição e nas medidas governamentais - na vã tentativa de subtrair bases sociais do conservadorismo e da direita! É o perfeito caminho do desastre!

A recente sentença de Dias Toffoli anulou os acordos de leniência validados pelo sistema jurídico dominante e, antes de tentativa do ministro em justificar seus próprios pecados na trama dirigida por Moro, a decisão constitui verdadeira delação contra todo o sistema de justiça da república burguesa! Afinal, fica difícil explicar como tantas ilegalidades foram praticadas durante tanto tempo por Moro, como se o país, finalmente, estivesse resgatando a moral e as virtudes republicanas por órgãos de Estado sob controle de uma figura agora considerada não somente patética mas também nefasta! Não é ocioso recordar que todas as ações de Moro, Dallagnol e seu bando foram consideradas por muita gente dentro e fora dos tribunais - sem falar também nas denúncias que de alguma maneira apareciam na imprensa burguesa - como flagrantes violações do "Estado Democrático de Direito". Entretanto, a despeito de notórias evidências e não poucos alertas, o próprio STF consolidou maioria para permitir, senão favorecer, o comando de Moro em favor da moralidade burguesa!

A história da república ensina que também os tribunais burgueses se movem segundo o balanço da luta de classes. Os liberais de esquerda com alguma autenticidade estão agora hegemonicamente dominados por carreiristas de toda espécie, prisioneiros de parlamentares degradados dispostos a trocar qualquer antiga convicção pela autorreprodução parlamentar, responsáveis por transformar o outrora combativo movimento social em meros comitês eleitorais com resultados pífios e, diante do abismo cavado por seus próprios pés, não pode constituir surpresa alguma o fato de apostar suas fichas na "firme atuação" do Judiciário contra a ofensiva burguesa. A "luta contra o fascismo" e a "defesa da democracia" abriga, portanto, os interesses de todo tipo de canalhas, ladrões, carreiristas, oportunistas, que, ao primeiro sinal da mudança dos ventos, rapidamente adaptarão o comportamento para buscar sua readmissão na sociedade respeitável.    

A reforma da ordem burguesa não figura nos planos da esquerda liberal. Portanto, recusam ingenuamente a luta de classes como se pudessem arrefecer os efeitos da ofensiva da direita e, cinicamente, recusam a dialética da luta dentro e contra a ordem apostando no bordão popular segundo o qual "quando um não quer, dois não brigam". Objetivamente, não arrisco dizer em qual medida é uma mistura de oportunismo e suicídio. No limite, a esquerda liberal espera tão somente que seu governo ajude no esforço de restauração da democracia ameaçada pela ofensiva burguesa encabeçada pela ultra direita vitoriosa na disputa presidencial de 2018. A despeito de suas esperanças, a crise segue curso normal e se manifesta no conflito entre os poderes republicanos como expressão concreta da luta entre as frações burguesas unificadas no reconhecimento de que em larga medida a Constituição abriga direitos que "não cabem no orçamento". Ora, enquanto o presidente com voz cada vez mais rouca balbucia colocar o pobre no orçamento como mera propaganda – e nada faz para colocar os bilionários no imposto de renda! – a  burguesia declara a obsolescência de toda política social. Definitivamente, agora, nem mesmo migalhas ao povo. O imenso deserto construído a partir da renúncia do socialismo e da revolução social será o destino dos liberais de esquerda.

A restauração da velha ordem é impossível mas seguirá sendo a ladainha do liberalismo de esquerda dirigido por Lula, Alckmin e seu governo conservador. Toffoli delatou sem pretensão a podridão das instituições burguesas na vã tentativa de limpar as impressões digitais dele e da maioria de seus colegas de corte na farsa lavajatista. Nas circunstâncias brasileiras, a harmonia entre os três poderes é ideologia sem qualquer sustento para além das aparências e, mesmo quando "unidos e harmônicos", estão orientados pela economia política do rentismo que tem na superexploração do povo seu fundamento comum. Mais do que em qualquer outro momento de nossa história recente, aqueles que pretendem efetivamente construir uma "alternativa civilizada" devem compreender que deverão assumir com radicalidade nossos adversários tanto à direita quanto à esquerda do liberalismo.

 Revisão: Junia Zaidan

sábado, 9 de setembro de 2023

PT, "o ultimo refúgio dos canalhas?"

A repetição é tão certa quanto os dias santos no nosso calendário: enquanto o desfile militar ocorre em Brasília após autorização presidencial, alguém nas filas da esquerda liberal aproveita a data nacional para espinafrar o patriotismo ou qualquer forma mais fecunda de nacionalismo como se estivéssemos diante de uma lepra ou contágio capaz de nos levar de maneira definitiva ao abismo e ao caos.

O bordão predileto da esquerda liberal semi-analfabeta em economia política é a conhecida sacada de Samuel Johnson contra os oportunistas ingleses do século XVIII (1774): "o patriotismo é o último refúgio dos canalhas". O leitor desavisado divulga a crítica fora de tempo e lugar convicto de que toda manifestação de patriotismo e nacionalismo seria expressão de irracionalismo da direita. O mundo é das nações, é também um mundo capitalista ordenado pela lei do valor e falseado pelo estado nacional, recurso especialmente importante para os países imperialistas. Ou seja, tudo que os preços de produção não resolvem na concorrência capitalista é solucionado por uma boa dose de nacionalismo econômico na forma de protecionismo que somente os estados imperialistas podem praticar enquanto condenam a prática a todos os seus adversários. 

A afirmação inocente e irresponsável condenando o "patriotismo" termina por levar águas para o moinho da direita na exata medida em que o nacionalismo - especialmente aquele que denomino revolucionário - antes de fortalecer a luta pelo socialismo termina por permanecer como monopólio da direita. A esquerda liberal é pródiga em se definir cosmopolita embora distante do espelho não passe de um subproduto ridículo do Partido Democrata dos Estados Unidos com visitas à Bernie Sanders e direito a fotos com Alexandria Ocasio-Cortez em recente giro de inspeção no Brasil.

Panfleto de Johnson de 1774

No 7 de setembro - tal como invariavelmente ocorre todos os anos! - recebi num grupo de aplicativo de celular texto de professor universitário onde o postulado de Samuel Johnson é repetido com enorme dose de ignorância sobre sua origem, reproduzindo asneiras como se fosse sabedoria ou mesmo erudição. A crítica de Johnson segundo a qual o patriotismo seria mesmo "o último refúgio dos canalhas" pretendia alertar os patriotas ingleses do século XVIII contra os inimigos da nação, os traidores dos trabalhadores em luta por seus direitos e especialmente contra os sacanas de todo tipo que circulavam em torno do monarca via parlamento. Aqui, como manda a ignorância histórica, é utilizado em seu sentido oposto, destinado a alimentar a dúvida sobre toda e qualquer manifestação nacionalista. Esse procedimento ilustra o quanto os acadêmicos praticam a papagaiada sem conhecimento histórico elementar.

Ademais, o breve texto do acadêmico divulgado em rede digital, "ilustrou" com os tradicionais vícios as quinquilharias retiradas de literatura rebaixada, cuja expressão máxima é o livro de Benedict Anderson, festejado aqui como se fosse o último grito de sabedoria sobre o destino das nações (Comunidades Imaginárias). No entanto, o escrito de Anderson não possui qualquer importância, especialmente para quem vive na periferia do sistema capitalista. Exceto, é claro, porque se trata de ideologia destinada a esterilizar aqui a luta pela soberania. Na mesma linha de argumentação, o clássico texto de Ernest Renan (O que é uma nação?), pronunciado numa conferência na Universidade de París-Sorbonne em 11 de março de 1882, aparece como se fosse suficiente para lançar todas as dúvidas sobre o caráter perpétuo das nações, considerada uma reminiscência da época burguesa em vias de desaparição, razão pela qual toda defesa da pátria seria um exercício não somente improdutivo mas sobretudo duvidoso e, no limite, perigoso. Em defesa de Renan é preciso informar que a despeito de sua precária definição ("uma nação é uma alma, um princípio espiritual... resultado das complicações profundas da história"), o texto indica os perigos daqueles que pretendem afirmar a existência da nação pela força da raça, do idioma, da religião. Entretanto ele evita em dois parágrafos a abordagem exaustiva da "comunidade de interesses" e, a despeito de sua honestidade, não podemos esquecer que o autor escreve desde um país imperialista, a mais burguesa das nações de sua época, a França. Enfim, tanto a defesa do patriotismo de Johnson como os alertas de Renan são apresentados como antídotos diante do nacionalismo quando, na verdade, foram escritos para outro fim. Aqui figuram como expressão da luta ideológica destinada a esterilizar a luta pela soberania. 

A esse respeito, há muito as quinquilharias ideológicas que circulam nas universidades são adotadas acriticamente por partidos da esquerda liberal e especialmente pela militância identitária, como se fosse  ciência certa e não apenas ideologia destinada a iludir trouxas boçais, dentro e fora da academia. Da mesma forma, as misérias dos partidos políticos da esquerda liberal são ignoradas - quando não justificadas!  - pelos acadêmicos como fenômenos secundários ou expressão de determinações sobre as quais não temos qualquer governo e diante dos quais o trabalho político se resume a justificá-los. 

A lenta, inexorável e definitiva adesão do PT à ordem burguesa sob comando de Lula não deixa dúvidas sobre a natureza do processo, embora os acadêmicos desprezem as lições diárias da crise da república burguesa sob condução da esquerda liberal. Os militantes de esquerda que teimosamente resistem no interior do PT têm vida testemunhal e restam apenas como vã tentativa de evitar a decadência política, programática, moral e ética do partido exibida com requinte tanto na oposição quanto no governo. Aqueles que possuem uma molécula de respeito pela história, podem observar que no lugar do antigo militante - mesmo aqueles cativos da consciência ingênua -, agora reina de maneira plena uma bola de parlamentares e burocratas sem qualquer compromisso com o povo alimentados por catolicismo rasteiro agitando a bandeira da filantropia para as maiorias enquanto seu governo engorda sem medida a conta bancária e o poder político de todas as frações do capital reunidos na coesão burguesa. 

Em consequência, a "disputa" nos congressos internos, nas decisões de cúpula, há muito deixou de ser modulada pelo antigo e combativo núcleo de base e/ou a zonal para tornar-se o espaço por excelência do político profissional, representante das distintas frações do capital que você pode ver em seu estado em exemplares quimicamente puros. A metamorfose do PT à condição de partido da ordem permanece como critério social de tal forma que mesmo um partido relativamente jovem como o PSOL já reproduz todos os seus vícios sem nenhuma de suas virtudes originárias! 

No processo de adequação à ordem burguesa, antigos desafetos se filiaram ao PT de Lula para seguir renovados em suas carreiras sob os escombros do sistema político. Adversários acirrados de outrora se elegeram pelo Partido e prosperam na vida pública como "dirigentes" ou ministros de Estado. Inimigos declarados que juraram ódio eterno aos "socialistas do PT" são agora portadores de nova cidadania outorgada pelo próprio Lula ao afirmar Alckmin como "companheiro".

A tragédia não pára por aqui. O vice presidente nacional do PT é um tal Washington Quaquá. notável contribuição fluminense à nova cultura nacional petista. O último candidato a prefeito de São Paulo foi Gilmar Tato, cuja reputação levou milhares de petistas ao voto no candidato do PSOL ainda no primeiro turno. O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues é um autodenominado indígena cuja PM mata tão impiedosamente quanto o bolsonarista Tarcisio em SP. O senador Rogério Carvalho de Sergipe aprovou em plena pandemia o PL 3.877/2020 de sua autoria que autoriza o Banco Central a remunerar depósitos voluntários, o maior assalto ao Estado à luz do dia de que temos notícia. Na Petrobrás, o senador petista pelo Rio Grande do Norte, Jean Paul Prates, comanda a entrega dos recursos valiosos do petróleo aos rentistas internacionais com sorriso de bom moço completamente amparado por Lula. A qualidade da metamorfose petista é muito evidente mas os acadêmicos e os cínicos preferem acusar o protofascista Bolsonaro como origem e destino de todos os nossos males.

"Éramos felizes e não sabíamos"

No terceiro mandato, tudo ficou ainda pior. Na véspera do dia da pátria, para dar apenas um exemplo, Lula trocou Ana Moser por um deputado de nome Fufuca, um sujeito que votou pelo impeachment de Dilma e agora é o oitavo membro do bloco "golpista" no governo de reconstrução nacional... Na semana da Pátria, Lula defendeu - pasmem! - o voto secreto dos membros do STF como forma de proteger os ministros da Corte Suprema do protesto popular, uma posição inacreditável até mesmo para nós, acostumados com o avanço desinibido do presidente à direita! Incorrigível, a servidão voluntária praticada pelo petista/lulista ingênuo prefere registrar que o presidente tinha ao seu lado no desfile militar várias mulheres, um contraste "simbólico" com o desfile anterior presidido pelo protofascista, enquanto ao petista autêntico, quase uma peça de museu, resta-lhe o lamento solitário num canal de Youtube. Uma miséria!

Voltemos a Johnson e a questão nacional. O desfile militar e principalmente o estéril discurso do dia da pátria pronunciado por Lula em horário nobre na véspera do 7 de setembro só não envergonha porque desarma as maiorias e não toca nos nervos de nossa crítica situação. Entretanto, os acadêmicos mantêm fidelidade à Lula como se o país não tivesse outro horizonte senão aquele traçado pelo Partido Democrata, o Vaticano e a coesão burguesa fortalecida pela economia política do rentismo tocada por Lula e Haddad. Portanto, o recurso aos textos esquecidos não produzem sequer a desconfiança de que algo semelhante poderia estar acontecendo aqui, em baixo de seus narizes. Quando Johnson proclamou em alto e bom som que "o patriotismo era o último refúgio dos canalhas" pretendia nada menos do que a defesa de seu partido, o patriotismo. Não era a denúncia do patriotismo ou do nacionalismo, mas, ao contrário, sua defesa, destinada a preservar os patriotas na luta contra os desmandos do rei e a corja de parlamentares que sustentavam a monarquia!

Na cabeça dos acadêmicos, a despeito de tantas evidências, a pergunta não emerge: acaso seria o PT, "o último refúgio dos canalhas"? 

Revisão: Junia Zaidan