Na esquerda subsiste uma dúvida: a burguesia esta ou não unificada diante da crise? A dúvida que assalta alguns camaradas com larga experiência tem - curiosamente - origem na aparente divisão da imprensa, pois enquanto a Globo joga duro pela destituição de Temer, a Folha - o jornal municipal paulista - apoiava a permanência do corrupto. É possível observar as oscilações das empresas jornalísticas com certa diversão sem perder o fio da meada. Não resta dúvida que, lentamente, a campanha jornalística está manufaturando o consenso sobre a necessária queda de Temer.
A coesão burguesa é de fácil identificação. Todas as frações do capital querem o fim da previdência social e das leis trabalhistas - aprofundamento da superexploração da força de trabalho - e o corte sistemático do investimento e gasto público. O desemprego bateu 18% na grande São Paulo na semana passada. Enorme. O pesado custo da crise recai sobre os trabalhadores, condenando-os ao abismo social. O superendividamento do estado - pilar da estabilidade monetária - segue sua marcha inabalável. No ano passado, o governo destinou 1 trilhão e 300 bilhões para juros (R$ 304 bilhões) e custo de amortização (1.044 trilhão) da dívida interna. Enfim, o automatismo da dívida e do rentismo superou a casa do trilhão anual!!!!
Na oposição Lula costura o acordo sob os escombros de Temer. Na ausência de debate e candidato realmente alternativo, seguirá crescendo na preferência eleitoral assegurando aos pobres a antiga esperança de incluí-los no orçamento e, aos capitalistas, a garantia que um eventual governo encabeçado por ele não reverteria as "reformas do capital". Lula não esconde o jogo. Neste contexto, a margem de Ciro Gomes diminui acentuadamente. No entanto, a antiga regulação keynesiana não tem a menor eficacia porque a indústria desaba e as altas finanças avançam sem obstáculos. Ninguém no jogo político dominante quer fazer a eutanásia do rentista recomendada por Keynes. A burguesia industrial brasileira nunca teve força para tal e agora abriga-se no rentismo para sobreviver sob a pressão das mercadorias produzidas na China, na Índia e nos Estados Unidos. Adeus à era industrial do ABC paulista.
A ação do procurador geral da República Rodrigo Janot contra Aécio e Temer representou uma pancada no juizeco Moro. Para este, os tucanos sempre foram corruptos de predileção. Agora, José Serra, quem mereceu olímpico desprezo nas investigações da Lava Jato a despeito de evidências abundantes de crimes, também será ferido de morte pelo procurador que deixa o cargo. Janot sai atirando no alvo. No STF Gilmar Mendes oferece cátedras sobre a farsa da independência dos poderes de Rousseau. O homem comum, orientado por sentido elementar de lógica formal, acusa a "incoerência" das sentenças dirigidas politicamente. Não existiu outra época em que o sistema político exibisse de maneira mais clara suas preferências de classe num momento aparentemente confuso. Enfim, tudo fica claro na confusão!
Neste contexto, a coesão burguesa segue firme mas carece de operador confiável e, sobretudo, estável. É neste terreno movediço que a imprensa oscila não porque expressa divisão de classe mas porque ainda não encontrou um operador com vestígio de solidez. Talvez a única saída seja mesmo aprovar as "diretas já", pois Rodrigo Maia poderá sentar num tribunal antes da tentar a cadeira presidencial. As ações da Lava Jato e especialmente a estocada de Rodrigo Janot indicaram que nenhum político será poupado. Em resposta, Jader Barbalho abandonou o silêncio e fez discurso eloquente no senado em defesa de Lula acusando a covardia entre os pares e exigindo solidariedade ao ex-presidente. O brado em "defesa do estado de direito" pretendia a unidade de "todos" e da "consciência cívica" contra os abusos dos tribunais. No essencial, bradou pelo instinto de sobrevivência, típico do político vulgar. Afinal, quem senão eles representaram a consciência burguesa nestas terras? No entanto, agora é preciso salvar a própria cabeça e escapar da prisão. A campanha jornalística (não há contradição nos termos!) não se importa em torrar de maneira definitiva uma geração de políticos corruptos, vulgares e disciplinados aos interesses de classe. Há, como demonstra Dória, uma fila enorme disposta a ocupar o espaço que apodrece sob seus pés. Na tentativa de operar uma "revolução dos gerentes" de triste memória na Europa, o playboy Dória se apresenta como o anti-político, o gerente. A possibilidade de exito é pra lá de duvidosa. No lado oposto, o petismo - Gleice Hoffman na presidência do PT e Lula em campanha - condenam a carta tucana de disseminação do "ódio" na política nacional. Segundo o petismo, o "ódio" destinado contra Dilma e Lula atinge também os tucanos: o pior dos mundos possíveis, alegam. É preciso encontrar uma saída comum já que todos estão implicados.
Portanto, a divisão da imprensa não expressa qualquer divisão classista. A burguesia permanece coesa e, no limite, mais do que em qualquer outra época recente. As classes dominantes se dividiram entre petistas e tucanos, mas o caráter específico da crise atual, inédita em muitos sentidos, impôs a unificação como único meio de sobrevivência de todas as frações do capital. Agora, o político vulgar esta dedicado a salvar o sistema político como único caminho para salvar a própria pele e, em consequência, atua por conta própria. Há evidente descompasso entre a necessidade de afirmar a moral burguesa superficial (Globo e Moro) orientada pelo "combate a corrupção" por uma lado e a imperiosa necessidade do político vulgar em "salvar o sistema político" como único meio de não terminar seus dias na cadeia, sem contas no exterior e patrimônio comprometido. Nenhum sistema se suicida, sabemos. Mas agora não é mais possível simplesmente acomodar as peças e simular uma limpeza. Na lógica imanente do sistema, Moro foi longe demais na caça a Lula. Janot feriu de morte o presidente nacional do PSDB. Não se atua assim, sem consequências. Nos bastidores todos tramam uma saída negociada para "estancar a sangria". A moralidade rasteira de um sistema sem corrupção nos marcos do capitalismo imaginado pelos moralistas de plantão e militância efêmera encontra obstáculos intransponíveis na vida real.
A tradição em nosso país ordena a conciliação. Tucanos e petistas, cada qual à sua maneira, já costuram o acordo possível para salvar o sistema petucano. Algumas cabeças vão rolar, sem dúvida. Para outros, talvez um tribunal de segunda instância devolva certa serenidade pessoal, ainda que jamais a vida política plena. A angustia de uns é a possibilidade inédita para outros. À esquerda, após a destituição de Dilma e a crise moral do petismo - no mínimo cúmplice de um sistema politico corrupto -, existe um imenso espaço para ser ocupado. É um espaço histórico inédito, raro em nossa História. Urge um programa e uma candidatura que expresse a gravidade do momento. No entanto, ainda estamos na janela vendo a banda passar. E, como sabemos, a banda passa.
Então, Nildo... E a tal revolução brasileira? Entendo que revoluções são impossíveis até o instante em que se impõem (lógica, empírica, causalmente). Compreendo isso. Mas... mas me segue o fantasma: até que o vôo da ave de Minerna se dê, nossas projeções causais e análises finalistas parecem cobertas por barro. A aposta racional converge com a reprodução do sistema. De resto é barro... Não sei se você sente isso.
ResponderExcluirCaro Lucas Amaro, a "tal Revolução Brasileira" esta em pleno curso. A coruja de Minerva, é verdade, levanta voo quando o a luz do dia eclipsa. No Brasil é especialmente evidente que o ritmo da política parece negar possibilidade revolucionárias. No entanto, a vida se move e nem tudo ocorre na lógica do sistema. A crise econômica e política abriu possibilidade inédita para a esquerda. Agora vamos ver do que somos - nós, da esquerda - feitos. Aposto que vamos acelerar o processo. Enfim, exceto acelerar o processo, não existe função para a esquerda brasileira. Vai meu abraço!
ResponderExcluirPerfeita análise de conjuntura.
ResponderExcluirMunidos dessa clareza, é colocar a Revolução Brasileira como horizonte de luta unificada e Nildo Ouriques presidente!
Gracias Priscila! Vamos juntos sempre!
ExcluirProfessor, deparei-me com um vídeo e um trabalho seu: respectivamente, "Como os Pensadores Burgueses Produzem o Colonialismo e Crítica à Razão Acadêmica. Considerei-os extraordinário s. O título de seu blog, O Real Não se Vê é intrigante. Não sei se é o real de Meyrson ou o real de Lacan. Parabéns !
ResponderExcluirMeyerson*
ResponderExcluirCaro Ricardo, nem Meyrson, nem Lacan: trata-se de uma sacada do cubano Jose Marti
ResponderExcluirObrigado ! Que sacada !
ResponderExcluir