"Você
hoje não é mais apenas um juiz, mas um grande líder brasileiro (ainda que isso
não tenha sido buscado). Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para
reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal.
Sei que vê isso como uma grande responsabilidade e fico contente porque todos
conhecemos sua competência, equilíbrio e dedicação".
Dalagnoll à Moro em 13 de março de 2016
"La
historia es siempre concienzuda y pasa por diversas fases antes de enterrar a
las formas muertas. La fase final de una forma de la historia del mundo es la
comedia"
Marx. En torno a
la crítica de la filosofía del derecho de Hegel, 1844
A decisão do ministro Dias Toffoli do STF, proferida em 06 de setembro, anulando
todas e quaisquer provas obtidas dos sistemas Drousys e My Web Day B utilizadas
a partir do acordo de leniência celebrado pela Odebrecht no âmbito da Lava
Jato, foi
recebida com júbilo pela ingenuidade e alienação lulista, igualmente dominante
no conjunto da esquerda liberal. A desinibida felicidade de
"militantes" é inocultável com o avanço do cerco sobre Sérgio Moro,
outrora xerife do bairro no comando da Lava Jato, verdadeiro herói das classes
médias endinheiradas e da astúcia burguesa versada na arte de iludir. Ademais,
como nada no mundo da política ocorre por acaso, poucos dias depois (15/9), a
Corregedoria Nacional de Justiça adicionou combustível ao entusiasmo geral ao publicar
a investigação (ainda parcial) destinada a avaliar a "imprudente"
administração de Sérgio Moro dos bilionários recursos obtidos em delações
ilegais e abuso de autoridade praticadas contra ladrões e corruptos de toda
espécie. A cascata de denúncias contra Moro avançou ainda mais quando (28/9) a
defesa de Tony Garcia - um capitalista réu confesso, chantageado
sistematicamente por Moro, solicitou ao mesmíssimo Dias Toffoli o
reconhecimento de parcialidade do xerife que usou todo tipo de chantagens para
mantê-lo como informante por longo período (2005-2018), segundo documentário
produzido pelo canal ultra-petista 247 há um mês. A propósito, nesse
documentário, é verdadeiramente revelador que o posto de ministro da Justiça
dos governos de Lula e Dilma estava vago pois não há notícia de ação
ministerial contra as tramoias e ilegalidades de Moro, Dallagnol e sua
turminha!
Com os
olhos fixos no presente, as decisões do ministro Toffoli não descuidaram do
futuro imediato e, em consequência, alcançaram também o destino da Lava Jato ao
anular a suspeição de Eduardo Appio. Muito provavelmente Toffoli pretende criar
as condições para a devolução ao açodado magistrado o comando da afamada
operação até agora sob o fugaz reinado da juíza Gabriela Hardt, a
queridinha de Moro e Dallagnol na 13ª. Vara Federal de Curitiba. Nem tudo são
flores, razão pela qual o Conselho Nacional de Justiça conduzirá análise do
processo disciplinar instaurado para julgar o comportamento de Appio no breve
período em que comandou a Lava Jato e contra o qual há acusações igualmente
graves para as quais não se deve esperar decisão salomônica.
O
entusiasmo da consciência ingênua, entretanto, não foi o suficiente para que o
lulista/petista entoasse o enfadonho bordão "a justiça voltou". A
alegria é indisfarçável, mas a situação não permite cinismo desmedido. Escolado
nos vaivéns da vida, até mesmo o mais ingênuo lulista desconfia que a política
se move tanto quanto as marés. No terreno especificamente jurídico, a
consciência ingênua da esquerda liberal - filha órfã da democracia burguesa em
grave crise - se apressou no elogio das decisões orientadas pelo
"garantismo" contra os medievais justiceiros como se tivéssemos
descoberto eficaz antídoto contra a "ameaça fascista". Eles de fato
acreditam que a defesa da legalidade não nos mata, mas, ao contrário, nos
salvará! Alegam, portanto, que tanto Moro quanto Dallagnol terão a garantia do
devido processo legal, que, como sabemos, negaram a Lula, aos petistas e a uma
corja de funcionários e políticos burgueses corruptos condenados pelo arbítrio
de Moro e seu bando.
Entretanto,
o pragmatismo da esquerda liberal insinua lições de realismo ao afirmar que não
temos tempo para pruridos e, a despeito de atropelos aqui e ali, o fundamental
é tirar Moro, Dallagnol e seu mais íntimos colaboradores da política agora. A
mesma "estratégia" vale pra o protofascista Bolsonaro, cada dia
aparentemente mais emparedado nos marcos da legalidade burguesa. Uma peça por
vez, declara a sabedoria lulista/petista contra todos aqueles que julgam o
excesso de prudência um risco, recado também dirigido aos críticos contumazes
como eu, sempre considerados eternos insatisfeitos.
No
limite - para o liberalismo de esquerda - a ordem jurídica é essencialmente boa
e uma garantia diante do pesadelo petista de 8 de janeiro, quando a mobilização
da direita gritava pela "intervenção militar" e a "resistência
civil". Nesse contexto, alegam que a defesa das instituições e da ordem
democrática é o mínimo que toda a esquerda deve fazer! A ambiguidade petista
não consegue ocultar sua extração bovarista, pois, ao mesmo tempo em que
declaram a iminência de um
golpe de Estado exibido na primeira semana do novo governo, (liderados pelos
militares), afirmam também que não existem condições internas e
internacionais para a intentona da direita! A ginástica ideológica
deixa o petismo numa situação tal qual Madame Bovary, que, num só momento
pretendia viajar a Paris e morrer. Mas morrer e viajar a Paris ao mesmo tempo é,
como sabemos, impossível!
Os
advogados alinhados com o petismo evitaram os arroubos militantes próprios do
bordão "o Brasil voltou" e, em consequência, deram um tom sóbrio à
análise das decisões dos eminentes ministros: segundo a versão interessada,
Toffoli decidiu, antes de mais nada, nos marcos da legalidade e apresentou
uma "peça jurídica" considerada um primor "técnico".
Ademais, inaugurando um novo tempo, registram que o juiz teria evitado a
espetacularização da sentença, um recurso usual no STF quando o país estava
tomado pelo "espírito maquiavélico da farsa lavajatista". Agora, ao
contrário daquele obscuro tempo, o ministro agiu com "seriedade, coragem e
didatismo". Uma beleza!
O
mundo dá voltas, transformando em mentira o que ontem era considerada a mais
pura expressão da verdade. No passado, Moro afirmava que "a Lava
Jato é a maior operação de combate à corrupção do mundo". Agora, o
ministro Toffoli - recolhendo lições de um jornalista do The New York Times -
escreve que a operação é, ao contrário, "o maior escândalo judicial da
Humanidade". O entusiasmo com a boa nova impediu a leitura cuidadosa da
sentença emitida pelo eminente juiz da Corte Suprema. Entretanto, vale dedicar
alguma atenção ao documento pois ali podemos ler uma verdadeira delação -
essa sim, voluntária! - de todo o sistema de justiça nacional.
Ora,
em 135 páginas Toffoli destila seu ácido contra o Ministério Público Federal, a
Procuradoria Geral da República e especialmente Janot, a Polícia Federal, a
impoluta Receita Federal, o outrora beatificado TRF-4, e contra a antiga
reserva moral da nação, a impoluta 13 Vara Criminal de Curitiba. Finalmente,
sobrou algo também para a imprensa, ainda que tratada genericamente como manda
a tradição da neutralidade. Numa nota de pé de página, o Departamento de
Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério de
Justiça teria pecado por "omissão". A lista das cumplicidades e
omissões é considerável a tal ponto que não seria exagero afirmar que o sistema
inteiro estava contaminado por grave doença. Por fim, a
indicação da absoluta falta de competência para a 13 Vara julgar em Curitiba as
acusações contra Lula (e não Brasília) também foi agora considerada como
ilegalidade flagrante quando, no auge da Lava Jato, foram simplesmente
ignoradas por juízes de "notório saber" orientados para preservar as
leis com zelo e rigor!
De
minha parte, não recordo sentença semelhante na qual um juiz da Corte Suprema
faça juízo tão ácido contra as instituições burguesas. Mas esse
"aspecto" não chamou atenção dos lulistas e todos os dedicados e
atentos lutadores contra o "neofascismo". Ao contrário, a julgar pelo
comportamento político e sobretudo pela ausência de ações, tudo indica que
antes de seguir a marcha da podridão, as instituições estariam, na verdade,
renascendo após a vitória de Lula/Alckmin. Não obstante, as instituições se
encontram todas aí e sequer há notícia de algum projeto de reforma do sistema
judicial nacional.
Pois
bem, em longa sentença, Toffoli declarou a nulidade absoluta dos
acordos de leniência produzidos pela Lava Jato. Ademais, afirma que Moro não
cumpriu "determinações claras e diretas emanadas da mais alta Corte de
Justiça do País", fato que deve agravar a crítica situação do senador
ainda no exercício do mandato. Não deveriam existir dúvidas de que a nulidade
absoluta dos acordos de leniência abre possibilidades extraordinárias para
empresas reclamarem prejuízos reais e imaginários ao Estado. Esse é um capítulo
que apenas começa e não constitui surpresa se notórios corruptos receberem no
futuro breve, suculentas indenizações pelos prejuízos que a "violação do
devido processo legal" causou às empresas responsáveis pela "geração
de empregos e renda ao povo" tal como reza o jargão lulista. No embalo,
tampouco duvido que escritórios de advocacia cobrarão cifras milionárias não
contabilizadas no cálculo do déficit público porque estarão dirigidas à
restauração do Estado Democrático de Direito. É atual a severa crítica do audaz
e honrado Mandeville!
Ao ler
o documento, há algo que deveria chamar a atenção de qualquer analista ou
militante com duas moléculas de memória histórica, afinal, todas as
ilegalidades agora reconhecidas como tais sempre estiveram na cena pública nas
páginas da imprensa ou mesmo na defesa das suposta vítimas. Por que, afinal,
somente agora um ministro que também cometeu atrocidades em sua atuação no STF acordou?
Toffoli afirma que em não poucos casos ocorreu "ostensivo
descumprimento de determinações claras e diretas emanadas da mais alta Corte de
Justiça do País"; declara também que o "reclamante" (Lula)
alertou o Juízo de Curitiba em cinco oportunidades de negativas da Vara de
Curitiba a seguir as determinações do STF, como se estivéssemos diante de um
segredo de Estado! Ocorre que as denúncias de Zanin atuando na defesa de Lula
sobre as sucessivas negativas do bando de Curitiba em permitir acesso às
delações eram públicas, muitas vezes registradas em grandes jornais e TVs!!
Eis o
cerne da questão: os crimes cometidos
pelos procuradores e juízes de Curitiba que levaram Toffoli a denunciar as
atrocidades político-jurídicas praticadas por Dallagnol e Moro não constituem
novidade alguma, mesmo antes da publicação de documentos e provas de
conspirações expostas na Operação Spoofing na qual um suposto
hacker acessou e divulgou as falcatruas, ilegalidades e atrocidades do
ex-xerife do bairro atualmente senador da república! Não há nada
absolutamente novo no cenário e qualquer um pode rastrear na imprensa as denúncias
repetidas sobre cada ponto agora presentes na sentença. O mesmíssimo Toffoli
afirma (p. 21) que a Lava Jato negou aos defensores de Lula nos últimos três
anos acesso aos "elementos de prova" a despeito das determinações
expressas do Colegiado e do próprio relator (Toffoli) para que seu cliente tivesse
acesso aos segredos de Moro e Dallagnol. Por que, afinal, somente agora o
ministro emite tão grave sentença?
Nem
tudo mudou, mas o país respira novos ares, afirma a consciência ingênua. A
"derrota eleitoral do fascismo" nas eleições levou Lula à presidência
e, portanto, há um novo governo; ademais, a ofensiva dos "golpistas"
contra a sede dos três poderes que arrancou autênticas lágrimas de Rosa Weber
diante da destruição do STF, permitiu a contraofensiva do tribunal embora de
curso e destino, ainda incertos. De resto, no turbilhão da crise, o
protagonismo de Alexandre de Moraes ganhou força e justificativa após a
aparentemente desastrosa ofensiva contra os três poderes ocorrida no segundo
domingo de 2023. Há quem afirme com profunda convicção nossa dívida com o
Judiciário pois ao final das contas, o egrégio tribunal salvou nossa sempre
frágil democracia! De resto, acreditam, uma vez mais a vida ensina que a
despeito de suas enormes insuficiências, a democracia não é assim um adversário
tão simples de bater e nem tão fácil de desprezar.
Entretanto,
a delação de Dias Toffoli não despertou o instinto reformista aparentemente
necessário para religar a fé do povo nas instituições apodrecidas da república
burguesa. Ao contrário, ao embalo do alienante bordão "O Brasil
voltou", a antiga legalidade se apresenta não como aquela velha senhora
repleta de vícios para a qual amor é impossível, mas, ao contrário, emerge com
a força virtuosa de uma paixão que após breve separação regressou simulando
saudades e virtudes que merecem um jantar à luz de velas em nova e certamente
breve reconciliação. Nesse caso, o caráter fantasmagórico do fascismo cumpre a
função de anistiar todos os crimes da democracia restringida que se abatem
implacavelmente sobre os trabalhadores e garantem super lucros e vida mansa às
distintas frações burguesas. Nunca
foi tão inequívoca a existência da extração liberal da esquerda, que recusa com
radicalismo qualquer vocação de ruptura com o sistema apodrecido! [JZ1] É uma esquerda da ordem, ainda que sôe
raro. A razão da burguesia nas condições do capitalismo dependente rentístico é
sua razão e, posto que a burguesia não é reformista, a esquerda liberal
tampouco, especialmente na periferia capitalista onde com a intervenção
decisiva das forças armadas pode, em última instância, colocar tudo nos eixos.
A
fonte da crise atual consiste precisamente no fato de que a esquerda
liberal não constitui força mobilizadora em favor de reformas no interior do
sistema. Ao contrário, na ausência de um programa reformista, o governo
conservador Lula/Alckmin orienta-se pela "agenda" necessária às
frações do capital dirigidas a aumentar seu poder sobre o Estado e realizar
mudanças que favorecem não somente a superexploração da força do trabalho mas o
desmonte final das "conquistas constitucionais de 1988". Nesse
contexto, pouco importa se a demolição de direitos sociais da Constituição de
1988 se realiza em acordo ou de maneira conflituosa com o covil de ladrões
dirigido por Lira e Pacheco ou se, voluntariamente, é praticada por meio de
medidas do Ministério da Fazenda. A verdade é que mesmo os chamados mínimos
constitucionais da saúde e da educação serão revisados a pedido do governo,
assim como a privatização dos presídios já começou com estímulo oficial (BNDES),
a liberação de 103 agrotóxicos represados no governo de Bolsonaro, a ausência
de iniciativa para recuperar a Petrobrás e a Eletrobrás, e todas as promessas
da campanha eleitoral sobre a revisão da legislação trabalhista sequer são
lembradas num país onde 93% dos trabalhadores recebem até 2,5 salários mínimos
e 40% sequer possui carteira assinada.
A
direita, ao contrário, na completa ausência de um programa reformista por parte
da esquerda liberal, mantém o firme comando da luta ideológica, das iniciativas
políticas e parlamentares e do assalto ao Estado com medidas de política
econômica destinadas a fortalecer os interesses da coesão burguesa em nome do
"emprego e da renda". Portanto, o programa da direita é
implementado pelo governo da esquerda liberal responsável em última
instância pela permanência de milhões de trabalhadores no abismo social próprio
de um país subdesenvolvido e dependente. Entretanto, se a política econômica do
governo da esquerda liberal aprofunda a miséria e a exploração sobre a maioria
da classe trabalhadora, nas condições atuais a política social nem sequer pode
mitigar o sofrimento, a violência e a miséria como pretendeu durante os 14 anos
de seus governos anteriores. A antiga filantropia católica atualizada na
cansativa e impotente afirmação de Lula pela "inclusão do pobre no
orçamento" (não é digno comentar a emenda ao soneto de "meter o rico
no imposto de renda") não possui aderência para manter o governo estável e
menos ainda para garantir estabilidade ao sistema político. Nas condições
atuais da crise capitalista em escala global e sua intensa repercussão na
periferia capitalista, o Brasil sofrerá mais do que qualquer outro país
latino-americano as consequências políticas e sociais acumuladas pela acelerada
transição de sua fase industrial para a rentista. O antigo desenvolvimentismo
emerge com força na cabeça dos otimistas mas é incapaz de realizar qualquer
arremedo de política industrial necessária para competir com os preços de
produção asiáticos. Em consequência, resta o patético apelo à "economia
verde" e às "janelas de oportunidades" abertas pela demanda de
energia (hidrogênio verde) cuja consequência é sacramentar a posição do país na
divisão internacional do trabalho de maneira mais perversa, que faria corar um
desenvolvimentista dos anos 60 e 70.
A impotência
política do governo petucano e de Lula - principal personagem da esquerda
liberal - expressa no genérico "combate ao fascismo" não poderia ser
mais eloquente. O desarme político-ideológico é tal que podemos ouvir ministros
e "pensadores" da esquerda liberal afirmarem sem pejo que, nas
circunstâncias atuais, o "judiciário salvou a democracia"! Ora, a renúncia
sistemática dos poderes inerentes ao regime presidencial caracteriza Lula e o
petismo desde sempre; portanto, a convocatória ao povo como único meio de
pressão contras as classes dominantes e as eternas lutas entre as distintas
frações do capital está descartada! Lula não cansa de afirmar que a "mão
rebelde do trabalho" é carta fora do baralho! Em consequência, o
cretinismo parlamentar se pavoneia como se fosse, de fato, a razão da política
de "resistência" sem a qual estaríamos ainda mais desprotegidos
diante da ofensiva real e fantasmagórica da ultra direita. De resto, a
"ação política" do governo e seus partidos não acumula forças e tampouco
dirige esforços para mobilizar uma força capaz de enfrentar nas ruas eventual
ofensiva da direita. Ao contrário, Lula/Alckmin não fazem menos do que avançar
à direita - na composição e nas medidas governamentais - na vã tentativa de
subtrair bases sociais do conservadorismo e da direita! É o perfeito caminho do
desastre!
A
recente sentença de Dias Toffoli anulou os acordos de leniência validados pelo
sistema jurídico dominante e, antes de tentativa do ministro em justificar seus
próprios pecados na trama dirigida por Moro, a decisão constitui verdadeira
delação contra todo o sistema de justiça da república burguesa! Afinal,
fica difícil explicar como tantas ilegalidades foram praticadas durante tanto
tempo por Moro, como se o país, finalmente, estivesse resgatando a moral e as
virtudes republicanas por órgãos de Estado sob controle de uma figura agora
considerada não somente patética mas também nefasta! Não é ocioso recordar que
todas as ações de Moro, Dallagnol e seu bando foram consideradas por muita
gente dentro e fora dos tribunais - sem falar também nas denúncias que de
alguma maneira apareciam na imprensa burguesa - como flagrantes violações do
"Estado Democrático de Direito". Entretanto, a despeito de notórias
evidências e não poucos alertas, o próprio STF consolidou maioria para
permitir, senão favorecer, o comando de Moro em favor da moralidade burguesa!
A
história da república ensina que também os tribunais burgueses se movem segundo
o balanço da luta de classes. Os liberais de esquerda com alguma autenticidade
estão agora hegemonicamente dominados por carreiristas de toda espécie,
prisioneiros de parlamentares degradados dispostos a trocar qualquer antiga
convicção pela autorreprodução parlamentar, responsáveis por transformar o outrora
combativo movimento social em meros comitês eleitorais com resultados pífios e,
diante do abismo cavado por seus próprios pés, não pode constituir surpresa
alguma o fato de apostar suas fichas na "firme atuação" do Judiciário
contra a ofensiva burguesa. A "luta
contra o fascismo" e a "defesa da democracia" abriga, portanto,
os interesses de todo tipo de canalhas, ladrões, carreiristas, oportunistas,
que, ao primeiro sinal da mudança dos ventos, rapidamente adaptarão o
comportamento para buscar sua readmissão na sociedade respeitável.
A
reforma da ordem burguesa não figura nos planos da esquerda liberal. Portanto,
recusam ingenuamente a luta de classes como se pudessem arrefecer os efeitos da
ofensiva da direita e, cinicamente, recusam a dialética da luta dentro e contra
a ordem apostando no bordão popular segundo o qual "quando um não quer,
dois não brigam". Objetivamente, não arrisco dizer em qual medida é uma
mistura de oportunismo e suicídio. No limite, a esquerda liberal espera tão
somente que seu governo ajude no esforço de restauração da democracia ameaçada
pela ofensiva burguesa encabeçada pela ultra direita vitoriosa na disputa
presidencial de 2018. A despeito de suas
esperanças, a crise segue curso normal e se manifesta no conflito entre os
poderes republicanos como expressão concreta da luta entre as frações burguesas
unificadas no reconhecimento de que em larga medida a Constituição abriga
direitos que "não cabem no orçamento". Ora, enquanto o presidente
com voz cada vez mais rouca balbucia colocar o pobre no orçamento como mera
propaganda – e nada faz para colocar os bilionários no imposto de renda! – a burguesia declara a obsolescência de toda
política social. Definitivamente, agora, nem mesmo migalhas ao povo. O imenso
deserto construído a partir da renúncia do socialismo e da revolução social
será o destino dos liberais de esquerda.
A
restauração da velha ordem é impossível mas seguirá sendo a ladainha do
liberalismo de esquerda dirigido por Lula, Alckmin e seu governo conservador.
Toffoli delatou sem pretensão a podridão das instituições burguesas na vã tentativa de limpar as impressões
digitais dele e da maioria de seus colegas de corte na farsa lavajatista.
Nas circunstâncias brasileiras, a
harmonia entre os três poderes é ideologia sem qualquer sustento para além das
aparências e, mesmo quando "unidos e harmônicos", estão orientados
pela economia política do rentismo que tem na superexploração do povo seu
fundamento comum. Mais do que em qualquer outro momento de nossa história
recente, aqueles que pretendem efetivamente construir uma "alternativa
civilizada" devem compreender que deverão assumir com radicalidade nossos
adversários tanto à direita quanto à esquerda do liberalismo.
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