Américo Ishida pertenceu a geração dos anos 80 forjada no combate à ditadura e igualmente hostil a transição lenta, gradual e segura do regime militar ao liberal burguês. Perdeu a batalha, mas o combate não foi em vão. Uma andorinha não faz verão: Américo participava do nutrido grupo de trotskistas especialmente forte na Arquitetura num tempo no qual o academicismo agora dominante não tinha vez, pois na intensa batalha das ideias o título de doutor não conta. Fletes, o atual moderadíssimo presidente da APUFSC, turbinava o PC do B. Marcos Cardoso e outros exibiam certa força do PCB. O primo pobre ideologicamente sempre foram os professores militantes ou alinhados com o petismo numa época em que a filiação partidária não rendia cargos ou financiamentos para elaboração de “políticas públicas” e, portanto, ainda continha duas moléculas reais de compromisso com o povo.
Foto: Coletivo SOMA do CAU |
Naquele tempo existia um embrião de “comunidade universitária”, agora reduzido a um bordão destinado a mendigar orçamento em Brasília de duvidosa eficácia. Em consequência, a proximidade entre profes e estudantes era de tal ordem que o almoço (no RU) não estava separado pela conta bancária. Fala mansa, Américo tinha convicções embora seus argumentos eram não raras vezes perguntas; mas não se engane, o japa não cultivava dúvidas como se fossem virtudes. Ao contrário, suas perguntas estavam sempre carregadas de intenção! Na conversa sempre reservou doses comedidas de bom humor temperadas com fina ironia. Ao longo do tempo se manteve íntegro e creio que na exata medida em que a esquerda se fez liberal – com a completa integração do PT a ordem burguesa – Américo se entregou cada vez mais a reflexão sobre a estética marcando certa distância da disputa partidária notoriamente empobrecida. Também estava sempre preocupado e refletindo sobre a questão pedagógica, nas condições atuais um artigo de luxo na universidade brasileira.
Com Lino Peres, elaborou um lindo projeto para a sede definitiva do IELA que haveremos de realizar. Muitas horas de debates e reflexão sobre o projeto, a América Latina, a luta de classes, a política, a arquitetura, a cultura, etc... Há tempos não sabia dele pois com a letargia da vida sindical somado ao academicismo alienante e de pequenos grupos, o encontro entre professores tornou-se raro e rarefeito. Entretanto, ainda mais raro é o encontro entre profes, técnicos e estudantes unidos numa luta comum; o identitarismo nos divide completamente. O último espasmo coletivo foi o rechaço ao “Future-se”, um adversário tão fácil de bater quanto fugaz para fomentar a unidade política. Talvez por isso não recordo a presença de Américo naquela batalha embora não tenha dúvidas sobre seu compromisso. Tampouco lembro se estava nas marchas até o centro da cidade e nas assembleias de estudantes, mas tenho certeza da natureza de nosso desencontro: o tempo do Américo já tinha passado. Era o tempo da luta contra a ordem, da batalha das ideias que moveu varias gerações na UFSC e em outras universidades, quando a maioria não estava limitada tão somente à administração “democrática” da ordem burguesa com todas as misérias possíveis e imaginárias. Aos 75 anos Américo nos deixa. É uma morte precoce, sem dúvida. Mas o exemplo de seu combate e mesmo as tarefas inconclusas, atualizam a verdade e a necessidade de novo esforço. O tempo do Américo passou? Bueno, o tempo do Américo voltará. Creio, saberemos honrar seu nome.
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