A decisão do ministro Gilmar Mendes proferida em 29 de outubro passado anulou os processos contra José Dirceu, condenou uma vez mais a indiscutível parcialidade da Lava Jato e abriu inesperadamente uma disputa no interior do Partido dos Trabalhadores. O governo é de centro direita tal como o próprio Zé Dirceu afirmou há poucos meses (agora, tão disciplinado quanto cauteloso, afirma que é de centro-esquerda com base parlamentar de centro-direita!). Zé Dirceu é esperto na formulação e na arte de iludir o petismo e o progressismo em geral pois sabe a partitura que essas filas gostam!
É claro que a decisão do ministro Gilmar Mendes não era uma novidade para os mais atentos e menos ainda para o ex-ministro da casa civil do primeiro governo de Lula. Hábil nos bastidores, Zé Dirceu sabe que Gilmar Mendes é mais do que um aliado na defesa da "ordem democrática". Não é preciso nem mesmo um simples jantar entre os dois personagens para selar uma aliança estratégica contra a "ameaça da direita e o golpismo". Pois bem, a absolvição definitiva de Zé Dirceu permitiu que o ex-presidente do PT por 4 vezes atuasse agora com a desenvoltura que as circunstâncias exigem pois o governo não somente é "confuso" mas repleto de ministros incompetentes e oportunistas, incapazes, portanto, de dar um rumo mais ou menos ordenado para enfrentar as eleições presidenciais de 2026. Zé Dirceu apesar de octogenário voltou na plenitude e, tudo indica, será mesmo candidato a deputado federal por São Paulo ao covil de ladrões nas próximas eleições.
O DNA do petismo foi modulado por Zé Dirceu sempre em comum acordo com Lula. Ele se mantém invariavelmente fiel ao governo mas sabe operar a máquina partidária, fazer alianças dentro e fora de sua base e, ademais é, talvez, o único capaz de revitalizar o modo petista das antigas ilusões que colocaram a esquerda liberal impotente e cativa da classe dominante. Em consequência, ensaia uma rebeldia nos marcos da ordem burguesa e do compromisso inquebrantável de Lula com a burguesia e Washington. A operação elementar é mais do que evidente: Zé Dirceu candidato a deputado federal já vocaliza o desespero, a angustia e, ao mesmo tempo, a contra-ofensiva da esquerda petista residual e de sua ampla base eleitoral na disputa interna do congresso do PT no próximo ano como representante da ala esquerda. O movimento permitido pela decisão do STF contra o lavajatismo, a experiência do governo protofascista de Bolsonaro e o aprofundamento da dependencia, autoriza e exige a presença de uma esquerda parlamentar capaz de flertar com a mudança da política economica mas impotente para corrigir o rumo inexorável do rentismo sob a batuta de Lula e Haddad. A tensão calibrada no interior do partido e do governo é, portanto, necessária para mantera a arte de iludir e, ao mesmo tempo, bloquear a crítica pela esquerda.
Nas circunstâncias atuais ele não faltará em hipótese alguma com o apoio incondicional ao governo mas já pratica uma disputa ideológica de baixa intensidade orientada a "abrir o debate" sobre questões cruciais que o petismo é medularmente incapaz tal é seu grau de deterioração ética e programática. Assim, com a autoridade que todo cristão novo não pode exibir, Zé Dirceu - escolado nas disputas internas -, pretende matar dois coelhos com uma cajadada: fortalece a base social (eleitoral também) do governo, tenta inibir a crítica de esquerda em potencial ruptura com o petucanismo e, de quebra, captura para seu discurso a chamada "midia progressita" que recentemente descobriu ou se opõe (pasmem!) ao caráter "neoliberal" do governo. Entre a negação da verdade cotidiana e a necessidade de apoio financeiro para manter seu sustento econômico, a chamada "midia progressista" terá agora em Zé Dirceu seu principal porta voz e ganhará certa margem de manobra tão necessária para manter tanto a audiência molelucar quanto o apoio a Lula em 2026. Assim, os poucos "rebeldes" existentes no interior do PT e todos os puxadinhos fora dele (PSOL, Rede, MST, etc) terão um adversário mais potente que Pimenta, Rui Costa, Gleisi, Lindenberg, entre outros.
Em recente entrevista ao Opera Mundi ele recusou a presidência do PT, enventuais cargos no governo e inclusive fez campanha para deputado federal afirmando que talvez não necessite de um mandato parlamentar para contribuir com o futuro do Brasil! Afirma que pode fazer mais na condição de "militante de base" escrevendo artigos e proliferando ideias... Pode? Ora, ninguém mais do que Zé Dirceu defende a concepção parlamentar de política e, em consequencia, sabe a importância de sua presença no covil de ladrões tanto para pressionar internamente quanto para atenuar a oposição aberta ao governo. Lula detesta o presidencialismo porque, entre outras razões, não está a altura dos desafios que o país enfrenta e, por isso mesmo, negocia com Lira e Pacheco em total harmonia deixando o conflito para Flávio Dino e a comoda tarefa de calibrar a força da corrupção parlamentar em favor do governo. Nesse contexto, Zé Dirceu ganha enorme margem de manobra simulando um "projeto para o Brasil" somente possivel - segundo sua concepção - no longo prazo... Nesse enredo, a conclusão mais do que óbvia indica que não há mais remédio senão entender a correlação de forças sempre adversa e "pensar" uma "estratégia" de longo prazo num interminável "acumulo de forças"... Na formulação mais explicita ele segue falando em "revolução" mas seu "programa" não passa de um esboço genérico de medidas nos marcos da ordem burguesa (reforma tributária, reforma política, diminuição radical dos juros, ataque retórico ao rentismo, disputa ideológica, entre outras quinquilharias) incapazes de tocar no nervo da imensa crise que se aprofunda diante de nossos olhos.
Zé Dirceu voltou e exibe a antiga capacidade de iludir. Entretanto, o seu partido já não possui os recursos e a antiga legitimidade anterior ao primeiro mandato de Lula. Agora, ao contrário, carrega um enorme passivo e também desprezo em amplos setores sociais além, é claro, da dúvida, companheira incômoda até mesmo para os mais devotos de seus eleitores. Nas atuais circunstâncias, o antigo militante foi superado pelo funcionário do partido (mandatos, prefeitos, governadores, etc) ávido por abrigo inclusive em governos "aliados" espalhados pelo Brasil. Não há convicção, mas cálculo eleitoral e carreirismo sem inibição. De resto, a lógica de situações extremas - algo muito mais relevante que a polarização ou politização da sociedade civil - exige soluções mais ou menos radicais que o governo não pode sequer imaginar e muito menos simular. A arte de iludir tem sempre limites mas agora eles são intransponíveis.
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