sexta-feira, 18 de abril de 2014

Apesar de Veríssimo

Não poucas vezes comprei a edição dominical de algum jornal somente para ler Luiz Fernando Veríssimo. Tenho, de fato, simpatia pelo escritor gaúcho e apreço por sua crônica sempre bem-humorada, uma de suas qualidades literárias. Ele parece um sujeito sereno - inclusive quando torce pelo Internacional -, razão pela qual é bem provável que até mesmo gremistas o reverenciem, ainda que de maneira discreta como recomenda a rivalidade no Rio Grande amado. É possível que sua simpatia não tenha produzido um único e indispensável inimigo até hoje. Ele, tal como Leandro Konder, é um homem sem inimigos.

Mas ontem, num canal de TV, falando para milhões, ele comentou a morte de Gabirel García Márquez nestes termos:

"apesar de ser latino-americano e escrever muito sobre nossa realidade meio fantástica mesmo, né, ele foi um autor internacional, universal, lido e compreendido em qualquer lugar do mundo"

Doze contos peregrinos
Eu tomava minha primeira cerveja e não podia crer no que acabava de ouvir. Atribuí meu espanto ao ruído do bar e já em casa fui ver novamente a declaração na internet. Tudo se confirmou. Não havia qualquer efeito de álcool na minha compreensão: "apesar de latino-americano....". Novamente vi e ouvi Veríssimo dizer, "apesar de latino-americano..." Apesar? Ora, Gabo foi enorme precisamente porque era latino-americano e escrevia sobre nossa realidade. As editoras, o especialista universitário, o presidente dos Estados Unidos e todos os demais que o consideraram grande escritor, leram Gabo porque precisamente ele escrevia sobre nossa realidade e era um latino-americano. Enfim, na cabeça do jornalista colonizado Gabo transformou-se num autor "universal" ou "internacional" apesar de ser latino-americano. No entanto, estou seguro de que Gabo jamais se sentiu um universal, porque não era um bocó ou esnobe. A literatura e o jornalismo que praticou buscavam antes de mais nada afirmar ou definir nossa identidade latino-amerciana comum e a caribenha em especial.

Não é necessário mais do que ler "Boa viagem, Senhor Presidente", publicado em "Doze contos peregrinos" para confirmar esta incessante busca. A respeito, recordo o orgulho com que o leu num seminário na UNAM, antes mesmo de disponibilizá-lo aos seus fiéis leitores. Eu o escutei como quem escuta um testamento. Tomei aquele conto como "sintese" de sua missão literária. Gabriel Garcia Márquez foi, entre nossos grandes escritores, aquele que, por razão desconhecida, mais li. Contudo, não sou senão um curioso na literatura e não estou proferindo sentença alguma sobre Veríssimo. No próximo domingo, é claro, vou buscar na banca mais próxima a crônica do gaúcho.

2 comentários:

  1. Caro Nildo.
    Prefiro fazer uma leitura elogiosa do "apesar de ser latino-americano", como um gol comemorado contra a menos-valia intelectual com que os europeus nos tratam.
    Abs
    Gilson Sampaio

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    1. Caro Gilson, também sou generoso com Veríssimo, mas o que ele disse não admite interpretação distinta. Enfim, também ele pode expressar certa dose de eurocentrismo. Abraços.

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