segunda-feira, 27 de julho de 2015

A unidade sindical e a greve nacional dos professores universitários

No último informativo do ANDESUFSC consta que 35 universidades federais entraram em greve. A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) figura entre elas. No entanto, basta caminhar no campus da Trindade para observar que gozamos de sonolenta normalidade. 

Na última semana de junho presenciei no auditório da reitoria a assembléia de greve do ANDESUFSC. Não exagero em afirmar que o número de presentes era inferior a 50 pessoas.  Assinei a lista de presença, escutei os informes, a avaliação do Comando Local de Greve e as orientações para a semana. Deixei o local com imensa preocupação. No dia 17 de julho, assisti pela internet a AG da APUFSC que tampouco logrou quórum. No auditório do CCE, 86 professores exibiam o desinteresse da categoria por uma greve num momento particularmente difícil da vida universitária.

Neste momento, a exemplo de centenas de professores, não sou filiado a sindicato algum. A razão é simples: a APUFSC sofreu tal regressão política nos últimos anos e foi tamanha a manipulação em suas assembleias, que simplesmente não vi mais sentido em pagar a mensalidade. Abandonei o sindicato em 2012. Ademais, mesmo para àqueles que não possuem filiação, a lei assegura a participação com voz e voto nas assembleias de greve. Nunca estive confortável nesta posição e, tampouco, solitário; observo que grande parte dos professores “novos” da universidade não destina atenção ao sindicalismo universitário. É possível constatar ainda entre os professores mais experientes, o inocultável desinteresse pelo sindicato. Na APUFSC, até a eleição da última diretoria, o cenário era mesmo devastador. Poderá mudar? Aposto que sim.

O ANDESUFSC, a despeito das limitações legais, existe e atua entre nós. No entanto, desde que surgiu em 5 de novembro de 2009 por iniciativa de setenta e três (73) professores, pratica sindicalismo de baixo perfil, sem atividade permanente e, no limite, não conseguiu estabelecer práxis política distinta daquela oferecida pelo sindicato autorizado pelos tribunais (APUFSC). Mantém saudável autonomia em relação ao Estado, mas também enorme distância da maioria dos professores. É suficiente? Não, não é suficiente.

É muito difícil nossa situação. Na UFSC temos dois sindicatos e a greve nacional de nossa categoria não existe para a imensa maioria dos professores!

No entanto, num contexto de profunda desmobilização, o ANDESUFSC decidiu em Assembleia realizada no dia 22 de junho inicia-la. Naquele dia, menos de 80 professores declaram adesão a grave nacional e julgam representar a categoria no Comando Nacional de Greve do ANDES/SN. É um número muito pequeno para decidir a sorte de uma categoria inteira (superior a 2.400 professores, incluindo substitutos). O impacto daquela decisão é igualmente reduzido. Por outro lado, a nova diretoria da APUFSC é herdeira de uma política que fracassou rotundamente e carrega o enorme desafio de recompor os laços de solidariedade e articulação política da categoria. Este sindicato reúne a maioria dos professores, mas tem contra si os frutos de uma orientação que semeou no passado: enorme paralisia e desinteresse pelos assuntos públicos e sindicais; ademais, antes que renovar o movimento sindical, aquela orientação contribuiu, na prática, para aumentar a divisão nacional do movimento docente.

As razoes de nossa divisão

Em setembro de 2009 a APUFSC convocou um plebiscito para definir nossa relação com o ANDES/SN. O resultado de 614 contra 403 decidiu a disputa pela desfiliação, com 23 votos para brancos e nulos.  É preciso recordar, especialmente para a grande quantidade de professores que entraram recentemente na UFSC, que os erros de condução de antigas diretorias decidiram a sorte da consulta. Formou-se uma maioria que – como toda maioria – era eventual. Os vencedores consideram a vitória como expressão de uma lei de bronze: julgavam que a ruptura com o sindicato nacional criara uma “nova APUFSC”, isenta dos vícios que a maioria dos sindicatos possuem. Para piorar ainda mais o cenário, os professores que votaram pela manutenção do vinculo nacional, após a derrota decidiram abandonar a APUFSC. Erro grave e duplo. É elementar reconhecer que quando disputamos uma decisão estamos obrigados a aceitar seus resultados. Ademais, a criação de outro sindicato não alterou a vida do sindicalismo em nossa universidade e tampouco fortaleceu a estrutura nacional como a atual greve demonstra.

Em 2009, muita gente boa considerava a desconexão um ato de lucidez elementar. Hoje, somente a cegueira não reconhece que aquele movimento de “renovação” resultou em profundo desinteresse pelo sindicato, isolamento nacional e incapacidade de convocar os novos professores para o debate público acerca da função da universidade num país subdesenvolvido e na defesa de nossos salários e carreira. Na mesma medida, a criação do ANDESUFSC, a despeito do propósito de manter a independência de nosso sindicato e não privar a UFSC de representação nacional, não logrou êxito. Hoje, seu número de filiados não ultrapassa 250 professores e sequer conta com todos seus membros na greve que pretende iniciar.

A divisão sindical produzida aqui na UFSC é um erro que precisa ser corrigido com rapidez.

Quais fatores permitiram a separação da APUFSC do ANDES/SN?

Dois fatores impulsionaram a divisão que agora precisamos superar. O primeiro foi, sem dúvida alguma, a mudança da política educacional do governo em relação à universidade. Durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso (ministro Paulo Renato) o governo atuou para desestruturar a carreira, privatizar as IFES via restrição orçamentária e avançou lenta, mas decididamente, na mercantilização das universidades públicas. Nosso sindicato nacional resistiu bravamente e contou com enorme apoio dos professores contra esta política. Ninguém poderá esquecer que, naquele contexto, até a greve de fome em Brasília foi realizada e resistimos inclusive o corte de salário realizado pelo MEC. A eleição de Lula reascendeu as esperanças de que ocorreria uma virada na política educacional do governo, mas a orientação da política econômica que marcou os três anos de seu primeiro mandato, indicou que o vale de lágrimas se manteria. Era fácil constatar que a austeridade do período FHC/Malam não somente foi mantido com Lula/Palocci, mas, inclusive, intensificado (para os que não possuem memória, é preciso recordar que Joaquim Levy ocupou, no primeiro governo Lula, um posto estratégico para a política fiscal “austera” de então: foi secretario do Tesouro Nacional).

Ainda assim, quando mais precisávamos de força e unidade, ocorreu a primeira divisão no movimento docente: estimulados por sindicalistas ligados ao governo Lula, uma pequena parte dos professores fundou o PROIFES (15/09/2004), um sindicato criado para dividir e debilitar nossa capacidade de pressão nacionalmente articulada e com importante experiência de resistência. Apesar do intenso apoio governamental, o PROIFES nunca federou mais do que 8 associações de docentes no país. No entanto, em todas as greves tratou de sabotar a força do sindicato nacional e atuou sempre como um braço oficial junto ao movimento docente.

Assim, na mesma medida em que apoiava o PROIFES, o governo Lula pretendia o isolamento social do ANDES/SN. É por isso que mesmo naquelas greves nacionais iniciadas pelo ANDES, o acordo foi somente assinado pelo PROIFES. Ainda assim, até mesmo os ingênuos sabiam que as pequenas conquistas somente eram possíveis porque o ANDES mobilizou, pressionou, resistiu e levou a negociação com a firmeza necessária. Ao contrário do que afirmam seus adversários, a recusa do ANDES em assinar o acordo final sempre ocorreu porque o governo encerrava abruptamente a mesa de negociação e determinava ao MEC o pagamento da proposta acordada com o PROIFES.

O PROIFES é, no jargão popular, um sindicato pelego. Na prática, é um sindicato débil cuja “força” reside na exata medida que pode debilitar nossa histórica capacidade de organização nacional. É, na prática, um braço sindical do governo que elimina um valor precioso: a autonomia do sindicato em relação ao Estado e aos governos.

Contudo, a partir de 2006, as condições econômicas permitiram ligeira mudança na política educacional do governo Lula. O ministro Palocci e o secretario do tesouro, Joaquim Levy, foram substituídos. A guerra do estado contra a educação publica cessou e o governo iniciou a expansão degenerativa do sistema público nacional, cuja expressão máxima é o REUNI, criado em abril de 2007.  No âmbito deste programa, surgiram novas IFES, novos cursos, ampliação de vagas, etc., mas as antigas carências sistêmicas se mantinham, pois o financiamento era obviamente insuficiente. No entanto, não podemos ignorar que os salários tiveram melhoria relativa. É possível verificar que a partir de 2005/06 começou certa recuperação dos salários dos professores impulsionada pela combatividade do ANDES/SN e a melhoria da renda da terra (evolução favorável dos termos de troca no país). Mas não há que esquecer o fundamental: a melhoria relativa dos salários e da carreira somente foi possível com intensa mobilização e unidade nacional. Portanto, ao contrário do que dizem os defensores do governo, não foi o bom-mocismo do PROIFES – e sua suposta capacidade de negociação – que permitiu a melhoria dos salários, mas precisamente o contrário: a melhoria dos salários é que finalmente explica aquele fortalecimento momentâneo do PROIFES!

Um sindicato sem dentes para morder nada conseguiria nos duros tempos da austeridade fiscal dos governos FHC-Malan/Lula-Palocci. Não há espaço para dúvidas: o período que vai de 2005/2006 até 2012 somente diminuiu o ritmo das perdas inflacionárias sem jamais restituir completamente o poder de compra dos salários. Não foi o PROIFES – e sua ilusória capacidade de negociar e ser ouvido pelo governo – mas a combatividade e capacidade de articulação do ANDES/SN quem orientou cada decisão do governo na “mesa de negociação”. No limite, o governo fechava um acordo com o PROIFES e deixava como única opção para o ANDES/SN a política da recusa. Em perspectiva, a despeito de vícios que precisam ser superados sem demora, é notável que ainda possamos contar com um sindicato nacional, relativamente articulado, após tantos ataques e manobras governamentais.

A situação da UFSC

Com a divisão nacional impulsionada pelo governo e a melhoria relativa dos salários e da carreira, um grupo de professores da UFSC considerou que estavam criadas as condições para romper com o sindicato nacional. Ainda mais: erroneamente, consideraram que não mais existiam razões para a unidade sindical. Aproveitaram erros reais (e também imaginários) na condução do sindicato nacional, e alimentaram um voluntarismo sem precedentes na política local. Julgavam, também erroneamente, que os tempos de “austeridade” pertenciam ao passado e alimentaram sem inibições a consciência ingênua de que o país estava assumindo outro papel no mundo atual para o qual as universidades cumpririam papel estratégico...

No entanto, bastaram dois anos de desconexão com o movimento nacional para que pudéssemos verificar na APUFSC as mesmas práticas que eram consideradas inaceitáeis para o movimento sindical nacional. A “nova” APUFSC, então sem vínculo com o sindicato nacional, logo reproduziu os mesmos vícios que aquela maioria momentânea do plebiscito condenava: observamos a diretoria tomar posições sem amparo no Conselho de Representantes (CR), participar de negociação em Brasília sem autorização ou conhecimento de nós professores, a aberta manipulação de assembleias, etc. Tampouco podemos esquecer que a necessidade do quórum para o CR era incompatível com o modelo acadêmico escolhido, razão pela qual esta instância funcionou durante meses a fio sem quórum qualificado e, a despeito de lutas jurídicas, dificilmente conseguirá cumprir a determinação regimental.

Assim, aos poucos, silenciosamente, longe da atenção da maioria dos professores, a APUFSC ficou sem articulação nacional, mas também deixou de ser referencia política e sindical para a maioria de nós. A incapacidade de ter quórum mínimo para uma AG nos dias atuais (míseros 5%) e também a controvérsia sobre o quórum para o CR, expressa o colapso daquele projeto isolacionista. Não há surpresa neste final melancólico. Nem existem motivos para permanecer aferrado àquela decisão que se revelou um fracasso. A mudança é uma necessidade!

O primeiro passo: a reconstrução da unidade sindical na UFSC

Os sinais evidentes de que a situação econômica do país tinha mudado já existiam em 2012/13, mas somente neste ano se expressaram de maneira clara. A presidente Dilma anuncia a política de “ajuste fiscal” para tornar sustentável o ganho dos rentistas via pagamento e renegociação permanente da dívida. Em 2014 (LOAS) o governo destinou R$ 170 bilhões de reais para os juros e encargos e outros R$ 807 bilhões para amortização e refinanciamento da dívida. A mesma fonte indica que para a rubrica “pessoal e encargos sociais”, o orçamento reserva tão somente 237 bilhões. Em 2015 a previsão é ainda mais generosa; enquanto volumoso recurso é destinado aos rentistas, a presidente determinou em janeiro, via decreto, a redução de 7 bilhões para o MEC. Em maio, o contingenciamento alcançou 10 bilhões. Agora, no final de julho, o governo anuncia novos cortes, reduzindo mais o minguado orçamento em educação. 

O frio corte orçamentário numa estrutura já cronicamente deficiente produziu fenômenos como aqueles que podemos ver na Universidade Federal da Bahia ou na UFRJ: na primeira o Conselho Universitário decidiu a suspensão do calendário escolar e na segunda os sinais de exaustão financeira determinaram a paralisação da universidade mesmo sem a greve dos professores. Nestas universidades, os reitores indicam claramente que nas condições atuais, a universidade não pode seguir funcionando. A ANDIFES, entidade dos reitores, manteve durante todos estes anos um silêncio cúmplice que hoje cobra seu preço.

Nestas circunstancias, a atual negociação entre o MPOG e os sindicatos do setor público é quase simbólica, pois a margem para ceder na mesa de negociação existe em razão direta da força do rentismo defendido pelo Ministério da Fazenda, muito superior ao poder dos sindicatos. Não há habilidade de mesa de negociação capaz de fazer o governo ceder. A aventura do PROIFES exibe seus limites. A greve é a única força capaz de arrancar do governo compensação para as perdas inflacionárias cada dia mais pesadas.

A proposta do governo é clara: 20% distribuídos em 4 anos. Ora, somente neste ano (2015) sofreremos com uma taxa de inflação de dois dígitos (superior a 10%). Na prática, o governo nos empurra para aceitar importante perda salarial. Os pequenos ganhos do período lulista agora precisam ser devolvidos sem gemido. Ao contrário do que dizem os defensores da política rentista de Dilma-Levy, o ajuste não é passageiro. Longe de apertar agora, para logo voltar a crescer e distribuir, entramos num período que será marcado por forte processo de privatizações, maiores prêmios ao rentismo (taxa de juros) e arrocho sobre os salários do setor público. Nem mesmo o mais otimista pode ignorar que o “ajuste” possui caráter permanente! A taxa de desemprego crescerá fortemente e os reajustes salariais do setor público serão concedidos a conta gotas e de maneira seletiva (somente para as carreiras consideradas “de estado” ou “estratégicas”, entre as quais não figuramos, obviamente). Alguém pode supor que contamos com algo mais do que nossas próprias forças nesta batalha? Poderemos contar com algo além de nossa unidade e capacidade de organização? 

A divisão sindical neste contexto conspira contra nossos salários e carreira. A unidade sindical é decisiva para manter o pouco conquistado, mas, sobretudo, é importante para evitar perdas que já estão sobre a mesa de negociação. Não há espaço para ingenuidade e tampouco para o voluntarismo. Não somente a unidade sindical na UFSC é decisiva, mas também nossa re-articulação com o ANDES/SN é igualmente estratégica. 

Portanto, defendo que as novas condições políticas exigem a unidade em torno da APUFSC, incluindo aqueles que por justas razões a abandonamos no passado recente. Da mesma forma, é evidente que devemos nos rearticular com o ANDES/SN e evitar o PROIFES, um perigoso braço sindical do governo criado pra nos debilitar. A filiação formal ao sindicato nacional é questão de tempo e de amadurecimento político que somente juntos podemos construir. Não importam os motivos que levaram os dois bandos para rumos diversos; a crônica sobre quem tinha ou não razão deve ficar pra nossos netos. O presente nos impõe a unificação diante da necessidade de defender os salários e a carreira. 

Agosto esta chegando

É impossível manter a indiferença diante da greve nacional. Na situação atual de profunda despolitização, a maioria dos professores sequer discutiu se as condições são ou não favoráveis para a luta salarial. É preciso convocar a todos para esta reflexão coletiva tão logo o semestre inicie. Ora, divididos será sempre mais difícil e, sem luta, ninguém nos escutará em Brasília. O “ajuste” esta apenas na primeira fase e será cada dia mais forte. É claro que as perdas serão maiores na ausência de resistência.

É verdade que o isolamento social das universidades é muito maior agora do que em qualquer época. Há duas razões para tal. A primeira é que num país que sofreu gravíssima regressão industrial, a universidade termina cumprindo papel marginal. Aqui não contam os apelos abstratos as possibilidades de contribuições científicas e tecnológicas das universidades públicas. A segunda razão de nosso isolamento social é produto do padrão de trabalho acadêmico dominante – o academicismo – que contribui ainda mais para nossa marginalidade social na medida em que o desempenho é basicamente avaliado pelos pares, sem validação social do conhecimento. Em resumo, estamos mais distantes da população e também mais afastados da universidade necessária preconizada por Darcy Ribeiro.

No entanto, a luta salarial seguirá sendo decisiva. E a redefinição da universidade nos marcos de severa restrição orçamentaria e financeira demandará de todos nós profunda reflexão que deve superar o surrado bordão de “defesa da universidade pública, gratuita, de qualidade e socialmente referendada” com o qual o ANDES sustentou até agora nossa unidade com certo vigor e eficácia. A situação do país exigirá de nós muito mais do que a justa defesa dos salários, da carreira e a manutenção do sistema nacional de universidades públicas. Num ambiente em que até mesmo a ANDIFES prima pela omissão ou descarada cumplicidade com o governo, podemos nos dar ao luxo de dispensar um sindicato nacional forte, coeso, democrático e combativo? Seguiremos convivendo com dois sindicatos locais (APUFSC e ANDESUFSC) sem conexão real com a maioria dos professores?

Enfim, a unidade sindical é uma exigência da realidade. A greve revelará cada dia com mais força que a manutenção de nossos salários bem como a necessidade de suplementação orçamentária para o funcionamento das universidades não poderá ser conquistado com divisões obsoletas e menos ainda com a despolitização do discurso e da prática sindical.