“A experiência demonstra que a
diminuição das horas de trabalho – evitando a fadiga – não acarreta prejuízo. O
interesse dos patrões deveria contribuir para o estabelecimento de novas regras
do trabalho”.
Evaristo de Moraes, Apontamento do direito operário, 1905
“... a produtividade do trabalho não é,
em absoluto, assunto que incumba ao trabalhador”
Marx, O
Capital, Tomo I
“...o verdadeiro reino da liberdade que, não
obstante, somente pode florescer sobre aquele reino da necessidade como sua
base. A redução da jornada de trabalho é a condição básica”
Marx, O
Capital, tomo III
A característica dominante na luta de
classes no Brasil é a ausência do movimento de massas. Com certa frequência, o
reconhecimento do fenômeno é utilizado para justificar a orientação assumida
pelos governos da esquerda liberal (governo petucano) e, não raro, também uma
via rápida para responsabilizar as massas por sua própria miséria e exploração
na mesma medida em que exime Lula e seu governo pela paralisia
político-ideológica decorrente da antiga adesão ao programa da classe
dominante.
Ademais, as organizações sindicais e partidos políticos carecem de um programa de
ação, que somente pode ganhar consistência e força como resultado da
experiência de lutas dos próprios trabalhadores capazes de assegurar a
independência política diante dos governos e do Estado. De resto,
enquanto a fragmentação identitária tem sido um obstáculo importante, até o
momento, para a realização da totalização das lutas no interior da esquerda
liberal, somente a direita apresenta uma utopia reacionária como promessa de
futuro para as maiorias.
É nesse contexto que a emergência de um
“movimento” chamado VAT (Vida para além do trabalho) despertou certa atenção,
que, de outra maneira e em outras épocas, seria tomado sem dúvida alguma apenas
como mais um protesto desesperado de um trabalhador submetido ao tacão de ferro
dos capitalistas. Com efeito, somente
boa dose de generosidade e outra não menor de indigência poderia considerar o
VAT um movimento real da classe trabalhadora. Não há desprezo na
afirmação, posto que o VAT, antes de se firmar como movimento real, foi logo
canalizado para seu curso natural diante das circunstâncias atuais: a
representação parlamentar no âmbito municipal. O precursor do protesto que
passou a ser designado com VAT – Rick Azevedo – é agora vereador pelo PSOL no
Rio de Janeiro eleito com mais de 29 mil votos.
Em consequência, tampouco surpreende
que uma deputada do PSOL – Erika Hilton – no embalo das redes digitais, logo
transformasse o protesto solitário e desesperado de um trabalhador confinado
numa farmácia em projeto de lei que, há pouco, logrou o número de assinaturas
para começar a tramitar na Câmara federal a proposta de redução da jornada de
trabalho para 36 horas semanais. O entusiasmo de distintas organizações sociais
e sobretudo da concepção parlamentar de política é imenso e, a julgar pelo
ambiente digital, o protesto realizado no dia 15 de novembro anunciado como o
início da retomada das ações de massas, nas versões mais delirantes, autorizariam
supor que, em breve, e com algum esforço militante estaríamos próximos de uma
virada na correlação de forças atualmente sob comando da direita liberal. O entusiasmo digital é, de fato, imenso!
Entretanto, funcionará nas ruas? O 15 de novembro provou aos iniciados que
estamos longe de construir uma plataforma de lutas da classe trabalhadora e
menos ainda de superar a concepção liberal de política dominante nos partidos
da esquerda liberal. A propósito, no momento em que escrevo essa nota,
há um silencio profundo sobre o completo esvaziamento da atividade de 15 de
novembro, mas, não tenho dúvidas, logo surgirão avaliações positivas sobre “o
primeiro ato” de uma longa caminhada...
Tampouco
podem existir dúvidas sobre o apoio dos trabalhadores a qualquer iniciativa
destinada à redução da jornada de trabalho. Todos os socialistas, comunistas e
revolucionários devem apoiar qualquer projeto parlamentar destinado à redução
da jornada de trabalho. Mas é igualmente uma obrigação dos socialistas,
comunistas e revolucionários observar e analisar o contexto e as consequências
de semelhante iniciativa, sobretudo quando está marcada pela origem parlamentar
da proposta e conta com o ingênuo entusiasmo e a alienação inerentes ao
“ativismo” midiático das redes digitais. Com efeito, já existem dezenas de propostas que
favorecem os trabalhadores nas gavetas do parlamento (de deputados ativos ou
não) que, quando consideradas, poderiam produzir o paraíso mesmo nas condições
do sistema capitalista e, mais ainda, na periferia latino-americana.
O governo Lula/Alckmin não possui
qualquer iniciativa para mitigar o sofrimento dos trabalhadores. A Reforma
Trabalhista anunciada em campanha como objeto de revogação ou revisão goza de
boa saúde e nem em sonhos dourados o governo cogita rever qualquer uma de suas
cláusulas. Acrescente-se a isso o fato de que, no momento, o governo petucano
(Lula/Alckmin) sofre acentuado desgaste que até mesmo as pesquisas de opinião
assinalam. Entretanto, não são necessárias as pesquisas para avaliar a grave
situação do país e a debilidade do governo atual. A força da crise encontra um
governo de tal forma dócil ao capital, que torna inútil a repetição maçante e
impotente das políticas sociais ademais, obrigando o governo da esquerda
liberal a arrochar a classe trabalhadora em favor da coesão burguesa que dirige
o país desde 1994.
Há dias, a esquerda liberal aguarda com
angústia o anúncio de um “pacote econômico” destinado a cortar gastos sociais e
precarizar ainda mais as condições de vida dos trabalhadores. Nesse contexto,
as redes digitais da esquerda liberal explodiram em apoio ao VAT e rapidamente
unificaram a data de 15 de novembro para uma manifestação em favor da aprovação
da PEC na vã tentativa de mudar o foco da atenção pública e retomar a iniciativa
política.
O melhor dos mundos possíveis
A exemplo de
quase tudo que ocorre no país, o VAT não tem nacionalidade brasileira. A própria deputada Erika Hilton
escreve na sustentação da proposta:
“No Brasil, o programa piloto de
implementação de jornada de 4 dias começou a ser realizado pela Reconnect
Happiness at Work em parceria com a 4 Day Week Global e Boston College, e teve
seu início em setembro de 2023. Cerca de 22 empresas com até 250 colaboradores
aderiram à iniciativa, em que os resultados do projeto no país, apresentam
projeções importantes para a transição das jornadas de trabalho para o modelo
de 4 dias, em que é possível observar menor número de faltas dos empregados e
produtividade em alta, em razão da adoção de estratégias de organizações funcionais
para o modelo da empresa”.
A reconciliação entre trabalho e a
felicidade (reconnect happiness at work) não deixa de ser boa nova tanto nos países centrais quando na periferia
do capitalismo, uma vez que, aqui, o processo de acumulação de capital se
sustenta na superexploração da força de trabalho. No Brasil – como na Alemanha
– a adesão a semelhante programa é voluntária sem, portanto, obrigatoriedade na
lei! Na maioria dos casos, a redução da
jornada de trabalho foi produto de duras negociações entre sindicatos e
empresas, ainda que reguladas pela legislação do trabalho e não fruto de
ativismo midiático, regado a interesses eleitoreiros.
Entre nós, a luta pela redução da
jornada de trabalho sempre esteve presente nos partidos de esquerda e nos
sindicatos. Contudo, sua implementação depende, obviamente, dos ciclos de
acumulação do capital que, como sabemos, alternam períodos de bonança com
outros recessivos. Em tempos de crise, é normal que propostas semelhantes
apareçam como a salvação da lavoura e não raro, os trabalhadores lançam mão de
semelhantes propostas mesmo quando implicam simultânea redução salarial.
Na Alemanha, em 2017, o poderoso IG Metall, que representa a indústria metalúrgica e de engenharia com 3,9 milhões de associados e alcance em empresas tão importantes como Daimler, Bosch, Porsche, Audi, BMW entre outras, propôs a redução da jornada para 28 horas semanais distribuídas em 4 dias e sem redução salarial. Válida por 27 meses, a proposta cobre aproximadamente 900 mil trabalhadores. As negociações se arrastaram em meio a muitas greves e paralisações de advertência especialmente importantes nos Estados da Baviera e Baden-Wrttemberg, no sul da Alemanha, responsáveis por prejuízos de até 200 milhões de euros às empresas. Assim, em meio a forte combate, a categoria conseguiu um aumento da massa salarial de 4,3%, ante a reivindicação de 6%, e a redução da jornada de trabalho semanal de 35 para 28 horas. Portanto, o acordo posterior até hoje celebrado como uma conquista foi fruto de lutas no chão da fábrica. A jornada de trabalho na Alemanha está regulada em lei nas 35 horas semanais.
Naquele período (2017), a economia da
Alemanha apresentava taxa de crescimento positiva e as exportações exibiam
sucessivos superávits. Na prática, há muitos anos, a Alemanha apoiada no poder
do euro e sua considerável base industrial, transformou-se numa máquina
de exportação junto com Estados Unidos e China. Portanto, no momento favorável
à acumulação de capital – mesmo considerando um período caracterizado como “de
crescimento lento” por analistas de distintas orientações teóricas – os
sindicatos atuaram na busca de melhores acordos com greves e paralisações
que revelaram a força dos trabalhadores na busca também concentrada na
reivindicação de reajuste e participação nos lucros. Nós sabemos que naquele
país existe um sindicalismo integrado à ordem burguesa, mas capaz de buscar seu
quinhão diante da crescente acumulação de capital. Na atualidade, a adesão à
redução da jornada alcança principalmente empresas menores – entre 10 e 250
trabalhadores – que, em função da crise, lançam mão da redução da jornada em
acordos variados que nem sempre se sustentam ao longo do tempo. Na periferia
capitalista, ao contrário dos países centrais, o azul é sempre mais escuro. Em
consequência, a resistência capitalista é ainda mais ferrenha, pois o
fundamento da acumulação é a superexploração da força de trabalho que sempre
foi considerada – e seguirá sendo – uma lei de bronze que ninguém poderá
violar.
Na periferia capitalista
No Brasil, a
redução da jornada de 48 para 44 horas semanais ocorreu na elaboração da
Constituição de 1988, no início do regime liberal burguês que sucedeu a
ditadura militar. A despeito de graves limitações políticas, o sindicalismo
mantinha certa força nas reinvindicações de extração econômica, sobretudo
porque as taxas de inflação eram elevadíssimas (hiperinflação) e não raro
alcançavam 3 dígitos! Nesse contexto, as greves se sucediam como decorrência
direita da luta entre preços e salários no interior das quais a politização dos
trabalhadores ocorria mesmo sob o controle político ideológico dos líderes
sindicais com Lula e suas conexões na Europa e Estados Unidos.
Ao longo do tempo, especialmente após a
implementação do Plano Real, as condições de luta em tempos de inflação baixa
mudaram radicalmente. As greves inerentes ao período da corrida entre preços e
salários dependiam de outros fatores e não foram poucos aqueles sindicatos que
começaram a cobrar ganhos de produtividade nas negociações entre patrões e
empregados. Mas ainda assim, em pouquíssimos casos, a pauta de reivindicações
incluiu a redução da jornada de trabalho. Os sucessivos governos do PT durante longos 14 anos (Lula e Dilma),
jamais ousaram sequer discutir um pacto entre capitalistas e trabalhadores
inclusive quando as taxas de desemprego eram indiscutivelmente baixas e o ciclo
da acumulação favoreceria os sindicatos, se a iniciativa do governo existisse.
A razão para a omissão tanto dos sindicatos (especialmente a CUT), quanto dos
governos petistas é conhecida: nada contra a burguesia!
No chão da fábrica e na solidão
política, os trabalhadores amargam não apenas jornadas de 44 horas semanais,
mas, inclusive, em não poucos casos, acima do limite legal. Aqui, na periferia
capitalista, o mundo real conspira contra a lei, razão pela qual a violação da
legislação trabalhista adquire feições particulares nada desprezíveis.
Em abril de 2010, por exemplo, o DIEESE informava que "ao se analisar os dados da PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego - DIEESE/SEADE) observa-se que, em 2009, 36,1% dos assalariados trabalham mais do que a joranda legal de 44 horas. Esta realidade explicita que, no caso do Brasil, a hora extra perdeu a característica de ser uma hora a ser realizada em momentos excepcionais, passando a ter um caráter de hora ordinária". Na prática, a hora extara é uma forma de prolongamento da jornada de trabalho e, portanto, de extração de mais valia absoluta, mesmo quando os capitalistas pagam valores monetários superiores àqueles da hora regular.
Dados recentes do Tribunal Superior do Trabalho (TST) informam que o tema “hora extra” foi o mais recorrente em novas ações na Justiça do Trabalho de janeiro a julho de 2023, somando mais de 288 mil processos em todo o país. Entre as demandas, estão questões como “não pagamento das horas extras realizadas, falta de registro da jornada de trabalho, supressão das horas extras habituais, integração das horas extras em outras verbas salariais e invalidade dos cartões de ponto em razão de horários uniformes”. Ao contrário da luta pela redução da jornada de trabalho, nas condições atuais, parcela importante dos trabalhadores não possuem outro recurso senão a ... ampliação da jornada de trabalho!
Há, além disso um dado relevante que o
cretinismo parlamentar em voga ignora e a militância virtual também. O IBGE informa que “em 2023, dos 100,7
milhões de ocupados do país, 8,4% (8,4 milhões de pessoas) eram associados a
sindicatos. Esse foi o menor contingente e o menor percentual da série
iniciada em 2012, quando havia 14,4 milhões de trabalhadores sindicalizados
(16,1%)”. A velocidade da queda não deixa de chamar atenção pois, segundo a
mesma fonte, “na comparação com o ano anterior, houve queda de 7,8%, ou de 713
mil pessoas. Em 2022, eram 9,1 milhões de sindicalizados, 9,2% do total de
ocupados”. Ora, o fenômeno alcança todos os setores e “em relação a
2012, as maiores quedas na taxa de sindicalização foram nos grupamentos de
transporte, armazenagem e correio, com -12,9 p.p. (passando de 20,7% para
7,8%), indústria geral, com -11,0 p.p. (de 21,3% para 10,3%) e administração
pública, defesa, seguridade social, educação, saúde humana e serviços sociais,
com -10,1 p.p. (de 24,5% para 14,4%)”.
A reforma trabalhista de Michel Temer
(Lei 13.647/2017) representou um grave e inédito ataque contra a CLT. A lei foi
promulgada em julho de 2017 numa conjuntura marcada pela ofensiva burguesa
contra os trabalhadores que jamais foi interrompida pelo governo atual a
despeito das promessas de campanha. E, não custa lembrar, os capitalistas
contam com a enérgica e sistemática ação do STF, que não cansa de decidir
contra os trabalhadores e suas conquistas históricas. Em 11 de setembro
passado, por exemplo, o ministro Cristiano Zanin pediu vistas do processo sobre
o trabalho intermitente em análise naquela corte, que já conta com 4
votos favoráveis e três contrários. Em caso de aprovação seria outro duro golpe
nos direitos elementares dos trabalhadores no contexto da reforma de Temer e
uma via rápida para o aprofundamento da superexploração da força de trabalho,
fundamento do capitalismo dependente rentístico.
Quando a redução da jornada entrou nas negociações permitida pela Medida Provisória 936/2020, posteriormente sancionada como Lei nº 14.020, de 06 de julho de 2020, previa de maneira clara a redução dos salários no âmbito do "Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda diante dos impactos da Covid-19", que assegurava elevada taxa de lucros aos capitalistas e passava o prejuízo para os trabalhadores. A medida era uma proteção da taxa de lucro e, naquele contexto, os trabalhadores não possuiam forças suficientes para se proteger da ofensiva do capital contra o trabalho. Portanto, é compreensível que uma PEC destinada à redução da jornada de trabalho desperte aprovação de milhões de trabalhadores e, de fato, mais de 2 milhões de brasileiros assinam a iniciativa parlamentar. Tampouco causa surpresa que a PEC tenha granjeado um número aparentemente surpreendente de assinaturas de deputados e senadores com direito a discursos em defesa da medida até mesmo por parlamentares de direita, que, na tribuna do covil de ladrões, defenderam sua imediata aprovação. A propósito, Cleiton de Azevedo, o senador Cleitinho (Republicanos/MG), fez um discurso tão radical em defesa da medida, que, aos desavisados, poderia parecer que se trata de esquerdista radical. Contudo, essa simpatia automática necessita ultrapassar a simples adesão midiática e transformar-se num momento real.
No setor de serviços (supermercados, farmácias, restaurantes, shopping e call centers, etc), existe um imenso proletariado submetido a jornadas de trabalho exaustivas e salários baixíssimos, que conta com o silêncio cúmplice do governo petucano e baixo nível de sindicalização. Até hoje, o governo não mexeu uma molécula para enfrentar a superexploração da força de trabalho e se limita tão somente à repetição enfadonha das antigas políticas sociais, incapazes de sequer mitigar o sofrimento das massas. A propósito, os programas sociais antes de redimir ou mesmo mitigar o sofrimento tornam-se, na prática, um pilar da superexploração da força de trabalho na forma de filantropia.
Dessa forma, no setor de serviços, a rotatividade da força de trabalho é igualmente intensa, superior a qualquer outro país do mundo capitalista. Eis as condições materiais que tornam toda medida destinada a enfrentar a superexploração da força de trabalho popular dócil aos patrões e incapaz de qualquer mobilização em favor dos trabalhadores sobretudo quando os sindicatos do setor de serviços estão dominados pela burocracia e priorização do enfrentamento jurídico em detrimento das ruas.
A descoberta da pólvora
Rick Azevedo – o festejado vereador do
PSOL carioca – lançou o VAT num ato de solitário protesto. Não se trata,
obviamente, de um movimento, mas de um recurso midiático com adesão
exclusivamente eletrônica e que, portanto, não está isento de graves
limitações. A mais eloquente evidência
da situação se deve ao fato de que o vereador solicitou registro da marca (VAT)
no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (!!) como uma forma de manter
sob controle seus seguidores e, ao mesmo tempo, autorizar a eventual ampliação
sob seu exclusivo comando.
Em setembro passado – portanto antes do
ativismo eletrônico da semana passada – a Organização Comunista Internacionalista (OCI) publicou em sua página
importante denúncia sobre a ofensiva do agora vereador Rick Azevedo, autor do
VAT contra aqueles que queriam somar no movimento, dando-lhe não somente
transparência, mas também organicidade e potência.
Qual era a suposta heresia proposta pela OCI?
Em 3 de setembro, a OCI solicitou um encontro nacional destinado a avançar na organização e massificação da luta e a resposta de Azevedo foi a expulsão de todos aqueles que endossaram a petição. Então candidato a vereador, Azevedo não poderia ter reação mais ilustrativa do caráter do VAT e notificou extrajudicialmente a OCI proibindo o uso da marca!
Ora, a organização propunha um encontro nacional com tirada de delegados pela base em escala nacional destinado a massificação e maior representatividade do moivmento.
https://marxismo.org.br/por-um-encontro-nacional-do-movimento-vat-com-delegados-eleitos-na-base/
A resposta do vereador foi uma rara combinação entre ação extra judicial contra a OCI acusando-a de “uso indevido do nome, marca e identidade do movimento VAT, bem como na tentativa de apropriação indevida de sua liderança e propósito, sem qualquer autorização ou consentimento”. Na verdade, Rick lançou um movimento que, diante das circunstâncias do mundo real, logo escolheu como objetivo a conquista de um mandato na câmera de vereadores do Rio de Janeiro e, em consequência, não poderia abri-lo para a participação de todos os trabalhadores e muito menos se submeter às instâncias que todo movimento real exige, especialmente quando o objetivo é a redução da jornada de trabalho. Entretanto, ninguém tem dúvidas que somente uma unidade política de todos os trabalhadores poderá arrancar dos capitalistas a redução da jornada de trabalho. Além do mais, como a experiência ensina, o papel do governo nunca será de mero expectador, mas, ao contrário, de ativo participante em favor da classe trabalhadora! Não é de surpreender que Rick Azevedo chegou a publicar nas redes que não admitiria bandeiras contra o atual governo como expressou com clareza em seu twitter. A despeito da inocência, é claro que as forças, partidos e parlamentares que foram às ruas no dia da proclamação da república estão na sua maioria comprometidos com a defesa do governo petucano diante do que chamam “ameaça fascista”. Em consequência, creem atuar como espírito crítico do governo petucano na vã esperança de que Lula abandone as leis inerentes à política econômica do rentismo e mais do que colocar os “pobres no orçamento” rompa com as regras que alimentam o Plano Real desde 1994, entre as quais o teto de gastos.
A esquerda virtual
Eis o segredo do ativismo midiático dos
dias imediatamente anteriores à data nacional da proclamação da república: não foram poucos os ingênuos que consideraram
a manifestação do interesse pela redução da jornada de trabalho no trending
topics do Twitter e o número de “likes and views” como clara demonstração
da virada na conjuntura, o inédito constrangimento da direita parlamentar
incapaz de argumentar contra a PEC e inclusive, num arroubo delirante, indicar
a eminente “virada do jogo político brasileiro” com a consequente retomada de
um novo ciclo de lutas favorável a classe trabalhadora. Tudo a que
assistimos no dia 15 de novembro foi uma demonstração contundente contra as
pretensões de que o “mundo virtual” dirigia o “mundo real”, mas bastou o
amanhecer do feriado republicano para observar o abissal contraste entre a
expectativa exuberante das mídias e o esvaziamento das praças nas principais
capitais do país. Com efeito, nenhum ato foi massivo! No Rio, talvez 3 mil
pessoas na Cinelândia e em SP apenas um quarteirão. No Espírito Santo, gatos
pingados não ultrapassaram o número de 300 pessoas. Em Floripa não mais do que
500 pessoas, em Pernambuco manifestação minguada e em Porto Alegre pra lá de
modesto! Em muitas cidades o “ato” foi apenas simbólico. Em São Paulo, para dar
um exemplo emblemático da natureza artificial da articulação, várias organizações
que ajudaram na convocatória da manifestação sequer tiveram direito ao
microfone. De fato, onde o VAT comanda, a ampliação não prospera.
No parlamento
No covil de ladrões não há surpresa! No
parlamento, tanto parlamentares da esquerda quanto da direita liberal assinaram
a PEC conscientes de que a proposta não tem a menor possibilidade de aprovação
e caso avance em algum aspecto, será algo bem distante da proposta original.
Observando iniciativas anteriores, alguém poderá ter dúvidas sobre os “acidentes”
de seu trâmite? Nesse contexto, o PT assinou em massa na semana anterior as
manifestações. Mas, na página do partido figurava o destaque de que as nobres
deputadas assinaram a PEC sem menção aos homens! No PSOL, Boulos, convertido a
linha lulista do “paz e amor”, jamais cogitou discutir o tema na última
campanha eleitoral e, de fato, foi um dos últimos a assinar a iniciativa de sua
colega de bancada. É um tempo duro para convicções...
O futuro da
luta pela jornada de trabalho dependerá da capacidade de enfrentamento dos
trabalhadores, todos sabemos. Portanto, não será fruto de eventual repercussão
nas redes digitais, mas das contradições de classe próprias de nosso país. A esquerda identitária descobriu algo
valioso na cartada recente: a classe, como expressão universal, tem lá sua
força mesmo quando reivindicada por aqueles que expressam a soberania do eu de
maneira permanente e não possuem qualquer compromisso com a revolução
brasileira e o socialismo. O “debate” das redes digitais exibe não somente a pressa
inerente ao meio técnico, a vocação parlamentar da esquerda (identitária ou
não) mas, sobretudo, o completo desprezo pelas leis objetivas que governam o
desenvolvimento capitalista na periferia latino-americana. Essa mesma esquerda
liberal, treinada na estranha arte de insistir num caminho exaurido cuja
expressão mais importante é o apoio ao governo petucano de Lula/Alckmin na
persistente justificativa de que supostamente não temos outro horizonte
possível, precisa despertar de sua letargia para tomar o céu de
assalto.
Na prática, o
ativismo midiático responsável pela tentativa de massificação da campanha pela
superação do 6 x 1 tinha um objetivo inconfessável: salvar o governo petucano
de Lula/Alckmin. O delírio segundo o qual os atos de 15 de novembro constituem
uma “virada no jogo” político não passa de uma tentativa de oferecer um salvo
conduto para um governo que em cada medida acentua a dependência, o
subdesenvolvimento e a superexploração da força de trabalho. Contudo, a esquerda liberal não é
capaz de romper com as ilusões e passar a fazer radical oposição de esquerda ao
governo que administra a economia política do rentismo na mesma medida em que
arrocha os trabalhadores. Nesse momento, Lula elabora um “programa de ajuste”,
reivindicado pela classe dominante à luz do dia. Programa esse que não poupará
os mais miseráveis entre os miseráveis. Em consequência, o desespero e angústia
da esquerda liberal em manter a fidelidade ao governo e ao mesmo tempo defender
os interesses imediatos dos trabalhadores chega, finalmente, ao seu término:
não é possível servir a dois senhores!
Tudo indica que o “pacote” curtido em
negociações com banqueiros, latifundiários, grandes comerciantes e industriais
decadentes pode, no papel, tocar nos interesses marginais dos capitalistas, mas
certamente cortará fundo em algumas leis e programas relativos aos
trabalhadores. O “pacote” será enviado ao covil de ladrões e a maioria folgada
que a classe dominante possui no parlamento se encarregará de dar a devida
“racionalidade” às medidas, eliminando eventuais “exageros” contra a
propriedade e os lucros e dividendos dos capitalistas. Assim, o governo
petucano simula fazer justiça social e a esquerda liberal seguirá com a
ladainha de que Lula não possui maioria para aprovar outro programa.
A conjuntura exige lucidez antes que simulação. Uma PEC ou o mais intenso ativismo midiático
são incapazes de mudar a correlação de forças. O problema não pode ser
resolvido por um passe de mágica e menos ainda pelo mais intenso ativismo midiático,
mas somente no terreno que as maiorias já identificaram: o governo eleito para
“barrar o neoliberalismo”, “derrotar o neofascismo” e inverter a correlação de
forças diante da ofensiva burguesa acelera o programa econômico da própria
burguesia e segue alimentando a mais profunda corrupção do sistema político.
Portanto, não há no governo programa econômico alternativo e menos ainda uma
tímida “reforma política” para salvar da podridão a república burguesa! O vale de lágrimas se configura eterno diante
dos trabalhadores e o povo acumula sua ira de maneira silenciosa até que por um
motivo qualquer, num momento indeterminado, se manifeste com a força dos
vulcões, varrendo tudo e todos. Haverá, nesse momento, alguma organização
política ou liderança com completa independência diante do governo capaz de
ganhar a confiança das maiorias e abrir as portas da revolução brasileira?
Revisão: Junia Zaidan