terça-feira, 6 de junho de 2023

Fim de linha?

Há algum tempo não leio ou escuto as figuras mais festejadas pela esquerda liberal, especialmente aquelas dedicadas a captura de "likes" ou "visualizações". Em contrapartida - desde sempre - leio os autores liberais (de direita ou progressistas); os primeiros recebem atenção porque na maioria dos casos exibem de maneira clara seus objetivos e, os segundos, porque confessam abertamente o horizonte limitado ao qual estaríamos condenados como se a prudência e as limitações conjunturais fossem sentenças históricas ou virtudes eternas. Em ambos - com raras exceções - faço na prática um estudo sobre ideologia. É claro que existem autores liberais que demandam certo esforço e disciplina intelectual e com os quais podemos aprender algo ou elucidar melhor o foco da crítica; Marx e Engels sabiam ler sujeitos semelhantes, sábios na seleção deles. Entretanto, de maneira geral, a leitura dos liberais de moda é encontro marcado com ladainha conhecida, uma repetição enfadonha. Ocorre que na esquerda liberal a repetição enfadonha é também constante e, não obstante, mais nociva porquê reforça a dominação burguesa quando deveria atuar em sentido contrário. O mundo para a esquerda liberal é o mundo que sofremos e, se possível, quando muito, seu esforço esta destinado a "conquistar" algumas doses de "justiça social" no inferno. Nada mais. O ditado popular ensina que não podemos "tirar leite de pedras", razão pela qual não espero da esquerda liberal a conversão revolucionária. De resto, completamente dominada pelo cretinismo parlamentar, a esquerda liberal seguirá seu curso até o cadafalso. 

Minha geração teve formação atravessada pela polêmica de caráter político e teórico; a despeito das limitações inerentes a cada época, estávamos acompanhados de exigências intelectuais e políticas importantes. Contudo, a esquerda na qual inscrevi minha juventude padecia considerável isolamento social, resultado necessário da derrota do nacional reformismo encabeçado por Jango no golpe de 1964 e o fim tão trágico quanto heroico da luta armada registrada na primeira metade dos anos setenta. Ainda assim, o socialismo e a Revolução Brasileira estavam sempre no horizonte e, a despeito das inúmeras lutas e movimentos crescentes no final da ditadura, não havia dispersão ideológica e fragmentação política. Enfim, a disputa pelo poder - não o governo! - era o objetivo final. Ainda sobre os escombros da ditadura e sofrendo as consequências da "transição lenta gradual e segura" hegemonizada pela burguesia e a Embaixada de Washington, postulávamos a derrubada violenta do regime e não havia concessão alguma à classe dominante: nossa impotência não resultava em elogio à democracia, regime sempre acompanhado do adjetivo "burguesa". Naquela solidão havia uma boa pitada de lucidez: éramos órfãos da Revolução, é certo, mas carregávamos a certeza de jamais pedir inscrição na "sociedade respeitável". 

O contraste com a situação atual é evidente. A esquerda liberal exibe suas misérias e não vacila em apresentar limitações outrora consideradas inaceitáveis como se fossem, de fato, virtudes indispensáveis e lucidez elementar. A cada nova cartada, apresentada como se fosse um golpe de mestre, a burguesia aperta um pouco mais a dominação sobre os trabalhadores e a juventude. O regime apodrece aos olhos do povo e a esquerda liberal busca no seu interior a afirmação da conduta "responsável". O agir "responsável" praticado pela esquerda liberal encurta a cada dia o salão onde alegremente dança conforme a música da classe dominante. 

Na atualidade, a pobreza no terreno da disputa teórica e da análise política alcançou níveis incompatíveis com o apreço pela memória. Não há arrogância na constatação pois todas as gerações carregam limitações e, obviamente, reconheço que não chegaríamos a situação atual sem as opções tomadas ao longo de nossa curta história. Mas há um artigo em falta entre nós: a exigência teórica e política. Na prática, a esquerda liberal e seus "marxistas acadêmicos" não fazem menos do que justificar a impotência do governo petucano (Lula/Alckmin) com argumentos inacreditáveis: o elogio ao carro popular como esforço industrializante, as migalhas orçamentárias como expressão máxima de política social, o compromisso com reacionários e ladrões como virtude republicana, a submissão à Washington como "agenda mundial em defesa do meio ambiente", a defesa da propriedade como elogio ao Estado de direito, o pragmatismo rasteiro e cretino como lucidez política, a fofoca no lugar da polêmica e a calúnia midiática como expressão da verdade. O rosário é interminável e você pode livremente aumentar a lista...

Fim de linha? Nada disso! A crise do regime democrático burguês também se expressa na miséria teórica e política da esquerda liberal e não somente na truculência e despotismo da classe dominante, afinal, uma burguesia culta e educada não passa de ideologia barata destinada a enganar trouxa. De resto, uma esquerda liberal atuando em defesa da ordem em crise não faz menos que cavar seu próprio túmulo. A crise brasileira segue seu curso sob domínio da coesão burguesa alimentando muitas possibilidades entre as duas mais visíveis: a frágil e inútil preservação do regime atual ou um sistema político de corte policial com tintura constitucional e boa dose de violência contra os trabalhadores. 

O que fazer? A política orientada pelo tradicional "não há nada a fazer" ou o descarado "não se pode fazer mais do que isso" é uma grotesca negação das contradições e antagonismos que movem a luta de classes. É também ignorância e resignação, obviamente. A História ensina que mesmo nas condições mais adversas sempre há algo a fazer para enfrentar a ordem dominante, algo muito distinto de praticar a cínica "redução de danos ou fazer o mínimo, o aceitável ou o permitido pela burguesia. Em todo ato ou movimento a questão central sempre será a ação destinada ao ataque à classe dominante e não apenas suas formas mais grotescas e ofensivas. Nesse contexto, até mesmo recordar o sentido da política passa a ser algo necessário e util.  

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