domingo, 30 de abril de 2017

Macri inaugura a diplomacia dos limões

Argentina é um pais de enorme importância para o projeto emancipatório da Pátria Grande. Há larga tradição anti-imperialista no seu povo e também potente pensamento marxista e nacionalista entre seus intelectuais, grande parte deles criados fora das universidades. Esta importante tradição de intelectuais anti-acadêmicos, verdadeiros pensadores sobre a realidade da Argentina e da América Latina, é também resposta firme contra a vocação cipaya das classes dominantes argentinas, sempre dispostas a manter estrita fidelidade em relação as potencias imperialistas. No século XIX e inicio do XX as classes dominantes argentinas eram devotas da Inglaterra. Após Perón - que liquidou em larga medida a ação britânica na Argentina - os Estados Unidos assumiram notória influência. O ministro de relações exteriores do governo Menem, um sujeito chamado Guido Di Tella, definiu o caráter das relações ente Estados Unidos e Argentina como relações carnais. 

Nesta semana, Mauricio Macri, um representante da burguesia cipaya portenha, sempre disposta a assumir o papel de preposto dos interesses imperialistas no país vizinho, visitou Trump na Casa Branca. O empresário-presidente Trump, líder do liberalismo mundial, afirmou que na audiência “Yo voy a hablarle de Corea del Norte, él va a hablarme de limones” (Página 12). Em seguida, arrematou: “estoy al tanto de los limones. Y lo crean o no, el negocio de los limones es un gran, gran negocio”. A Argentina é grande produtor mundial de limão e exporta mais de 90% da produção, mas para os Estados Unidos as exportações são quase simbólicas; Trump autorizou a importação de 50 milhões de dólares. O capitalista-presidente sabe com quem esta falando; ao referir-se a Macri e indicar que o litígio em torno dos limões é "um grande negócio", indica de forma clara o que pensa dos latino-americanos. Enfim, Trump sabe - tal como Barak Obama sabia - que pode atender a maioria dos presidentes latino-americanos com muito pouco.   

O presidente argentino foi aos Estados Unidos com a máxima do liberalismo latino-americano: na linguagem dos jornalistas, pretende "atrair investimentos". A Argentina desapareceu do noticiário brasileiro porque a imprensa aqui oculta o desastre produzido pelas medidas liberais de Macri e, em consequência, necessita vender ainda mais o país. De fato, não há alternativa para o liberalismo latino-americano exceto seguir internacionalizando a economia e o presidente argentino é bem desinibido no propósito. 

Os Estados Unidos combinam historicamente a defesa retórica do livre comércio com forte ação protecionista. As burguesias cipayas defendem a doutrina do livre comércio porque não podem encabeçar um movimento em defesa da soberania dos países latino-americanos até o fundo e o fim. Não foi Macri quem reclamou o livre comércio para os limões. Foi Trump quem estabeleceu a pauta, o tom e o ritmo do encontro. A dependência dos países latino-americanos é tamanha que para as classes dominantes não resta senão a diplomacia em defesa dos limões.

   

sábado, 15 de abril de 2017

Manifesto pela Revolução Brasileira


A atualidade da Revolução Brasileira
A sociedade brasileira vive uma verdadeira guerra de classes. Guerra declarada pela classe dominante, que bombardeia diariamente o povo brasileiro sem encontrar grande resistência. Refém do projeto conciliatório e desarmados ideologicamente, os setores populares encontram-se em completa desorientação e são incapazes de reagir e apontar qualquer saída ao povo brasileiro. O contra-ataque só se mostra possível mediante um acerto de contas com o passado.
Esta guerra de classes contra o povo começou entre 2014 e 2015, quando Dilma abriu a primeira fase do “ajuste fiscal” e colocou restrições de acesso ao abono salarial, seguro-desemprego, seguro-defeso, pensão por morte e auxílio-doença, tudo isso acompanhado do maior corte de gastos da história do país, que paralisou a economia e deu o gatilho para a escalada do desemprego. Em 2016, a artilharia de Michel Temer veio ainda mais reforçada, com o congelamento de gastos sociais por 20 anos, o fim do regime de previdência pública e a virtual supressão das leis trabalhistas. Está em curso a operação que desvia mais ainda a riqueza nacional diretamente para o bolso dos capitalistas, proprietários dos cartéis da corrupção que comandam o país. Combinados, o programa de Dilma/Temer dos últimos 3 anos produziu colossal massa de miseráveis no Brasil.
O pretexto para realizar estes ataques aos trabalhadores é a crise. Nela cabem os mais cândidos discursos republicanos e a preocupação com o futuro do país por parte dos políticos profissionais. No entanto, sabemos que não há dois Congressos: os deputados e senadores que votam sistematicamente o enforcamento da classe trabalhadora são os que mostraram suas vísceras à população na fatídica votação do processo de impedimento de Dilma Rousseff. Trata-se de um parlamento corrupto e na sua maioria absoluta identificada com os ricos (latifundiários, banqueiros, industriais e comerciantes). Enfim, um parlamento dominado pela classe dominante. Até mesmo o sujeito mais distante da vida política sabe que o Congresso Nacional é, nas condições atuais, um verdadeiro covil de ladrões, sem a menor autoridade moral para votar qualquer matéria de interesse público.
Michel Temer, o atual presidente, foi colocado na linha de frente num compromisso do PT/PMDB pela classe dominante para gerenciar a artilharia pesada dos financiadores de campanhas, dos sonegadores de impostos, dos políticos e empresários investigados pela Polícia Federal e dos rentistas do sistema financeiro contra o povo.
A gravação das conversas entre Sérgio Machado e Romero Jucá nos lembra que a guerra contra a classe trabalhadora não pode prescindir de um pacto com o Supremo Tribunal Federal. A suspeita popular que paira sobre a morte de Teori Zavaski enquanto viajava num jatinho com um empresário-réu no STF e a escolha do crápula Alexandre de Moraes para a mais alta corte do país não deixam dúvidas de que não há a menor possibilidade de que o poder judiciário esteja blindado à podridão da política brasileira. Muito menos deve-se alimentar esperanças de que um grupelho de promotores do Ministério Público Federal possa realmente ser capaz de “passar o país a limpo”. Esta deve ser opção descartada desde a largada. Os tribunais são elemento central para promover uma roupagem institucional e legalmente válida que molde as regras do jogo ao sabor dos interesses da classe dominante.
O fato é que o sistema político brasileiro se mostrou incapaz de renovar-se e de oferecer respostas satisfatórias à crise atual. Esgotou-se a capacidade de reorganizar um pacto de classes, aliado ao fato de que os três poderes estão atravessados pela corrupção, por práticas de poder nefastas e pelo aprofundamento do caráter de classe do Estado. As acusações de corrupção estão muito bem documentadas na maioria dos casos. Trata-se de uma crise terminal deste sistema político. Como tal, não passa de ingenuidade pensar que um novo processo eleitoral seja capaz de recuperar automaticamente a legitimidade do sistema diante das massas. A natureza especifica da crise atual exige um contra-ataque que deve ir além dos limites praticados pelas classes subalternas até o momento.
A gravidade do momento tampouco nos permite aceitar novas ilusões e oportunismos. Preocupado em garantir cargos nas Mesas Diretoras, Lula flertou com o apoio a Rodrigo Maia e Eunício de Oliveira para as presidências da Câmara e do Senado. Sugeriu que se abandonasse o discurso contra o golpe e, numa insuperável demonstração de sua vulgaridade política, deu conselhos ao corrupto Michel Temer durante as visitas da comitiva presidencial após a morte de Marisa Letícia. O que era “Fora Temer” foi desautorizado por Lula e convertido em: “Me chama, Temer”. Como parte integrante e personagem central, metido até as vísceras com um sistema político apodrecido, Lula jamais poderá representar a sua redenção.
O Brasil enfrenta uma encruzilhada em sua história. É uma batalha pela soberania nacional: permaneceremos controlados por um pequeno grupo de interesses completamente alheios aos da maioria do povo? Com a crise, abriu-se um espaço para o radicalismo de esquerda como há muito não existia no Brasil: é chegada a hora de substituir um sistema político falho e corrupto, por um governo de compromisso e vocação revolucionários.
As grandes nações do mundo nunca se furtaram a passar por processos revolucionários. Os países hoje avançados foram os que tiveram coragem para incluir capítulos revolucionários em suas histórias, cujas classes subalternas disputaram o protagonismo dos processos políticos nacionais.
O Brasil não faz parte deste clube. Por aqui, as grandes transformações sociais sempre ocorreram sob a bandeira da prudência e da conciliação. Foi assim para a Independência, mantendo a família real portuguesa no comando da nação; foi assim para a abolição da escravatura, só libertando os negros por completo quando já se havia importado o número suficiente de europeus e já se havia garantido que os futuros ex-escravos não teriam acesso à propriedade; foi assim para sair da ditadura civil-militar, com uma inaceitável lei de anistia que equiparou torturadores e torturados na hora do perdão. Transições levadas a cabo pelo comedimento e o bom comportamento para que sempre predominasse a velha máxima: mudar algo, para que tudo permaneça como está.
A recompensa pela cautela brasileira na hora de promover grandes transformações sociais nunca foi além de um misto de simpatia e compaixão mundial. Por aqui, a classe dominante sempre alimentou o mito de que nosso exemplo de conduta cordial e diplomática nos levaria, naturalmente, ao rol das grandes nações desenvolvidas do mundo. Assim aguardamos desde sempre a concretização do surrado e idealista bordão: “Brasil, o país do futuro”.
Aos desavisados e irritantemente pacientes com o ritmo lento do desenvolvimento do subdesenvolvimento brasileiro, um recado: não há rigorosamente nada que assemelhe o passado dos países de capitalismo avançado ao presente da periferia capitalista. Por consequência, não há como esperar que o presente destes países possa ser, sob estas as mesmas circunstâncias, o nosso futuro.
Nesta encruzilhada histórica, a única saída é criarmos nosso próprio caminho. É urgente rompermos com os modelos do passado e abrirmos nós, brasileiros, um novo capítulo na história mundial. Caminho que passe pelo que há de positivo na experiência universal, certamente. Mas que, como expressão de maturidade política, saiba dizer não aos velhos esquemas de desenvolvimento importados de fora, que em nome de um universalismo abstrato negam o caráter nacional das diversas revoluções da história mundial.
Não podemos mais assumir postura meramente defensiva e nos tornarmos cativos da trincheira. É hora de sair e tomar a bandeira do inimigo. O rompimento com o marasmo coletivo e o fim do hiato que separa o Brasil potencial do Brasil real passa, necessariamente, pela Revolução Brasileira.

Dissipando ilusões
Os últimos 13 anos representaram enorme retrocesso político e organizativo para a maioria da população brasileira. O povo, orientado por suas necessidades imediatas, embarcou na narrativa oficial de que os ganhos reais no salário mínimo, a expansão do ensino superior (predominantemente privado), as modestas taxas de crescimento do PIB e uma pretensa respeitabilidade internacional teriam caráter permanente. Subitamente o Brasil se transformara num “país de classe média”. Uma combinação ideológica que inflou a autoestima do Brasil e dos brasileiros permitindo a “paz social” que tanto encanta os capitalistas no país.
Os dados são tão impressionantes quanto ilusórios. O estudo da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República definiu como “nova classe média”, as famílias com renda per capita entre R$ 291,00 e R$ 1.019,00. Portanto, não é demais dizer que nem mesmo Lula, Dilma ou seus lacaios burocratas que formularam o novo conceito gostariam de pertencer à nova classe média brasileira. Além do mais, não existe a menor possibilidade de uma nação se sustentar como país de classe média com consumo de massas quando os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apontam que 80% da População Economicamente Ativa do país ganha até 3 Salários Mínimos, o que totaliza pouco mais de R$ 2.800,00, enquanto o salário mínimo necessário, calculado pelo DIEESE, deveria ser de aproximadamente R$ 4.000,00. Enfim, onde comanda a superexploração é impossível qualquer vestígio de cidadania!
Para além dos méritos de um governo com o mínimo de sensibilidade social, o efeito passageiro da elevação da renda da terra vivida até 2013 foi resultado de um momento excepcional do comércio internacional. Como é típico de países que não viveram processos revolucionários, a expansão econômica não alterou a relação entre economia, Estado e classes sociais. Na verdade, ocorreu o contrário: do ponto de vista político, os cargos estratégicos que Lula e Dilma concederam a personagens como Edison Lobão, Eunício Oliveira, Geddel Vieira Lima, Romero Jucá, Eliseu Padilha, Gilberto Kassab, Helder Barbalho, Kátia Abreu, Moreira Franco, José Sarney e Renan Calheiros só contribuíram para o reforço às velhas oligarquias regionais e ao caciquismo partidário; do ponto de vista econômico, a expansão baseada na renda da terra, comandada pela grande propriedade agroexportadora e o extrativismo mineral fez com que a área ocupada pelo latifúndio no Brasil quase dobrasse, avançando de 128 para 244 milhões de hectares durante os governos petistas[1]; do ponto de vista social, a participação dos 5% mais ricos no total da renda nacional sob a condução do Partido dos Trabalhadores avançou de 40 para 47%[2], ou seja, a atenção às camadas populares só avançou na medida em que não foi preciso tocar num milímetro do prestígio social, na propriedade e no poder dos ricos do país.
Isto aconteceu porque, durante os últimos 20 anos, o liberalismo brasileiro de esquerda e de direita aceitou, sem contestações, a tese de que o sistema político é regido pelo malfadado “presidencialismo de coalizão”. Em linhas gerais, os partidos da ordem conformaram-se com a ideia de que a política brasileira é inviável sem um amplo acordo com base no congresso nacional, pois a sociedade brasileira seria por demais “complexa” e “diversa”. A “tese” possui clara função ideológica: é a melhor alternativa disponível para sabotar o presidencialismo como regime político e justificar o pacto entre as classes dominantes.
Não é a primeira vez que a burguesia brasileira lança mão de estratégias para esvaziar o significado do presidencialismo. Na década de 60, logo após a renúncia de Jânio Quadros, alguns setores militares e parte da elite brasileira defendiam o impedimento do vice-presidente e a convocação de novas eleições, quando a Constituição apontava que João Goulart deveria assumir a cadeira presidencial. Diante da situação, Leonel Brizola comandou uma mobilização com comícios populares em 1961. Com a Campanha da Legalidade, a classe trabalhadora organizou a resistência e defendeu a posse de João Goulart. A organização das bases populares foi de fundamental importância para que os militares não dessem o golpe ainda naquele ano. Pouco mais de 30 anos depois, em 1993, uma nova investida burguesa foi realizada nas rebarbas da saída de Fernando Collor e num cenário de imensa insatisfação das massas. Como na década de 1960, o parlamentarismo foi rechaçado pela maioria do povo.
            Como o pacto de classes precisava manter intacto o sistema político para sua própria sustentação, o presidencialismo de coalizão virou condição necessária para a vitalidade do esquema. A partir disso, a política brasileira se vulgarizou e se deteriorou aceleradamente. Através dele, virou regra o loteamento de cargos, os acordos de cúpula, as constantes trocas de legenda, o inchaço no número de partidos e o completo descolamento entre o parlamento e os interesses populares. A despeito do rechaço popular crescente, o sistema foi, durante 20 anos, funcional para a classe dominante, pois serviu para limitar os poderes presidenciais aos olhos do povo e justificar as limitações políticas dos presidentes que adotaram o jogo da coalizão, esterilizando as virtudes potenciais do regime presidencialista brasileiro. Sob o pretexto da sustentação da “governabilidade”, o presidencialismo de coalizão torna virtualmente inócuos os verdadeiros poderes do Presidente. A Revolução Brasileira deve recuperar a força do presidencialismo real, sem coalizão. Não há que alimentar ilusões no parlamento e nas alianças que somente se justificam se realizadas com o povo. Um presidencialismo em que o poder da liderança convoque as massas e de fato altere a correlação de forças em favor das maiorias. Em suma, o presidencialismo, nas condições atuais, é o regime mais democrático que poderíamos inventar para superar uma sociedade desigual e anti-democrática como o Brasil.

Aprofundamento da dependência
Do ponto de vista econômico, os últimos anos significaram uma brutal regressão do Brasil na divisão internacional do trabalho. O período devolveu o país ao fim da década de 70 em termos de perfil do comércio exterior, pois voltamos a exportar mais bens primários do que manufaturados. A participação da indústria no PIB caiu para o mesmo patamar da década de 40, período do início da industrialização brasileira, inferior a 10%[3]. A burguesia industrial se desnacionalizou e se converteu em mera burguesia comercial parasitária: compra, monta e revende produtos importados. Em 2016 o balanço de pagamento registra pagamento de 19 bilhões de dólares em importação e aluguéis de equipamentos, justamente o setor de produção que poderia garantir níveis crescentes de produtividade endógena. Por conta disso, as contas nacionais sangram, pois são drenados para o estrangeiro mais de 45 bilhões de dólares todos os anos em fretes internacionais, remessas de lucros para a sede das multinacionais, pagamentos de propriedade intelectual e aluguel de equipamentos não-nacionais[4].
Os investimentos no latifúndio foram turbinados, enquanto se manteve estagnada a agricultura familiar. Quando a crise capitalista reduziu a rentabilidade do capital agrário, em 2012, prontamente se conseguiu a revisão do Código Florestal, fazendo com que a expansão da fronteira agrícola pudesse compensar em volume produzido a queda nos preços internacionais. Só em 2015, já com as contas estranguladas pela crise financeira do Estado, foram destinados nada menos que 43 bilhões de reais em subvenções para o latifúndio. Não por outra razão, mesmo “contrariando seu partido”, mas em completa comunhão com sua classe de origem – o  latifúndio – a senadora Kátia Abreu foi tão fervorosa na defesa de Dilma durante o processo de impedimento. Assim, os latifundiários tinham o governo Lula/Dilma e contavam também, comodamente, com o futuro governo Temer.
O capital financeiro elevou as taxas de juros a patamares estratosféricos, fazendo a festa das altas finanças que especula com os títulos da dívida pública. Acumulam riqueza com a permanente renegociação da dívida com remuneração excepcional e assim se deleitam com a maior fonte de acumulação de capital da burguesia doméstica. Nos últimos anos, os valores pagos à rapinagem financeira foram pelo menos dez vezes maiores do que o orçamento da saúde no Brasil. A força do rentismo explica o fato de o país manter a maior taxa de juros do mundo desde 1994, início do Plano Real. Ao mesmo tempo em que atrofiaram a indústria, Lula e Dilma anabolizaram os industriais, latifundiários e especuladores financeiros: todas as expressões máximas da burguesia rentista que comanda a República.

O fim do pacto e a dinâmica da crise
Em 2013, as manifestações populares escancararam a crise do sistema político brasileiro, com generalizado repúdio aos partidos políticos de qualquer agremiação. Aquela surpreendente manifestação de rebeldia representou oportunidade para juntar o apelo popular a reformas estruturantes que destravassem o desenvolvimento econômico do país. No entanto, Dilma optou por lançar um pacto, junto a governadores e prefeitos das principais capitais do país, assentado sobre 5 pontos: a manutenção do compromisso com a política de corte de gastos, reforma política, saúde, educação e transporte. Com o primeiro – a “responsabilidade fiscal” – a presidente ratificou que se manteria fiel aos pilares do projeto econômico da classe dominante, aniquilando qualquer chance de êxito dos outros quatro.
A visão ingênua do pacto supõe a união nacional em torno de um objetivo comum. No entanto, o pacto de 2013 já nasceu mutilado, pois ignorou a parte mais interessada, o povo. Dilma descartou uma excelente chance de convocar a população para conduzir o processo, nos moldes do que deve ser um regime democrático de fato. Ao invés disso, preferiu o acordo com a classe dirigente, atirou os trabalhadores à própria sorte e mais tarde pagou o preço pela escolha: sem mobilização popular e sem jamais convocar o povo para a resistência, foi presa fácil das instituições burguesas corruptas que comandam o país.
A manutenção do rentismo exige compromisso com a austeridade fiscal que deita raízes sobre a Lei Complementar n. 101, chamada ideologicamente de “lei de responsabilidade fiscal”. Desde 2000, a lei estrangulou as contas dos estados e municípios e a população acompanhou um acelerado processo de sucateamento da prestação de serviços de saúde, educação, transporte e segurança cujo objetivo é a privatização das empresas estatais do setor de serviços que ainda restaram aos estados, exemplo do Barisul no Rio Grande do Sul ou Cedae no Rio de Janeiro. Na época, o objetivo declarado pela classe dominante era o de gerar uma poupança extraordinária para pagar juros da dívida pública e controlar sua multiplicação. No entanto, o balanço final foi uma economia recorde nas contas públicas, com média de 3% do PIB até 2010. A dívida pública passou de 64 bilhões para 4,5 trilhões de reais. Num novo esforço por tentar produzir uma poupança extra e sinalizar que, por pior que seja o momento econômico do país, o pagamento religioso dos rentistas não será afetado, a classe dominante brasileira idealiza o congelamento dos gastos sociais.
A PEC do congelamento nada mais é do que um aprofundamento da austeridade fiscal em vigor desde os anos 2000. Ela cristaliza o ajuste e torna o enxugamento de gastos com o serviço público um compromisso permanente do Estado brasileiro, impondo uma pesada economia em gastos sociais por 20 anos para pagar juros de uma dívida pública que possui um mecanismo de multiplicação historicamente independente da disciplina fiscal. Na origem tanto da “lei de responsabilidade fiscal” e da PEC do congelamento dos gastos sociais está a manutenção do rentismo financeiro, que rende lucros suculentos aos grandes conglomerados financeiros nacionais e estrangeiros, patrocinadores de campanhas eleitorais, anunciantes na grande imprensa e principais detentores de títulos da dívida pública brasileira.
Em resumo, o PSDB criou o Plano Real e o PT assumiu o poder introduzindo na lógica de acumulação de capital na periferia o atendimento da questão social. Mas o respeito à austeridade fiscal permite apenas migalhas para o atendimento das demandas sociais, fato que pode ser observado quando o principal programa social do governo ―o Bolsa Família― consome meros 0,47% do PIB, enquanto o custo da dívida leva quase 9% da renda nacional anualmente para os banqueiros. Foi neste contexto que o petismo representou tão somente uma perversa modalidade de “digestão moral da pobreza” na qual os trabalhadores permaneceram submetidos à superexploração da força de trabalho ― garantia de super-lucros à todas as frações do capital― mas foram compensados com programas sociais, que eternizam os pobres como mera força de trabalho à inteira disposição da reprodução ampliada do capital. Com o fim da bolha de crescimento baseado na renda da terra, o recado do período que se inicia em 2013 é que o sistema político brasileiro se revelou incapaz de oferecer respostas diante da primeira grande explosão de massas após muitos anos de paralisia social. As jornadas de junho de 2013 não foram mero protesto popular merecedor de nosso aplauso, sua real importância reside, de fato, na capacidade que revelou de indicar os limites e mesmo o esgotamento do pacto de classes no Brasil.
No terreno da consciência ingênua, cuja melhor expressão é o comportamento e discurso do eleitorado petista, criou-se a esperança de que, renovada a confiança eleitoral em 2014, Dilma finalmente daria uma “virada à esquerda” no segundo mandato. Aquela virada que a consciência ingênua esperava desde o governo Lula, mas que o líder do partido nunca quis fazer, pois não estava disposto a arriscar seu prestígio junto à classe dominante para cumprir uma função esperada historicamente pela militância. Como um portador crônico de dislexia, sempre que desejava uma guinada à esquerda, o petismo rumava mais e mais à direita.
A despeito de ter centrado toda a sua campanha de 2014 no ataque às políticas de austeridade econômica – e ganhar a eleição, com margem mínima, exatamente por isso – Dilma não vacilou em aplicar integralmente a agenda do candidato derrotado após o pleito. Montou um ministério com figuras orgânicas da burguesia brasileira e avançou na guerra contra os direitos trabalhistas e previdenciários, desenhando o traçado para que o rolo compressor de Temer viesse na sequência. As propostas vieram acompanhadas do maior contingenciamento orçamentário da história do país, da ordem de R$ 80 bilhões.
Como já era de se esperar, os cortes só fizeram crescer a crise brasileira. Com a notícia de que o Produto Interno Bruto havia caído 3,8% em 2015, a burguesia brasileira apertou o gatilho e bradou: “vamos ao golpe”! A gravidade da crise econômica não era mais compatível com o ritmo lento do PT em fazer as reformas necessárias em favor da acumulação de capital. Dilma e o PT deixam o governo não por suas virtudes na execução das "políticas de inclusão social", mas precisamente pelo esgotamento de sua capacidade de condução do projeto burguês do país, pautado na modalidade de aliança de classes com subalternização dos trabalhadores e ausência de protagonismo popular. Assim, compreendem-se as razões pelas quais o petismo não podia recorrer às massas na defesa contra o que de maneira oportunista chamava de “golpe” porque sabia que, neste terreno de crise, uma vez na rua amplos setores sociais sairiam de seu comando ou influência. Eis a razão última do bom comportamento e inclusive certa paralisia petista diante da ofensiva burguesa.
É importante salientar que Temer nada tem de traidor. Para ser um traidor, Temer teria que ter demonstrado, alguma vez, apreço por um projeto popular. Nunca foi o caso. Os governos petistas contaram com Temer para dar vitalidade e sustentação à coalizão de governo, que pretensamente garantiria a “governabilidade”. Sabia-se, desde sempre, que Michel Temer (assim como Eduardo Cunha, José Sarney, Renan Calheiros, Henrique Alves, entre outros) são legítimos representantes da classe dominante. A famigerada carta “vazada” do vice-presidente não expressa, portanto, uma carência pessoal, mas sim o clamor da burguesia por decisões que resolvam o problema da rentabilidade do capital. A crise brasileira fez com que um político sem carisma, inexpressivo e que jamais venceria uma eleição com o voto popular aparecesse para tentar conduzir o projeto da classe dominante. Michel Temer não é nada mais que um produto da crise.
Ainda como interino, Temer jamais duvidou que seria efetivado, e já nos primeiros dias de comando nomeou seu próprio ministério. Por outro lado, nada ilustra de forma tão cristalina a incapacidade do atual sistema político brasileiro de lidar com a crise quanto o fato de que nada menos que 7 nomes fortes da composição do governo Temer foram ministros, líderes de governo e presidentes de estatais da coalizão petista[5].
Ciente da necessidade de imprimir o ritmo mais acelerado possível para satisfazer os interesses da burguesia brasileira, Michel Temer coloca em prática um programa de governo ultraliberal, cuja expressão mais acabada se consagra no documento lançado pelo PMDB ainda em outubro de 2015, intitulado “uma ponte para o futuro”, um manifesto do liberalismo de direita no país.

O governo corrupto de Michel Temer é a resposta da classe dominante
Rosa Luxemburgo elucidou como ninguém a importância das reformas na luta revolucionária. Para esta extraordinária pensadora, existe um vínculo indissolúvel entre as reformas e a revolução social. No Brasil, o empobrecimento da práxis política nos últimos anos foi tal que amplos setores sociais identificaram meras políticas sociais como expressão de um programa de reformas. Nada poderia ser mais nefasto! As políticas sociais – mais ou menos amplas segundo a vocação de um governo – jamais podem ser confundidas com um programa de reformas (reforma agrária, extinção do senado e constituição de um sistema unicameral, lei para limitar a remessas de lucros, reforma urbana, etc) dignas deste nome pois, além de conquistar o apoio ativo das classes populares, as reformas necessitam tocar as bases do poder da classe dominante. Portanto, reformas são aqueles que enfrentam o poder de classe da burguesia no terreno da propriedade e do poder político.
O petismo renunciou às reformas e também por isso fracassou historicamente. Quando se propuseram a fazer reformas, estas não passaram de contrarreformas burguesas. Começa em 2003, primeiro ano do governo Lula, com a realização de uma contrarreforma da previdência, destrutiva aos direitos dos trabalhadores, e termina em 2015, com o início da contrarreforma trabalhista de Dilma (mudanças no seguro-desemprego e no abono indenizatório). Assim, um governo que se dizia popular, não retomou a vitalidade do debate revolucionário sobre as reformas, mantendo viva a operação orwelliana iniciada pela ditadura civil-militar brasileira, que atribuía o termo simpático das reformas a contrarreformas favoráveis ao capital e destrutivas ao povo. Por esta razão, ao negar as reformas estruturais anti-capitalistas, seus sucessivos governos restaram vitalidade as políticas públicas: sem reformas profundas as política públicas não encontram amparo social e viabilidade histórica. Neste contexto, é preciso dizer que o governo de Temer se beneficia enormemente da herança petista para levar adiante o seu próprio projeto de contrarreformas.
Em pouco tempo, o novo presidente provou a que veio. A aprovação da PEC 55, que limita os gastos primários do governo à inflação, representa a injeção letal que significará a morte lenta do raquítico aparato de serviços públicos que conseguiu se estruturar no capitalismo dependente brasileiro. Na prática, seremos devolvidos à década de 30 do século passado, gabaritando o Estado para se consolidar no posto de maior violador dos direitos humanos no país. Trata-se de um país que sequer consegue resolver as questões de acesso aos direitos mais elementares. De quebra, as medidas representam um sonoro adeus às ilusões de cidadania para todos, alimentada pela débil ideologia dos governos de Lula e Dilma e incompatível com a natureza do subdesenvolvimento.
O propósito dos cortes não é outro senão garantir que, pelos próximos 20 anos, todo e qualquer aumento real da receita brasileira com impostos, taxas e contribuições vá, sem vacilações, alimentar os extraordinários lucros dos bancos e dos empresários rentistas que operam o sistema financeiro nacional. Estes detentores da dívida pública brasileira pertencem ao estrato do capital que mais lucra com a crise financeira do Estado, fazendo da ruína da classe trabalhadora brasileira a fonte de sua fortuna[6]. Realizam uma verdadeira pilhagem dos recursos públicos e quitam, todos os anos, quase metade de tudo que se arrecada no Brasil (45%), gastos em pagamento de juros, amortizações e o altíssimo custo de renegociação da dívida pública brasileira.
Na guerra de classes desatada contra o povo, Temer apresentou o projeto de supressão da previdência social. Hoje em dia, os aposentados brasileiros são responsáveis por ¼ dos lares do país. Deste total, boa parte segue trabalhando, mesmo depois de se aposentar. Portanto, trabalhar até morrer já é uma realidade nacional. A diferença, daqui para frente, é uma inversão: se antes o trabalho servia para complementar a renda da aposentadoria, agora trabalhar na velhice será um imperativo, que poderá (ou não) ter como adicional a previdência pública, já que na prática, a “reforma” de Temer representa a extinção do sistema previdenciário.
O terceiro elemento dos ataques da classe dominante brasileira, capitaneados por Michel Temer, acontece pela via da supressão de direitos trabalhistas. Expande-se o limite do emprego temporário sem vínculo empregatício por até 8 meses, coloca-se a possibilidade de redução do intervalo de almoço de 1h para 30 minutos, o parcelamento das férias, a limitação do direito de greve, a remuneração por produtividade e a extensão da jornada de trabalho para até 12h. Para além disso, o postulado central da ofensiva burguesa contra os trabalhadores é a predominância do que for negociado diretamente entre patrão e empregado sobre o que está ou for legislado. Hoje em dia, a lei só permite este mecanismo para melhorar as condições do trabalhador; depois da alteração, poderá ser usada para a retirada de direitos. Na prática, Dilma abriu a cova e Temer jogará a pá de cal sobre a Consolidação das Leis do Trabalho.
No horizonte de 2017, Temer já flerta com medidas tributárias e uma “reforma” política. A primeira, seguramente, seguirá a tradição de aumentar a carga de tributos sobre a classe média e as classes populares, cujos impostos, taxas e contribuições consomem cerca de 54% dos rendimentos, enquanto para os ricos a carga tributária não supera os 7%[7]. A segunda, vinda de quem hoje compõe a classe política brasileira, sabe-se que será feita em causa própria, para proteger a canalha do poder, garantindo que um punhado de delações premiadas lhes permita a impunidade e tornozeleiras eletrônicas não sejam empecilhos para a manutenção de relações preciosas com o Estado.
No geral, a estratégia da burguesia brasileira é insistir que não há alternativa. Tentam dar a impressão de que os cortes fazem parte de um pacto nacional destinado a recolocar o país numa trajetória de crescimento econômico. A refutação da lógica do pacto mutilado para enfrentar a crise vigente se organiza sob dois aspectos, um de ordem interna e outro de ordem externa. Internamente, percebe-se que o governo corrupto de Michel Temer não está de forma alguma comprometido com o ajuste das contas nacionais, pois não vacila em abrir a mão para garantir sua manutenção no cargo junto àqueles que apoiaram o golpe dado contra a classe trabalhadora: reajusta em 41% os salários do judiciário, aumenta em 65% os gastos com publicidade na mídia dominante e cria cargos comissionados na tentativa de agraciar seus aliados políticos. Por suposto, medidas como estas precisam ser interpretadas para além do denuncismo infantil. É preciso entender que a compra direta da sustentação política só demonstra um dado cabal da realidade: o governo Temer é irremediavelmente instável. Por isso mesmo, Temer é excelente para classe dominante, que condiciona a permanência do presidente à realização dos ataques aos trabalhadores. Não por acaso, Lula antecipou que a consigna “fora Temer” é descabida, da mesma forma que Ciro Gomes sugere a superação do discurso do golpe. Ambos querem a manutenção do atual sistema político e o calendário de 2018 intacto certos que poderão capitalizar o amplo e crescente descontentamento popular com o governo corrupto de Temer.
Externamente, o silêncio impera, pois simplesmente não há exemplos para mostrar o êxito de políticas semelhantes. México e Peru, os modelos mais estruturais da direita latino-americana, caminham aceleradamente para se tornarem narco-estados, a exemplo da Colômbia. No comportado Chile os resultados são pífios e o governo de Bachelet é precocemente envelhecido. A crise na segurança pública neste começo de 2017 ilustra o poder do crime organizado no Brasil e nos coloca também a passos largos exatamente na mesma rota. A Argentina, exemplo mais recente de uma exitosa vitória eleitoral da direita sob a velha roupagem do “empresário não-político”, encontra-se mergulhada em profunda crise, sem retomada de investimentos e com desemprego em alta, estagnação econômica e inflação de 40% ao ano. Na América Latina, os anos recentes repercutiram uma vez mais a fórmula do desenvolvimento do subdesenvolvimento, através da qual a acumulação esporádica de capital reacende esperanças de mudança na região. No entanto, sem as reformas necessárias no contexto de um processo revolucionário e o protagonismo popular nas grandes escolhas que definem o rumo da nação, momentos especiais como o vivido recentemente jamais serão capazes de libertar o continente dos grilhões da dependência e do subdesenvolvimento.

A que herança renunciamos?
A Revolução Brasileira renuncia à herança que abandonou a luta contra a dependência e o subdesenvolvimento. É preciso ter consciência de que a busca pela efetiva soberania nacional jamais poderá ocorrer sob a ordem burguesa, a despeito das virtudes de um e outro governo. Os dois mandatos de Lula e, depois, a eleição de Dilma nos deixam a lição de que governos de composição de classe orientados pela governabilidade e sem perspectiva de ruptura com a ordem burguesa servem exclusivamente para acomodar os interesses das classes dominantes com renovada e finita legitimidade. É preciso recuperar, portanto, a perspectiva da longa duração e das lutas nacionalistas e revolucionárias.
Um governo revolucionário renunciará à atual posição ocupada pelos sindicatos e movimentos sociais brasileiros, de extrema docilidade e incapacidade de enfrentamento aos ataques promovidos contra as condições de vida do nosso povo. O pacto de classes promovido pelos governos do PT teve largo efeito sobre as direções do movimento sindical e social. Abandonou-se o horizonte transformador radical, a luta pelo socialismo que embalou a origem da CUT e do MST. Adotou-se a regressão política dos diálogos sociais, as mesas tripartites, as negociações coletivas sem conflito, enfim, a restrição da luta política da classe trabalhadora aos ditames restritos dos gabinetes, promovendo uma ruptura sem precedentes entre a classe e as burocracias sindicais. Aqueles sindicatos que surgiram combativos, frutos da classe trabalhadora em luta, foram pouco a pouco cedendo a radicalidade para a política de “defesa da governabilidade”. Abandonaram a formação política e bloquearam internamente o marxismo, por determinação das cúpulas dirigentes, muito antes da eleição de Lula em 2002. Abraçaram a formação tecnicista dos seus quadros, rebaixando a vanguarda dirigente da classe trabalhadora a mera burocracia da estrutura sindical. Era uma clara estratégia de desarmar a classe trabalhadora para poder conduzir com maestria o pacto de classes.
Após a eleição de Lula, rebaixaram sistematicamente o horizonte da política sindical. A atividade política dos sindicatos e movimentos sociais, que precisa ter um caráter eminentemente emancipatório, rompendo com a alienação do cotidiano capitalista, foi silenciosamente transformada em defesa das políticas públicas do governo. Ou seja, a tão almejada autonomia sindical, um dos fundamentos da origem da CUT, foi substituída pelo sindicalismo de Estado, pelo sindicalismo de resultados e por algo extremamente deletério para a classe: o sindicalismo empresarial atrelado ao rentismo, onde dirigentes sindicais passaram a ser gestores de poderosos fundos de pensão, trazendo uma nova razão de funcionamento para os sindicatos, totalmente contraditória às lutas dos trabalhadores.
Sindicatos comportados, cumprindo apenas suas atribuições legais regidas pelo Estado burguês, buscando sempre o “mal menor” nas negociações salariais, foram pouco a pouco adormecendo a combatividade dos militantes mais antigos e deformando os militantes mais jovens que recém começam na atividade política. O despreparo dos sindicatos outrora combativo e mais ainda o sindicalismo de resultado se pode ver de maneira clara diante da ofensiva da classe dominante. Um exemplo disso foi o “Programa de Proteção ao Emprego”, criado ainda no governo Dilma, que protege os lucros dos grandes industriais às custas do Fundo de Amparo ao Trabalhador e da redução dos salários e da jornada de trabalho. Certamente o programa nunca objetivou proteger empregos, uma vez que seu alcance foi praticamente nulo: 63 mil trabalhadores[8], cerca de 0,1% dos empregados na formalidade. Ao promoverem acordos desse tipo, os sindicatos retrocedem perante as bases, rebaixam o nível de consciência e agem como meros colaboradores da burguesia, deixando passar a oportunidade de atuar de forma combativa e de legitimar-se através da luta junto às bases.
O mesmo acontece com os movimentos sociais. O MST, por exemplo, marginalizou em sua atuação política o tema da propriedade. Nos últimos 13 anos, passou a operar uma linha centrada na busca de recursos públicos para o fortalecimento das cooperativas de produção, nos debates sobre economia solidária e na agroecologia. A consequência prática do “melhorismo” ao invés da radicalidade ficou evidente quando Dilma foi quitada do poder e a ameaça do “exército de Stédile” jamais apareceu.
Ao incorporarem a razão de Estado e se adestrarem tal qual o modelo importado do sindicalismo europeu, os sindicatos se tornaram meros intermediadores entre os anseios de suas bases e as negativas patronais; rebaixando a luta sindical à ilusão de estar gerindo o capitalismo em pé de igualdade com a burguesia. Distantes da perspectiva de classe e da luta política, muitos sindicatos passaram a ofertar serviços assistenciais e planos de saúde para aproximarem-se dos trabalhadores; quando isso expressa justamente o contrário: a total ausência de um vínculo real com a base. No lugar de canalizar e protagonizar lutas, o sindicato se conforma como um braço do Estado e se vincula de maneira artificial aos trabalhadores da base.
Os sindicatos ficaram cativos de suas próprias ilusões. A Revolução Brasileira faz um chamado aos dirigentes sindicais e sociais ainda combativos, para que possamos juntos restituir o papel do militante combativo e transformador, liderança perante as bases, refundando um movimento sindical e social poderoso, que possa ser um alicerce do avanço e resistência na atual guerra de classes.
Renunciamos à herança dos que não fizeram a real batalha da comunicação. Os governos petistas não só não encamparam a luta contra os monopólios midiáticos como endossaram a cobertura da imprensa dominante. Quando se viram desassistidos e na iminência da perda do poder, “descobriram” que os grandes grupos de comunicação tinham descartado a alternativa petista. Temos profunda clareza de que a cobertura midiática dominante não guarda qualquer relação com as demandas populares, senão com a representação de seus próprios interesses. Possui uma agenda política definida e, como classe dominante que é, apresenta soluções profundamente anti-povo. Cientes de que a corrupção é a regra do sistema político, mídia e sistema financeiro fabricam uma opinião pública dócil e compreensiva. No entanto, a narrativa fantasiosa já não produz o mesmo efeito.
Também julgamos fundamental renunciar à herança que reduz o pensamento de esquerda à busca pela justiça social. Governos assentados sobre as políticas públicas como forma de correção das injustiças e desigualdades produzidas pelo capitalismo cometem o erro histórico de considerar a população como objeto, e não como sujeito da política. Sem o devido caráter emancipatório que deve acompanhá-la, a busca pela justiça social, como tal, só alcançou horizontes limitados nos países avançados e bastou a crise capitalista de 2008 para varrer as garantias e acentuar a luta também no centro do sistema. Na periferia capitalista, é preciso mais do que nunca perceber que tais elementos de justiça social são absolutamente impraticáveis. Ao fim e ao cabo, não há conciliação possível entre os detentores dos meios de produção e os trabalhadores que tenha longa duração e seja permanentemente aperfeiçoada. O governo atuou, por algum tempo, concedendo benefícios às elites no atacado e concessões ao povo no varejo. Logo veio a crise capitalista e deixou cristalina a natureza do sistema: os interesses de patrões e empregados são divergentes e inconciliáveis. Atuemos, portanto, em consequência: é chegada a hora da Revolução Brasileira.
A reação popular diante dos ataques à sua condição material não pode mais se organizar dentro das regras do jogo da correlação de forças atual, ainda que não estejam descartadas valiosas vitórias pontuais na luta institucional. Em todos os três poderes da República só há espaço para pequenos êxitos. A despeito da eleição de alguns deputados e senadores mais combativos, um ministro e/ou secretário de governo mais atento às demandas populares e uma ou outra decisão judicial favorável, nenhuma destas situações dará conta de recuperar a acelerada deterioração das condições de vida do povo. O balanço dos governos petistas é a domesticação completa da luta. Muitos dos ativistas de outrora com capacidade dirigente se transformaram em burocratas, com espírito de luta e compromisso teórico limitados, reféns da razão de partido e aprisionados pelo horizonte ultralimitado das “políticas públicas de inclusão social” e “acesso à cidadania”. Mantida a estratégia atual, os sucessivos ataques vão condicionar a agenda de lutas e ditar um ritmo reativo de mobilização. Pauta a pauta, os sindicatos e movimentos sociais que se incorporaram como funcionários de Estado tentarão se organizar para barrar a ofensiva burguesa.
O fundamental a se compreender é que, neste momento, a classe dominante não promove seus ataques com arco e flecha, mas com uma metralhadora giratória. Diante desta constatação, é preciso tomar consciência de que não há espaço para a organização de uma resistência temática, na base do “ponto a ponto” ou de “uma luta de cada vez para não nos esgotarmos”. O resultado prático desta estratégia de luta foram as derrotas acachapantes de sindicatos e movimentos sociais em 6 meses de governo Temer. O governo declarou uma guerra de classes aos trabalhadores e é preciso dar uma resposta à altura.
Portanto, não haverá saída possível para a crise atual por meio da velha articulação parlamentar, do acordo sujo, da moderação cínica e da falsa prudência, pois o cenário é adverso e o pacto de classes ruiu. Ainda que elegêssemos 80 deputados sensíveis às demandas da classe trabalhadora o resultado prático seria inócuo, pois eles seriam completamente impotentes no parlamento diante da atual ofensiva burguesa. Fomos jogados num poço recessivo que se traduz em mais de 23 milhões de trabalhadores em situação de desemprego aberto[9] e entra em seu terceiro ano sem qualquer perspectiva de melhora. A ofensiva da burguesia brasileira na busca pela manutenção de seus privilégios e seu prestígio de classe, portanto, coloca claramente o tema da polarização e do necessário radicalismo político para enfrentar as lutas que ocorrem e as que se avizinham.
A resposta aos nossos males, logo, não pode depender da atual legislatura. A práxis política que emerge da conjuntura atual para os parlamentares identificados com as lutas populares e a transformação do país deve se despir de ilusões e injetar em si e nas massas que os acompanham a ousadia necessária para o rompimento com o pacto que sustenta o sistema político vigente. A erupção das massas na política representa a única possibilidade de enfrentar as limitações deste sistema político, que se provou incapaz de nos levantar da condição de nação subdesenvolvida.
Aos companheiros de luta que não se encontram vinculados a nenhuma função no Estado burguês cabe a tarefa de pensar e organizar o divórcio com a democracia burguesa e a implantação da democracia participativa. Não há outra alternativa de atuação política neste momento que não seja o horizonte revolucionário.

Conciliação de classes e corrupção

A corrupção no Brasil tem sido tratada de maneira conveniente como um problema de ordem moral, sem vínculo com o funcionamento do sistema político. A conciliação de classe como projeto implica, necessariamente, em conivência com a corrupção e, em consequência, na simulação de combatê-la. A tese liberal de direita – defendida por Sérgio Moro – afirma que o estado foi capturado por uma organização criminosa encabeça por Lula. No entanto, as mesmas investigações revelam que no Rio de Janeiro emergiu outra organização criminosa encabeçada pelo ex-governador Sérgio Cabral. Além disso, há indicações escandalosas que existe também organizações criminosas tucanas atuando em São Paulo nos chamados “escândalos” do Metrô ou em Minas, encabeçada por Aécio Neves no “caso” de Furnas. Enfim, até mesmo os ingênuos percebem cada dia mais claramente que para além de eventuais organizações criminosas, o próprio Estado, na condição de “comitê de negócios da burguesia”, requer a corrupção como prática permanente entre os políticos profissionais e os capitalistas.
No lado oposto, não basta à esquerda afirmar “conduta republicana” na vã tentativa de eludir a diferença entre “poder” e governo, erroneamente considerada doutrinária na esquerda de orientação liberal. Tampouco basta afirmar a necessidade de políticos probos e limpos, é necessário indicar que o sistema político petucano não somente se nega a reformar mas é incapaz de enfrentar a corrupção e não encontra força capaz de impedir sua ação em seu interior.
Além de tudo, os promotores de Curitiba, disciplinados na arte de não tocar nos honoráveis bandidos, respeitam escrupulosamente os limites da investigação em duas direções. A primeira é não tocar em tucanos de alta ou baixa plumagem. A segunda é manter as investigações longe do Banco Central, do Ministério da Fazenda e outros ministérios mais suculentos que as empresas até agora investigadas. Muitas vezes considerada como justiça “partidária” que persegue os petistas de maneira injusta, a atuação de Moro revela os limites da PF, do MP e dos tribunais numa sociedade de classe.
Em última instância, revela o caráter de classe da justiça e a impossibilidade de ir até o fundo e fim no combate a corrupção. Revela também o quanto um governo decidido em combater o caráter de classe do estado e da justiça burguesa pode fazer no comando das ações e não permanecer no discurso e ação liberal sempre limitada a cândida afirmação da autonomia da PF, o respeito à lista da OAB na indicação do Procurador Geral da República, e outras quinquilharias que agradam corporações e alimentam as ilusões próprias do “espírito republicano” que tanto encanta os liberais de esquerda e alimentam a acumulação de capital de uma burguesia rapaz e parasitária. 

Os desafios da esquerda e nossa opção pelo PSOL

            A natureza da crise atual impõe exigências que há muitas décadas não se apresentavam para os trabalhadores e a esquerda brasileira. Não sofremos a maior crise da história do país como indica a direita; a Revolução de 30 e a deposição do governo nacional reformista de João Goulart com a ditadura de 1964 foram resultados de crises muito mais profundas e amplas. A primeira abriu as portas para o desenvolvimento do capitalismo e as instituições decisivas para o país. A segunda, interrompeu a mais profunda experiência reformista de nossa história e exibiu os limites do reformismo político. No entanto, a diferença especifica da crise atual reside na natureza financeira da crise do Estado e não mero resultado de política fiscal irresponsável como pretendem ideologicamente os liberais (de direita e esquerda). Em resumo, afirmamos a crise do sistema político que sustentou a dominação burguesa até o momento, ou seja, o sistema petucano. É uma crise em que os pactos e a política de aliança possuem espaço reduzido para ganhar milhões de trabalhadores e as classes médias empobrecidas. A desnacionalização e redução da indústria, o caráter rentista do desenvolvimento capitalista, a ampliação da renda da terra, o assalto ao estado com mão cheia por meio da dívida pública e do endividamento externo implicou na declaração de guerra contra os trabalhadores por parte da classe dominante. Toda e qualquer tentativa de “mediação” somente favorecerá a classe dominante e implicará necessariamente em perdas materiais e grau de consciência para os trabalhadores. Neste contexto, a esquerda brasileira está chamada à renovação radical da práxis política e de seu programa.

Nas últimas décadas a opção pela atualização da Revolução Brasileira estava bloqueada pelo ritmo da transição da ditadura à democracia e pela democracia restringida derivada do processo. A emergência do PT, da CUT e dos movimentos sociais no processo de democratização foi tentativa de ampliação da consciência política por direitos fundamentais e ao mesmo tempo bloqueio da consciência crítica necessária para enfrentar o subdesenvolvimento e a dependência que marca o capitalismo no país. A erupção da crise, a declaração de guerra da classe dominante contra os trabalhadores e a soberania nacional revelou todos os limites do PT como também seu inexorável fracasso histórico. Neste sentido, o ideário petista não é apenas corroído pela corrupção do sistema político da qual faz parte essencial como partido da ordem, mas revela o quanto segue importante a constituição de um partido de massas, vinculado organicamente ao povo e pronto para o combate segue sendo absolutamente necessário.
Neste contexto, o PSOL tem méritos indiscutíveis, pois é partido que permite e, no limite, exige o exercício da crítica, além de espaço de experimentação de uma nova práxis que necessitamos produzir. No entanto, não se trata apenas de reconhecer o PSOL como uma frente política, mas de lutar no seu interior para a afirmação plena do socialismo como horizonte de nossas lutas e compromisso permanente da militância. Assim, observamos que o PSOL poderá ser valioso instrumento para a consolidação do Programa da Revolução Brasileira e somaremos esforços com milhares de outros militantes que já trabalham arduamente nesta direção e com este propósito.
O PSOL está convocado pela situação histórica a enfrentar este enorme desafio. Também participam deste horizonte o PCB, o PSTU, o PCO, o PPL e outros. A esquerda é chamada a unificar a luta de massas em função da ofensiva burguesa, mas, sobretudo atualizar o programa da Revolução Brasileira sem o qual se tornará inútil “espirito crítico” de partidos políticos que na prática reforçam a razão de estado e limitam o avanço da consciência crítica e socialista do trabalhadores. Enfim, o horizonte da esquerda não pode ser o de limitado espirito crítico do liberalismo ou ainda sua “ala esquerda”.
Nos países centrais esta linha representou a incorporação dos partidos socialistas à lógica da social-democracia europeia e, nos países periféricos, sob condições de dependência e subdesenvolvimento, não passa de farsa cínica. Um auxiliar da dominação burguesa cujas consequências observamos agora sob os escombros do fracasso histórico da política petista. É preciso entender que não devemos aceitar a correlação de forças supostamente adversa como justificativa para perpetuar formas de organização superadas historicamente.
É tempo da Revolução Brasileira. É tempo de novo radicalismo político, que já se manifesta de maneira plena na greve dos garis do Rio de Janeiro, nos metroviários em São Paulo, nos municipários de Florianópolis, nas ocupações das escolas em vários estados do país. É tempo de nova práxis marcada pela disciplina e exemplo dos militantes nos sindicatos, nas organizações estudantis, nas ocupações, nas associações de bairros, etc. O Programa da Revolução Brasileira exige um novo perfil de militância e renovado respeito pelo caráter de massas de entidades dos trabalhadores. A partidarização de sindicatos deve ceder espaço para a consciência crítica para além dos partidos atuais, inclusive do próprio PSOL.
Decidimos assumir o PSOL para implementar o necessário debate entre a tradição nacionalista tão vilipendiada pela direita em nosso país e o marxismo, tão diminuído nas filas da esquerda e no seio das classes subalternas. Decidimos assumir o PSOL para não permitir a morte da cultura nacional diante da ofensiva da indústria cultural metropolitana, especialmente estadunidense. Reivindicamos o caráter revolucionário que o nacionalismo pode assumir na periferia capitalista como parte indissolúvel da luta socialista, tal como demonstram as revoluções vitoriosas na história mundial.
Convocamos, pois, a todos para se somarem às fileiras de combate da Revolução Brasileira.

Nildo Domingos Ouriques
Daniel Corrêa da Silva
Elvis Poletto
Waldir Rampinelli
Manoela de Borba
Marcus Paulo Pessoa
Vanessa Canei
Arthur Dejean
Marino Mondek
Lucas Pottmaier Ávila
Felipe Maciel Martinez
Nelson Rolim de Moura
Jorge Henrique Peripoli
João Gabriel Almeida



[1] Dados do Incra
[2] Base de dados da PNAD e da Receita Federal do Brasil
[3] Fonte: <http://www.valor.com.br/brasil/4194804/participacao-da-industria-no-pib-volta-decada-de-40-diz-ibre>
[4] Fonte: série histórica do balanço de pagamentos do Banco Central do Brasil
[5] Eliseu Padilha, Romero Jucá, Geddel Vieira, Henrique Meirelles, Gilberto Kassab, Henrique Eduardo Alves e Gilberto Occhi
[6] Apenas no 3º trimestre de 2016, em plena crise, os maiores bancos do país lucraram juntos 13,5 bilhões de reais.
[7] De acordo com dados da Receita Federal do Brasil
[8] Fonte: www.dieese.org.br/notatecnica/2017/notaTec167PPE.pd
[9] Pessoas que procuraram trabalho de maneira efetiva nos últimos 30 dias e não exerceram nenhum trabalho nos 7 dias anteriores ao da pesquisa.