A
atualidade da Revolução Brasileira
A sociedade brasileira vive uma
verdadeira guerra de classes. Guerra
declarada pela classe dominante, que bombardeia diariamente o povo brasileiro
sem encontrar grande resistência. Refém do projeto conciliatório e desarmados
ideologicamente, os setores populares encontram-se em completa desorientação e
são incapazes de reagir e apontar qualquer saída ao povo brasileiro. O
contra-ataque só se mostra possível mediante um acerto de contas com o passado.
Esta guerra de classes contra o povo
começou entre 2014 e 2015, quando Dilma abriu a primeira fase do “ajuste fiscal”
e colocou restrições de acesso ao abono salarial, seguro-desemprego,
seguro-defeso, pensão por morte e auxílio-doença, tudo isso acompanhado do
maior corte de gastos da história do país, que paralisou a economia e deu o
gatilho para a escalada do desemprego. Em 2016, a artilharia de Michel Temer veio
ainda mais reforçada, com o congelamento de gastos sociais por 20 anos, o fim
do regime de previdência pública e a virtual supressão das leis trabalhistas.
Está em curso a operação que desvia mais ainda a riqueza nacional diretamente
para o bolso dos capitalistas, proprietários dos cartéis da corrupção que
comandam o país. Combinados, o programa de Dilma/Temer dos últimos 3 anos produziu
colossal massa de miseráveis no Brasil.
O pretexto para realizar estes ataques
aos trabalhadores é a crise. Nela cabem os mais cândidos discursos republicanos
e a preocupação com o futuro do país por parte dos políticos profissionais. No
entanto, sabemos que não há dois Congressos: os deputados e senadores que votam
sistematicamente o enforcamento da classe trabalhadora são os que mostraram
suas vísceras à população na fatídica votação do processo de impedimento de
Dilma Rousseff. Trata-se de um parlamento corrupto e na sua maioria absoluta
identificada com os ricos (latifundiários, banqueiros, industriais e
comerciantes). Enfim, um parlamento dominado pela classe dominante. Até mesmo o
sujeito mais distante da vida política sabe que o Congresso Nacional é, nas
condições atuais, um verdadeiro covil de ladrões, sem a menor autoridade moral
para votar qualquer matéria de interesse público.
Michel Temer, o atual presidente, foi
colocado na linha de frente num compromisso do PT/PMDB pela classe dominante
para gerenciar a artilharia pesada dos financiadores de campanhas, dos
sonegadores de impostos, dos políticos e empresários investigados pela Polícia
Federal e dos rentistas do sistema financeiro contra o povo.
A gravação das conversas entre Sérgio
Machado e Romero Jucá nos lembra que a guerra contra a classe trabalhadora não
pode prescindir de um pacto com o Supremo Tribunal Federal. A suspeita popular
que paira sobre a morte de Teori Zavaski enquanto viajava num jatinho com um
empresário-réu no STF e a escolha do crápula Alexandre de Moraes para a mais
alta corte do país não deixam dúvidas de que não há a menor possibilidade de
que o poder judiciário esteja blindado à podridão da política brasileira. Muito
menos deve-se alimentar esperanças de que um grupelho de promotores do
Ministério Público Federal possa realmente ser capaz de “passar o país a limpo”.
Esta deve ser opção descartada desde a largada. Os tribunais são elemento
central para promover uma roupagem institucional e legalmente válida que molde
as regras do jogo ao sabor dos interesses da classe dominante.
O fato é que o sistema político
brasileiro se mostrou incapaz de renovar-se e de oferecer respostas
satisfatórias à crise atual. Esgotou-se a capacidade de reorganizar um pacto de
classes, aliado ao fato de que os três poderes estão atravessados pela
corrupção, por práticas de poder nefastas e pelo aprofundamento do caráter de
classe do Estado. As acusações de corrupção estão muito bem documentadas na
maioria dos casos. Trata-se de uma crise terminal deste sistema político. Como
tal, não passa de ingenuidade pensar que um novo processo eleitoral seja capaz
de recuperar automaticamente a legitimidade do sistema diante das massas. A natureza
especifica da crise atual exige um contra-ataque que deve ir além dos limites
praticados pelas classes subalternas até o momento.
A gravidade do momento tampouco nos
permite aceitar novas ilusões e oportunismos. Preocupado em garantir cargos nas
Mesas Diretoras, Lula flertou com o apoio a Rodrigo Maia e Eunício de Oliveira
para as presidências da Câmara e do Senado. Sugeriu que se abandonasse o
discurso contra o golpe e, numa insuperável demonstração de sua vulgaridade
política, deu conselhos ao corrupto Michel Temer durante as visitas da comitiva
presidencial após a morte de Marisa Letícia. O que era “Fora Temer” foi
desautorizado por Lula e convertido em: “Me chama, Temer”. Como parte
integrante e personagem central, metido até as vísceras com um sistema político
apodrecido, Lula jamais poderá representar a sua redenção.
O Brasil enfrenta uma encruzilhada em
sua história. É uma batalha pela soberania nacional: permaneceremos controlados
por um pequeno grupo de interesses completamente alheios aos da maioria do povo?
Com
a crise, abriu-se um espaço para o radicalismo de esquerda como há muito não
existia no Brasil: é chegada a hora de substituir
um sistema político falho e corrupto, por um governo de compromisso e vocação revolucionários.
As
grandes nações do mundo nunca se furtaram a passar por processos
revolucionários. Os países hoje avançados foram os que tiveram coragem para incluir
capítulos revolucionários em suas histórias, cujas classes subalternas
disputaram o protagonismo dos processos políticos nacionais.
O
Brasil não faz parte deste clube. Por aqui, as grandes transformações sociais
sempre ocorreram sob a bandeira da prudência e da conciliação. Foi assim para a
Independência, mantendo a família real portuguesa no comando da nação; foi
assim para a abolição da escravatura, só libertando os negros por completo
quando já se havia importado o número suficiente de europeus e já se havia
garantido que os futuros ex-escravos não teriam acesso à propriedade; foi assim
para sair da ditadura civil-militar, com uma inaceitável lei de anistia que
equiparou torturadores e torturados na hora do perdão. Transições levadas a
cabo pelo comedimento e o bom comportamento para que sempre predominasse a
velha máxima: mudar algo, para que tudo permaneça como está.
A
recompensa pela cautela brasileira na hora de promover grandes transformações
sociais nunca foi além de um misto de simpatia e compaixão mundial. Por aqui, a
classe dominante sempre alimentou o mito de que nosso exemplo de conduta
cordial e diplomática nos levaria, naturalmente, ao rol das grandes nações
desenvolvidas do mundo. Assim aguardamos desde sempre a concretização do
surrado e idealista bordão: “Brasil, o país do futuro”.
Aos
desavisados e irritantemente pacientes com o ritmo lento do desenvolvimento do
subdesenvolvimento brasileiro, um recado: não há rigorosamente nada que
assemelhe o passado dos países de capitalismo avançado ao presente da periferia
capitalista. Por consequência, não há como esperar que o presente destes países
possa ser, sob estas as mesmas circunstâncias, o nosso futuro.
Nesta
encruzilhada histórica, a única saída é criarmos nosso próprio caminho. É
urgente rompermos com os modelos do passado e abrirmos nós, brasileiros, um
novo capítulo na história mundial. Caminho que passe pelo que há de positivo na
experiência universal, certamente. Mas que, como expressão de maturidade
política, saiba dizer não aos velhos esquemas de desenvolvimento importados de
fora, que em nome de um universalismo abstrato negam o caráter nacional das
diversas revoluções da história mundial.
Não podemos mais assumir postura
meramente defensiva e nos tornarmos cativos da trincheira. É hora de sair e
tomar a bandeira do inimigo. O rompimento com o marasmo coletivo
e o fim do hiato que separa o Brasil potencial do Brasil real passa,
necessariamente, pela Revolução Brasileira.
Dissipando
ilusões
Os
últimos 13 anos representaram enorme retrocesso político e organizativo para a
maioria da população brasileira. O povo, orientado por suas necessidades
imediatas, embarcou na narrativa oficial de que os ganhos reais no salário
mínimo, a expansão do ensino superior (predominantemente privado), as modestas
taxas de crescimento do PIB e uma pretensa respeitabilidade internacional
teriam caráter permanente. Subitamente o Brasil se transformara num “país de
classe média”. Uma combinação ideológica que inflou a autoestima do Brasil e
dos brasileiros permitindo a “paz social” que tanto encanta os capitalistas no
país.
Os
dados são tão impressionantes quanto ilusórios. O estudo da Secretaria de
Assuntos Estratégicos da Presidência da República definiu como “nova classe
média”, as famílias com renda per capita entre R$ 291,00 e R$ 1.019,00. Portanto,
não é demais dizer que nem mesmo Lula, Dilma ou seus lacaios burocratas que
formularam o novo conceito gostariam de pertencer à nova classe média brasileira.
Além do mais, não existe a menor possibilidade de uma nação se sustentar como
país de classe média com consumo de massas quando os dados do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apontam que 80% da População Economicamente
Ativa do país ganha até 3 Salários Mínimos, o que totaliza pouco mais de R$
2.800,00, enquanto o salário mínimo necessário, calculado pelo DIEESE, deveria
ser de aproximadamente R$ 4.000,00. Enfim, onde comanda a superexploração é
impossível qualquer vestígio de cidadania!
Para
além dos méritos de um governo com o mínimo de sensibilidade social, o efeito
passageiro da elevação da renda da terra vivida até 2013 foi resultado de um
momento excepcional do comércio internacional. Como é típico de países que não
viveram processos revolucionários, a expansão econômica não alterou a relação
entre economia, Estado e classes sociais. Na verdade, ocorreu o contrário: do
ponto de vista político, os cargos estratégicos que Lula e Dilma concederam a
personagens como Edison Lobão, Eunício Oliveira, Geddel Vieira Lima, Romero
Jucá, Eliseu Padilha, Gilberto Kassab, Helder Barbalho, Kátia Abreu, Moreira
Franco, José Sarney e Renan Calheiros só contribuíram para o reforço às velhas
oligarquias regionais e ao caciquismo partidário; do ponto de vista econômico,
a expansão baseada na renda da terra, comandada pela grande propriedade
agroexportadora e o extrativismo mineral fez com que a área ocupada pelo
latifúndio no Brasil quase dobrasse, avançando de 128 para 244 milhões de
hectares durante os governos petistas;
do ponto de vista social, a participação dos 5% mais ricos no total da renda
nacional sob a condução do Partido dos Trabalhadores avançou de 40 para 47%,
ou seja, a atenção às camadas populares só avançou na medida em que não foi
preciso tocar num milímetro do prestígio social, na propriedade e no poder dos
ricos do país.
Isto
aconteceu porque, durante os últimos 20 anos, o liberalismo brasileiro de
esquerda e de direita aceitou, sem contestações, a tese de que o sistema
político é regido pelo malfadado “presidencialismo de coalizão”. Em linhas
gerais, os partidos da ordem conformaram-se com a ideia de que a política
brasileira é inviável sem um amplo acordo com base no congresso nacional, pois
a sociedade brasileira seria por demais “complexa” e “diversa”. A “tese” possui
clara função ideológica: é a melhor alternativa disponível para sabotar o
presidencialismo como regime político e justificar o pacto entre as classes
dominantes.
Não
é a primeira vez que a burguesia brasileira lança mão de estratégias para
esvaziar o significado do presidencialismo. Na década de 60, logo após a
renúncia de Jânio Quadros, alguns setores militares e parte da elite brasileira
defendiam o impedimento do vice-presidente e a convocação de novas eleições, quando
a Constituição apontava que João Goulart deveria assumir a cadeira presidencial.
Diante da situação, Leonel Brizola comandou uma mobilização com comícios
populares em 1961. Com a Campanha da Legalidade, a classe trabalhadora
organizou a resistência e defendeu a posse de João Goulart. A organização das
bases populares foi de fundamental importância para que os militares não dessem
o golpe ainda naquele ano. Pouco mais de 30 anos depois, em 1993, uma nova
investida burguesa foi realizada nas rebarbas da saída de Fernando Collor e num
cenário de imensa insatisfação das massas. Como na década de 1960, o
parlamentarismo foi rechaçado pela maioria do povo.
Como o pacto de classes precisava
manter intacto o sistema político para sua própria sustentação, o presidencialismo
de coalizão virou condição necessária para a vitalidade do esquema. A partir
disso, a política brasileira se vulgarizou e se deteriorou aceleradamente. Através
dele, virou regra o loteamento de cargos, os acordos de cúpula, as constantes
trocas de legenda, o inchaço no número de partidos e o completo descolamento
entre o parlamento e os interesses populares. A despeito do rechaço popular
crescente, o sistema foi, durante 20 anos, funcional para a classe dominante,
pois serviu para limitar os poderes presidenciais aos olhos do povo e
justificar as limitações políticas dos presidentes que adotaram o jogo da
coalizão, esterilizando as virtudes potenciais do regime presidencialista
brasileiro. Sob o pretexto da sustentação da “governabilidade”, o
presidencialismo de coalizão torna virtualmente inócuos os verdadeiros poderes
do Presidente. A Revolução Brasileira deve recuperar a força do
presidencialismo real, sem coalizão. Não há que alimentar ilusões no parlamento
e nas alianças que somente se justificam se realizadas com o povo. Um presidencialismo
em que o poder da liderança convoque as massas e de fato altere a correlação de
forças em favor das maiorias. Em suma, o presidencialismo, nas condições
atuais, é o regime mais democrático que poderíamos inventar para superar uma
sociedade desigual e anti-democrática como o Brasil.
Aprofundamento
da dependência
Do
ponto de vista econômico, os últimos anos significaram uma brutal regressão do
Brasil na divisão internacional do trabalho. O período devolveu o país ao fim
da década de 70 em termos de perfil do comércio exterior, pois voltamos a
exportar mais bens primários do que manufaturados. A participação da indústria
no PIB caiu para o mesmo patamar da década de 40, período do início da
industrialização brasileira, inferior a 10%. A
burguesia industrial se desnacionalizou e se converteu em mera burguesia
comercial parasitária: compra, monta e revende produtos importados. Em 2016 o
balanço de pagamento registra pagamento de 19 bilhões de dólares em importação
e aluguéis de equipamentos, justamente o setor de produção que poderia garantir
níveis crescentes de produtividade endógena. Por conta disso, as contas nacionais
sangram, pois são drenados para o estrangeiro mais de 45 bilhões de dólares todos os anos em fretes internacionais, remessas
de lucros para a sede das multinacionais, pagamentos de propriedade intelectual
e aluguel de equipamentos não-nacionais.
Os
investimentos no latifúndio foram turbinados, enquanto se manteve estagnada a
agricultura familiar. Quando a crise capitalista reduziu a rentabilidade do capital
agrário, em 2012, prontamente se conseguiu a revisão do Código Florestal,
fazendo com que a expansão da fronteira agrícola pudesse compensar em volume
produzido a queda nos preços internacionais. Só em 2015, já com as contas
estranguladas pela crise financeira do Estado, foram destinados nada menos que
43 bilhões de reais em subvenções para o latifúndio. Não por outra razão, mesmo
“contrariando seu partido”, mas em completa comunhão com sua classe de origem –
o latifúndio – a senadora Kátia Abreu
foi tão fervorosa na defesa de Dilma durante o processo de impedimento. Assim,
os latifundiários tinham o governo Lula/Dilma e contavam também, comodamente,
com o futuro governo Temer.
O
capital financeiro elevou as taxas de juros a patamares estratosféricos,
fazendo a festa das altas finanças que especula com os títulos da dívida
pública. Acumulam riqueza com a permanente renegociação da dívida com
remuneração excepcional e assim se deleitam com a maior fonte de acumulação de
capital da burguesia doméstica. Nos últimos anos, os valores pagos à rapinagem
financeira foram pelo menos dez vezes maiores do que o orçamento da saúde no
Brasil. A força do rentismo explica o fato de o país manter a maior taxa de
juros do mundo desde 1994, início do Plano Real. Ao mesmo tempo em que
atrofiaram a indústria, Lula e Dilma anabolizaram os industriais, latifundiários
e especuladores financeiros: todas as expressões máximas da burguesia rentista
que comanda a República.
O
fim do pacto e a dinâmica da crise
Em
2013, as manifestações populares escancararam a crise do sistema político
brasileiro, com generalizado repúdio aos partidos políticos de qualquer agremiação.
Aquela surpreendente manifestação de rebeldia representou oportunidade para
juntar o apelo popular a reformas estruturantes que destravassem o
desenvolvimento econômico do país. No entanto, Dilma optou por lançar um pacto,
junto a governadores e prefeitos das principais capitais do país, assentado
sobre 5 pontos: a manutenção do compromisso com a política de corte de gastos, reforma
política, saúde, educação e transporte. Com o primeiro – a “responsabilidade
fiscal” – a presidente ratificou que se manteria fiel aos pilares do projeto
econômico da classe dominante, aniquilando qualquer chance de êxito dos outros
quatro.
A
visão ingênua do pacto supõe a união nacional em torno de um objetivo comum. No
entanto, o pacto de 2013 já nasceu mutilado, pois ignorou a parte mais
interessada, o povo. Dilma descartou uma excelente chance de convocar a
população para conduzir o processo, nos moldes do que deve ser um regime
democrático de fato. Ao invés disso, preferiu o acordo com a classe dirigente,
atirou os trabalhadores à própria sorte e mais tarde pagou o preço pela escolha:
sem mobilização popular e sem jamais convocar o povo para a resistência, foi
presa fácil das instituições burguesas corruptas que comandam o país.
A
manutenção do rentismo exige compromisso com a austeridade fiscal que deita
raízes sobre a Lei Complementar n. 101, chamada ideologicamente de “lei de responsabilidade
fiscal”. Desde 2000, a lei estrangulou as contas dos estados e municípios e a
população acompanhou um acelerado processo de sucateamento da prestação de
serviços de saúde, educação, transporte e segurança cujo objetivo é a
privatização das empresas estatais do setor de serviços que ainda restaram aos
estados, exemplo do Barisul no Rio Grande do Sul ou Cedae no Rio de Janeiro. Na
época, o objetivo declarado pela classe dominante era o de gerar uma poupança extraordinária
para pagar juros da dívida pública e controlar sua multiplicação. No entanto, o
balanço final foi uma economia recorde nas contas públicas, com média de 3% do
PIB até 2010. A dívida pública passou de 64 bilhões para 4,5 trilhões de reais.
Num novo esforço por tentar produzir uma poupança extra e sinalizar que, por
pior que seja o momento econômico do país, o pagamento religioso dos rentistas
não será afetado, a classe dominante brasileira idealiza o congelamento dos
gastos sociais.
A
PEC do congelamento nada mais é do que um aprofundamento da austeridade fiscal
em vigor desde os anos 2000. Ela cristaliza o ajuste e torna o enxugamento de
gastos com o serviço público um compromisso permanente do Estado brasileiro,
impondo uma pesada economia em gastos sociais por 20 anos para pagar juros de
uma dívida pública que possui um mecanismo de multiplicação historicamente
independente da disciplina fiscal. Na origem tanto da “lei de responsabilidade
fiscal” e da PEC do congelamento dos gastos sociais está a manutenção do
rentismo financeiro, que rende lucros suculentos aos grandes conglomerados
financeiros nacionais e estrangeiros, patrocinadores de campanhas eleitorais,
anunciantes na grande imprensa e principais detentores de títulos da dívida pública
brasileira.
Em
resumo, o PSDB criou o Plano Real e o PT assumiu o poder introduzindo na lógica
de acumulação de capital na periferia o atendimento da questão social. Mas o respeito
à austeridade fiscal permite apenas migalhas para o atendimento das demandas
sociais, fato que pode ser observado quando o principal programa social do
governo ―o Bolsa Família― consome meros 0,47% do PIB, enquanto o custo da
dívida leva quase 9% da renda nacional anualmente para os banqueiros. Foi neste
contexto que o petismo representou tão somente uma perversa modalidade de “digestão
moral da pobreza” na qual os trabalhadores permaneceram submetidos à
superexploração da força de trabalho ― garantia de super-lucros à todas as
frações do capital― mas foram compensados com programas sociais, que eternizam
os pobres como mera força de trabalho à inteira disposição da reprodução
ampliada do capital. Com o fim da bolha de crescimento baseado na renda da
terra, o recado do período que se inicia em 2013 é que o sistema político brasileiro
se revelou incapaz de oferecer respostas diante da primeira grande explosão de
massas após muitos anos de paralisia social. As jornadas de junho de 2013 não
foram mero protesto popular merecedor de nosso aplauso, sua real importância
reside, de fato, na capacidade que revelou de indicar os limites e mesmo o
esgotamento do pacto de classes no Brasil.
No
terreno da consciência ingênua, cuja melhor expressão é o comportamento e
discurso do eleitorado petista, criou-se a esperança de que, renovada a confiança
eleitoral em 2014, Dilma finalmente daria uma “virada à esquerda” no segundo
mandato. Aquela virada que a consciência ingênua esperava desde o governo Lula,
mas que o líder do partido nunca quis fazer, pois não estava disposto a arriscar
seu prestígio junto à classe dominante para cumprir uma função esperada
historicamente pela militância. Como um portador crônico de dislexia, sempre
que desejava uma guinada à esquerda, o petismo rumava mais e mais à direita.
A
despeito de ter centrado toda a sua campanha de 2014 no ataque às políticas de
austeridade econômica – e ganhar a eleição, com margem mínima, exatamente por
isso – Dilma não vacilou em aplicar integralmente a agenda do candidato
derrotado após o pleito. Montou um ministério com figuras orgânicas da
burguesia brasileira e avançou na guerra contra os direitos trabalhistas e
previdenciários, desenhando o traçado para que o rolo compressor de Temer
viesse na sequência. As propostas vieram acompanhadas do maior contingenciamento
orçamentário da história do país, da ordem de R$ 80 bilhões.
Como
já era de se esperar, os cortes só fizeram crescer a crise brasileira. Com a
notícia de que o Produto Interno Bruto havia caído 3,8% em 2015, a burguesia
brasileira apertou o gatilho e bradou: “vamos ao golpe”! A gravidade da crise
econômica não era mais compatível com o ritmo lento do PT em fazer as reformas
necessárias em favor da acumulação de capital. Dilma e o PT deixam o governo
não por suas virtudes na execução das "políticas de inclusão social",
mas precisamente pelo esgotamento de sua capacidade de condução do projeto
burguês do país, pautado na modalidade de aliança de classes com subalternização
dos trabalhadores e ausência de protagonismo popular. Assim, compreendem-se as
razões pelas quais o petismo não podia recorrer às massas na defesa contra o
que de maneira oportunista chamava de “golpe” porque sabia que, neste terreno
de crise, uma vez na rua amplos setores sociais sairiam de seu comando ou
influência. Eis a razão última do bom comportamento e inclusive certa paralisia
petista diante da ofensiva burguesa.
É
importante salientar que Temer nada tem de traidor. Para ser um traidor, Temer
teria que ter demonstrado, alguma vez, apreço por um projeto popular. Nunca foi
o caso. Os governos petistas contaram com Temer para dar vitalidade e
sustentação à coalizão de governo, que pretensamente garantiria a
“governabilidade”. Sabia-se, desde sempre, que Michel Temer (assim como Eduardo
Cunha, José Sarney, Renan Calheiros, Henrique Alves, entre outros) são
legítimos representantes da classe dominante. A famigerada carta “vazada” do
vice-presidente não expressa, portanto, uma carência pessoal, mas sim o clamor
da burguesia por decisões que resolvam o problema da rentabilidade do capital.
A crise brasileira fez com que um político sem carisma, inexpressivo e que
jamais venceria uma eleição com o voto popular aparecesse para tentar conduzir
o projeto da classe dominante. Michel Temer não é nada mais que um produto da
crise.
Ainda
como interino, Temer jamais duvidou que seria efetivado, e já nos primeiros
dias de comando nomeou seu próprio ministério. Por outro lado, nada ilustra de
forma tão cristalina a incapacidade do atual sistema político brasileiro de
lidar com a crise quanto o fato de que nada menos que 7 nomes fortes da
composição do governo Temer foram ministros, líderes de governo e presidentes
de estatais da coalizão petista.
Ciente
da necessidade de imprimir o ritmo mais acelerado possível para satisfazer os
interesses da burguesia brasileira, Michel Temer coloca em prática um programa
de governo ultraliberal, cuja expressão mais acabada se consagra no documento
lançado pelo PMDB ainda em outubro de 2015, intitulado “uma ponte para o
futuro”, um manifesto do liberalismo de direita no país.
O
governo corrupto de Michel Temer é a resposta da classe dominante
Rosa
Luxemburgo elucidou como ninguém a importância das reformas na luta
revolucionária. Para esta extraordinária pensadora, existe um vínculo indissolúvel
entre as reformas e a revolução social. No Brasil, o empobrecimento da práxis
política nos últimos anos foi tal que amplos setores sociais identificaram
meras políticas sociais como expressão de um programa de reformas. Nada poderia
ser mais nefasto! As políticas sociais – mais ou menos amplas segundo a vocação
de um governo – jamais podem ser confundidas com um programa de reformas
(reforma agrária, extinção do senado e constituição de um sistema unicameral,
lei para limitar a remessas de lucros, reforma urbana, etc) dignas deste nome
pois, além de conquistar o apoio ativo das classes populares, as reformas
necessitam tocar as bases do poder da classe dominante. Portanto, reformas são
aqueles que enfrentam o poder de classe da burguesia no terreno da propriedade
e do poder político.
O
petismo renunciou às reformas e também por isso fracassou historicamente. Quando
se propuseram a fazer reformas, estas não passaram de contrarreformas
burguesas. Começa em 2003, primeiro ano do governo Lula, com a realização de
uma contrarreforma da previdência, destrutiva aos direitos dos trabalhadores, e
termina em 2015, com o início da contrarreforma trabalhista de Dilma (mudanças
no seguro-desemprego e no abono indenizatório). Assim, um governo que se dizia
popular, não retomou a vitalidade do debate revolucionário sobre as reformas,
mantendo viva a operação orwelliana iniciada pela ditadura civil-militar
brasileira, que atribuía o termo simpático das reformas a contrarreformas
favoráveis ao capital e destrutivas ao povo. Por esta razão, ao negar as
reformas estruturais anti-capitalistas, seus sucessivos governos restaram
vitalidade as políticas públicas: sem reformas profundas as política públicas
não encontram amparo social e viabilidade histórica. Neste contexto, é preciso
dizer que o governo de Temer se beneficia enormemente da herança petista para
levar adiante o seu próprio projeto de contrarreformas.
Em
pouco tempo, o novo presidente provou a que veio. A aprovação da PEC 55, que
limita os gastos primários do governo à inflação, representa a injeção letal
que significará a morte lenta do raquítico aparato de serviços públicos que
conseguiu se estruturar no capitalismo dependente brasileiro. Na prática,
seremos devolvidos à década de 30 do século passado, gabaritando o Estado para
se consolidar no posto de maior violador dos direitos humanos no país. Trata-se
de um país que sequer consegue resolver as questões de acesso aos direitos mais
elementares. De quebra, as medidas representam um sonoro adeus às ilusões de
cidadania para todos, alimentada pela débil ideologia dos governos de Lula e
Dilma e incompatível com a natureza do subdesenvolvimento.
O
propósito dos cortes não é outro senão garantir que, pelos próximos 20 anos,
todo e qualquer aumento real da receita brasileira com impostos, taxas e
contribuições vá, sem vacilações, alimentar os extraordinários lucros dos
bancos e dos empresários rentistas que operam o sistema financeiro nacional. Estes
detentores da dívida pública brasileira pertencem ao estrato do capital que
mais lucra com a crise financeira do Estado, fazendo da ruína da classe
trabalhadora brasileira a fonte de sua fortuna.
Realizam uma verdadeira pilhagem dos recursos públicos e quitam, todos os anos,
quase metade de tudo que se arrecada no Brasil (45%), gastos em pagamento de
juros, amortizações e o altíssimo custo de renegociação da dívida pública
brasileira.
Na
guerra de classes desatada contra o povo, Temer apresentou o projeto de supressão
da previdência social. Hoje em dia, os aposentados brasileiros são responsáveis
por ¼ dos lares do país. Deste total, boa parte segue trabalhando, mesmo depois
de se aposentar. Portanto, trabalhar até morrer já é uma realidade nacional. A
diferença, daqui para frente, é uma inversão: se antes o trabalho servia para
complementar a renda da aposentadoria, agora trabalhar na velhice será um
imperativo, que poderá (ou não) ter como adicional a previdência pública, já
que na prática, a “reforma” de Temer representa a extinção do sistema
previdenciário.
O
terceiro elemento dos ataques da classe dominante brasileira, capitaneados por
Michel Temer, acontece pela via da supressão de direitos trabalhistas.
Expande-se o limite do emprego temporário sem vínculo empregatício por até 8
meses, coloca-se a possibilidade de redução do intervalo de almoço de 1h para
30 minutos, o parcelamento das férias, a limitação do direito de greve, a
remuneração por produtividade e a extensão da jornada de trabalho para até 12h.
Para além disso, o postulado central da ofensiva burguesa contra os
trabalhadores é a predominância do que for negociado diretamente entre patrão e
empregado sobre o que está ou for legislado. Hoje em dia, a lei só permite este
mecanismo para melhorar as condições do trabalhador; depois da alteração,
poderá ser usada para a retirada de direitos. Na prática, Dilma abriu a cova e
Temer jogará a pá de cal sobre a Consolidação das Leis do Trabalho.
No
horizonte de 2017, Temer já flerta com medidas tributárias e uma “reforma”
política. A primeira, seguramente, seguirá a tradição de aumentar a carga de
tributos sobre a classe média e as classes populares, cujos impostos, taxas e
contribuições consomem cerca de 54% dos rendimentos, enquanto para os ricos a
carga tributária não supera os 7%. A
segunda, vinda de quem hoje compõe a classe política brasileira, sabe-se que
será feita em causa própria, para proteger a canalha do poder, garantindo que
um punhado de delações premiadas lhes permita a impunidade e tornozeleiras
eletrônicas não sejam empecilhos para a manutenção de relações preciosas com o
Estado.
No
geral, a estratégia da burguesia brasileira é insistir que não há alternativa.
Tentam dar a impressão de que os cortes fazem parte de um pacto nacional
destinado a recolocar o país numa trajetória de crescimento econômico. A
refutação da lógica do pacto mutilado para enfrentar a crise vigente se
organiza sob dois aspectos, um de ordem interna e outro de ordem externa.
Internamente, percebe-se que o governo corrupto de Michel Temer não está de
forma alguma comprometido com o ajuste das contas nacionais, pois não vacila em
abrir a mão para garantir sua manutenção no cargo junto àqueles que apoiaram o
golpe dado contra a classe trabalhadora: reajusta em 41% os salários do
judiciário, aumenta em 65% os gastos com publicidade na mídia dominante e cria
cargos comissionados na tentativa de agraciar seus aliados políticos. Por
suposto, medidas como estas precisam ser interpretadas para além do denuncismo
infantil. É preciso entender que a compra direta da sustentação política só
demonstra um dado cabal da realidade: o governo Temer é irremediavelmente instável.
Por isso mesmo, Temer é excelente para classe dominante, que condiciona a
permanência do presidente à realização dos ataques aos trabalhadores. Não por
acaso, Lula antecipou que a consigna “fora Temer” é descabida, da mesma forma
que Ciro Gomes sugere a superação do discurso do golpe. Ambos querem a
manutenção do atual sistema político e o calendário de 2018 intacto certos que
poderão capitalizar o amplo e crescente descontentamento popular com o governo
corrupto de Temer.
Externamente,
o silêncio impera, pois simplesmente não há exemplos para mostrar o êxito de
políticas semelhantes. México e Peru, os modelos mais estruturais da direita
latino-americana, caminham aceleradamente para se tornarem narco-estados, a
exemplo da Colômbia. No comportado Chile os resultados são pífios e o governo
de Bachelet é precocemente envelhecido. A crise na segurança pública neste
começo de 2017 ilustra o poder do crime organizado no Brasil e nos coloca
também a passos largos exatamente na mesma rota. A Argentina, exemplo mais recente
de uma exitosa vitória eleitoral da direita sob a velha roupagem do “empresário
não-político”, encontra-se mergulhada em profunda crise, sem retomada de
investimentos e com desemprego em alta, estagnação econômica e inflação de 40%
ao ano. Na América Latina, os anos recentes repercutiram uma vez mais a fórmula
do desenvolvimento do subdesenvolvimento,
através da qual a acumulação esporádica de capital reacende esperanças de
mudança na região. No entanto, sem as reformas necessárias no contexto de um
processo revolucionário e o protagonismo popular nas grandes escolhas que
definem o rumo da nação, momentos especiais como o vivido recentemente jamais
serão capazes de libertar o continente dos grilhões da dependência e do subdesenvolvimento.
A que herança renunciamos?
A Revolução Brasileira renuncia à herança que
abandonou a luta contra a dependência e o subdesenvolvimento. É preciso ter
consciência de que a busca pela efetiva soberania nacional jamais poderá
ocorrer sob a ordem burguesa, a despeito das virtudes de um e outro governo. Os
dois mandatos de Lula e, depois, a eleição de Dilma nos deixam a lição de que
governos de composição de classe orientados pela governabilidade e sem
perspectiva de ruptura com a ordem burguesa servem exclusivamente para acomodar
os interesses das classes dominantes com renovada e finita legitimidade. É
preciso recuperar, portanto, a perspectiva da longa duração e das lutas
nacionalistas e revolucionárias.
Um governo revolucionário renunciará à atual posição
ocupada pelos sindicatos e movimentos sociais brasileiros, de extrema
docilidade e incapacidade de enfrentamento aos ataques promovidos contra as
condições de vida do nosso povo. O pacto de classes promovido pelos governos do
PT teve largo efeito sobre as direções do movimento sindical e social.
Abandonou-se o horizonte transformador radical, a luta pelo socialismo que
embalou a origem da CUT e do MST. Adotou-se a regressão política dos diálogos
sociais, as mesas tripartites, as negociações coletivas sem conflito, enfim, a
restrição da luta política da classe trabalhadora aos ditames restritos dos
gabinetes, promovendo uma ruptura sem precedentes entre a classe e as
burocracias sindicais. Aqueles sindicatos que surgiram combativos, frutos da
classe trabalhadora em luta, foram pouco a pouco cedendo a radicalidade para a
política de “defesa da governabilidade”. Abandonaram a formação política e bloquearam
internamente o marxismo, por determinação das cúpulas dirigentes, muito antes
da eleição de Lula em 2002. Abraçaram a formação tecnicista dos seus quadros, rebaixando
a vanguarda dirigente da classe trabalhadora a mera burocracia da estrutura
sindical. Era uma clara estratégia de desarmar a classe trabalhadora para poder
conduzir com maestria o pacto de classes.
Após a eleição de Lula, rebaixaram sistematicamente
o horizonte da política sindical. A atividade política dos sindicatos e
movimentos sociais, que precisa ter um caráter eminentemente emancipatório,
rompendo com a alienação do cotidiano capitalista, foi silenciosamente
transformada em defesa das políticas públicas do governo. Ou seja, a tão
almejada autonomia sindical, um dos fundamentos da origem da CUT, foi substituída
pelo sindicalismo de Estado, pelo sindicalismo de resultados e por algo
extremamente deletério para a classe: o sindicalismo empresarial atrelado ao
rentismo, onde dirigentes sindicais passaram a ser gestores de poderosos fundos
de pensão, trazendo uma nova razão de funcionamento para os sindicatos,
totalmente contraditória às lutas dos trabalhadores.
Sindicatos comportados, cumprindo apenas suas
atribuições legais regidas pelo Estado burguês, buscando sempre o “mal menor”
nas negociações salariais, foram pouco a pouco adormecendo a combatividade dos
militantes mais antigos e deformando os militantes mais jovens que recém
começam na atividade política. O despreparo dos sindicatos outrora combativo e
mais ainda o sindicalismo de resultado se pode ver de maneira clara diante da
ofensiva da classe dominante. Um exemplo disso foi o “Programa de Proteção ao Emprego”,
criado ainda no governo Dilma, que protege os lucros dos grandes industriais às
custas do Fundo de Amparo ao Trabalhador e da redução dos salários e da jornada
de trabalho. Certamente o programa nunca objetivou proteger empregos, uma vez
que seu alcance foi praticamente nulo: 63 mil trabalhadores,
cerca de 0,1% dos empregados na formalidade. Ao promoverem acordos desse tipo,
os sindicatos retrocedem perante as bases, rebaixam o nível de consciência e
agem como meros colaboradores da burguesia, deixando passar a oportunidade de
atuar de forma combativa e de legitimar-se através da luta junto às bases.
O mesmo acontece com os movimentos sociais. O MST,
por exemplo, marginalizou em sua atuação política o tema da propriedade. Nos
últimos 13 anos, passou a operar uma linha centrada na busca de recursos
públicos para o fortalecimento das cooperativas de produção, nos debates sobre
economia solidária e na agroecologia. A consequência prática do “melhorismo” ao
invés da radicalidade ficou evidente quando Dilma foi quitada do poder e a
ameaça do “exército de Stédile” jamais apareceu.
Ao incorporarem a razão de Estado e se adestrarem
tal qual o modelo importado do sindicalismo europeu, os sindicatos se tornaram
meros intermediadores entre os anseios de suas bases e as negativas patronais;
rebaixando a luta sindical à ilusão de estar gerindo o capitalismo em pé de
igualdade com a burguesia. Distantes da perspectiva de classe e da luta
política, muitos sindicatos passaram a ofertar serviços assistenciais e planos
de saúde para aproximarem-se dos trabalhadores; quando isso expressa justamente
o contrário: a total ausência de um vínculo real com a base. No lugar de
canalizar e protagonizar lutas, o sindicato se conforma como um braço do Estado
e se vincula de maneira artificial aos trabalhadores da base.
Os sindicatos ficaram cativos de suas próprias
ilusões. A Revolução Brasileira faz um chamado aos dirigentes sindicais e
sociais ainda combativos, para que possamos juntos restituir o papel do
militante combativo e transformador, liderança perante as bases, refundando um
movimento sindical e social poderoso, que possa ser um alicerce do avanço e
resistência na atual guerra de classes.
Renunciamos à herança dos que não fizeram a real
batalha da comunicação. Os governos petistas não só não encamparam a luta
contra os monopólios midiáticos como endossaram a cobertura da imprensa
dominante. Quando se viram desassistidos e na iminência da perda do poder,
“descobriram” que os grandes grupos de comunicação tinham descartado a
alternativa petista. Temos profunda clareza de que a cobertura midiática dominante não guarda qualquer
relação com as demandas populares, senão com a representação de seus próprios
interesses. Possui uma agenda política definida e, como classe dominante que é,
apresenta soluções profundamente anti-povo. Cientes de que a corrupção é a
regra do sistema político, mídia e sistema financeiro fabricam uma opinião
pública dócil e compreensiva. No entanto, a narrativa fantasiosa já não produz
o mesmo efeito.
Também julgamos fundamental renunciar à
herança que reduz o pensamento de esquerda à busca pela justiça social. Governos
assentados sobre as políticas públicas como forma de correção das injustiças e
desigualdades produzidas pelo capitalismo cometem o erro histórico de
considerar a população como objeto, e não como sujeito da política. Sem o
devido caráter emancipatório que deve acompanhá-la, a busca pela justiça
social, como tal, só alcançou horizontes limitados nos países avançados e
bastou a crise capitalista de 2008 para varrer as garantias e acentuar a luta também
no centro do sistema. Na periferia capitalista, é preciso mais do que nunca
perceber que tais elementos de justiça social são absolutamente impraticáveis.
Ao fim e ao cabo, não há conciliação possível entre os detentores dos meios de
produção e os trabalhadores que tenha longa duração e seja permanentemente
aperfeiçoada. O governo atuou, por algum tempo, concedendo benefícios às elites
no atacado e concessões ao povo no varejo. Logo veio a crise capitalista e
deixou cristalina a natureza do sistema: os interesses de patrões e empregados
são divergentes e inconciliáveis. Atuemos, portanto, em consequência: é chegada
a hora da Revolução Brasileira.
A reação popular diante
dos ataques à sua condição material não pode mais se organizar dentro das
regras do jogo da correlação de forças atual, ainda que não estejam descartadas
valiosas vitórias pontuais na luta institucional. Em todos os três poderes da República
só há espaço para pequenos êxitos. A despeito da eleição de alguns deputados e
senadores mais combativos, um ministro e/ou secretário de governo mais atento
às demandas populares e uma ou outra decisão judicial favorável, nenhuma destas
situações dará conta de recuperar a acelerada deterioração das condições de
vida do povo. O balanço dos governos petistas é a domesticação completa da
luta. Muitos dos ativistas de outrora com capacidade dirigente se transformaram
em burocratas, com espírito de luta e compromisso teórico limitados, reféns da
razão de partido e aprisionados pelo horizonte ultralimitado das “políticas
públicas de inclusão social” e “acesso à cidadania”. Mantida a estratégia
atual, os sucessivos ataques vão condicionar a agenda de lutas e ditar um ritmo
reativo de mobilização. Pauta a pauta, os sindicatos e movimentos sociais que
se incorporaram como funcionários de Estado tentarão se organizar para barrar a
ofensiva burguesa.
O fundamental a se
compreender é que, neste momento, a classe dominante não promove seus ataques
com arco e flecha, mas com uma metralhadora giratória. Diante desta
constatação, é preciso tomar consciência de que não há espaço para a
organização de uma resistência temática, na base do “ponto a ponto” ou de “uma
luta de cada vez para não nos esgotarmos”. O resultado prático desta estratégia
de luta foram as derrotas acachapantes de sindicatos e movimentos sociais em 6
meses de governo Temer. O governo declarou uma guerra de classes aos
trabalhadores e é preciso dar uma resposta à altura.
Portanto, não haverá
saída possível para a crise atual por meio da velha articulação parlamentar, do
acordo sujo, da moderação cínica e da falsa prudência, pois o cenário é adverso
e o pacto de classes ruiu. Ainda que elegêssemos 80 deputados sensíveis às
demandas da classe trabalhadora o resultado prático seria inócuo, pois eles
seriam completamente impotentes no parlamento diante da atual ofensiva
burguesa. Fomos jogados num poço recessivo que se traduz em mais de 23 milhões
de trabalhadores em situação de desemprego aberto e
entra em seu terceiro ano sem qualquer perspectiva de melhora. A ofensiva da
burguesia brasileira na busca pela manutenção de seus privilégios e seu
prestígio de classe, portanto, coloca claramente o tema da polarização e do
necessário radicalismo político para enfrentar as lutas que ocorrem e as que se
avizinham.
A resposta aos nossos
males, logo, não pode depender da atual legislatura. A práxis política que
emerge da conjuntura atual para os parlamentares identificados com as lutas
populares e a transformação do país deve se despir de ilusões e injetar em si e
nas massas que os acompanham a ousadia necessária para o rompimento com o pacto
que sustenta o sistema político vigente. A erupção das massas na política
representa a única possibilidade de enfrentar as limitações deste sistema
político, que se provou incapaz de nos levantar da condição de nação
subdesenvolvida.
Aos companheiros de
luta que não se encontram vinculados a nenhuma função no Estado burguês cabe a
tarefa de pensar e organizar o divórcio com a democracia burguesa e a
implantação da democracia participativa. Não há outra alternativa de atuação
política neste momento que não seja o horizonte revolucionário.
Conciliação de classes e corrupção
A corrupção no Brasil
tem sido tratada de maneira conveniente como um problema de ordem moral, sem
vínculo com o funcionamento do sistema político. A conciliação de classe como
projeto implica, necessariamente, em conivência com a corrupção e, em consequência,
na simulação de combatê-la. A tese liberal de direita – defendida por Sérgio
Moro – afirma que o estado foi capturado por uma organização criminosa encabeça
por Lula. No entanto, as mesmas investigações revelam que no Rio de Janeiro
emergiu outra organização criminosa encabeçada pelo ex-governador Sérgio
Cabral. Além disso, há indicações escandalosas que existe também organizações
criminosas tucanas atuando em São Paulo nos chamados “escândalos” do Metrô ou
em Minas, encabeçada por Aécio Neves no “caso” de Furnas. Enfim, até mesmo os
ingênuos percebem cada dia mais claramente que para além de eventuais
organizações criminosas, o próprio Estado, na condição de “comitê de negócios
da burguesia”, requer a corrupção como prática permanente entre os políticos
profissionais e os capitalistas.
No lado oposto, não
basta à esquerda afirmar “conduta republicana” na vã tentativa de eludir a
diferença entre “poder” e governo, erroneamente considerada doutrinária na
esquerda de orientação liberal. Tampouco basta afirmar a necessidade de
políticos probos e limpos, é necessário indicar que o sistema político petucano
não somente se nega a reformar mas é incapaz de enfrentar a corrupção e não
encontra força capaz de impedir sua ação em seu interior.
Além de tudo, os promotores
de Curitiba, disciplinados na arte de não tocar nos honoráveis bandidos,
respeitam escrupulosamente os limites da investigação em duas direções. A
primeira é não tocar em tucanos de alta ou baixa plumagem. A segunda é manter
as investigações longe do Banco Central, do Ministério da Fazenda e outros
ministérios mais suculentos que as empresas até agora investigadas. Muitas
vezes considerada como justiça “partidária” que persegue os petistas de maneira
injusta, a atuação de Moro revela os limites da PF, do MP e dos tribunais numa
sociedade de classe.
Em última instância,
revela o caráter de classe da justiça e a impossibilidade de ir até o fundo e
fim no combate a corrupção. Revela também o quanto um governo decidido em
combater o caráter de classe do estado e da justiça burguesa pode fazer no
comando das ações e não permanecer no discurso e ação liberal sempre limitada a
cândida afirmação da autonomia da PF, o respeito à lista da OAB na indicação do
Procurador Geral da República, e outras quinquilharias que agradam corporações
e alimentam as ilusões próprias do “espírito republicano” que tanto encanta os
liberais de esquerda e alimentam a acumulação de capital de uma burguesia rapaz
e parasitária.
Os desafios da esquerda e nossa
opção pelo PSOL
A
natureza da crise atual impõe exigências que há muitas décadas não se
apresentavam para os trabalhadores e a esquerda brasileira. Não sofremos a
maior crise da história do país como indica a direita; a Revolução de 30 e a
deposição do governo nacional reformista de João Goulart com a ditadura de 1964
foram resultados de crises muito mais profundas e amplas. A primeira abriu as
portas para o desenvolvimento do capitalismo e as instituições decisivas para o
país. A segunda, interrompeu a mais profunda experiência reformista de nossa história
e exibiu os limites do reformismo político. No entanto, a diferença especifica da crise atual reside na natureza financeira
da crise do Estado e não mero resultado de política fiscal irresponsável como
pretendem ideologicamente os liberais (de direita e esquerda). Em resumo,
afirmamos a crise do sistema político que sustentou a dominação burguesa até o
momento, ou seja, o sistema petucano.
É uma crise em que os pactos e a política de aliança possuem espaço reduzido
para ganhar milhões de trabalhadores e as classes médias empobrecidas. A
desnacionalização e redução da indústria, o caráter rentista do desenvolvimento
capitalista, a ampliação da renda da terra, o assalto ao estado com mão cheia
por meio da dívida pública e do endividamento externo implicou na declaração de
guerra contra os trabalhadores por parte da classe dominante. Toda e qualquer
tentativa de “mediação” somente favorecerá a classe dominante e implicará
necessariamente em perdas materiais e grau de consciência para os
trabalhadores. Neste contexto, a esquerda brasileira está chamada à renovação
radical da práxis política e de seu programa.
Nas últimas décadas a opção
pela atualização da Revolução Brasileira estava bloqueada pelo ritmo da
transição da ditadura à democracia e pela democracia restringida derivada do
processo. A emergência do PT, da CUT e dos movimentos sociais no processo de
democratização foi tentativa de ampliação da consciência política por direitos
fundamentais e ao mesmo tempo bloqueio da consciência crítica necessária para
enfrentar o subdesenvolvimento e a dependência que marca o capitalismo no país.
A erupção da crise, a declaração de guerra da classe dominante contra os
trabalhadores e a soberania nacional revelou todos os limites do PT como também
seu inexorável fracasso histórico.
Neste sentido, o ideário petista não é apenas corroído pela corrupção do
sistema político da qual faz parte essencial como partido da ordem, mas revela
o quanto segue importante a constituição de um partido de massas, vinculado
organicamente ao povo e pronto para o combate segue sendo absolutamente
necessário.
Neste contexto, o PSOL
tem méritos indiscutíveis, pois é partido que permite e, no limite, exige o
exercício da crítica, além de espaço de experimentação de uma nova práxis que
necessitamos produzir. No entanto, não se trata apenas de reconhecer o PSOL
como uma frente política, mas de lutar no seu interior para a afirmação plena
do socialismo como horizonte de nossas lutas e compromisso permanente da
militância. Assim, observamos que o PSOL poderá ser valioso instrumento para a
consolidação do Programa da Revolução Brasileira e somaremos esforços com
milhares de outros militantes que já trabalham arduamente nesta direção e com
este propósito.
O PSOL está convocado
pela situação histórica a enfrentar este enorme desafio. Também participam
deste horizonte o PCB, o PSTU, o PCO, o PPL e outros. A esquerda é chamada a
unificar a luta de massas em função da ofensiva burguesa, mas, sobretudo
atualizar o programa da Revolução Brasileira sem o qual se tornará inútil “espirito
crítico” de partidos políticos que na prática reforçam a razão de estado e
limitam o avanço da consciência crítica e socialista do trabalhadores. Enfim, o
horizonte da esquerda não pode ser o de limitado espirito crítico do
liberalismo ou ainda sua “ala esquerda”.
Nos países centrais
esta linha representou a incorporação dos partidos socialistas à lógica da
social-democracia europeia e, nos países periféricos, sob condições de
dependência e subdesenvolvimento, não passa de farsa cínica. Um auxiliar da
dominação burguesa cujas consequências observamos agora sob os escombros do fracasso histórico da política petista.
É preciso entender que não devemos aceitar a correlação de forças supostamente
adversa como justificativa para perpetuar formas de organização superadas
historicamente.
É tempo da Revolução
Brasileira. É tempo de novo radicalismo político, que já se manifesta de
maneira plena na greve dos garis do Rio de Janeiro, nos metroviários em São
Paulo, nos municipários de Florianópolis, nas ocupações das escolas em vários
estados do país. É tempo de nova práxis marcada pela disciplina e exemplo dos
militantes nos sindicatos, nas organizações estudantis, nas ocupações, nas
associações de bairros, etc. O Programa da Revolução Brasileira exige um novo
perfil de militância e renovado respeito pelo caráter de massas de entidades
dos trabalhadores. A partidarização de sindicatos deve ceder espaço para a
consciência crítica para além dos partidos atuais, inclusive do próprio PSOL.
Decidimos assumir o
PSOL para implementar o necessário debate entre a tradição nacionalista tão
vilipendiada pela direita em nosso país e o marxismo, tão diminuído nas filas
da esquerda e no seio das classes subalternas. Decidimos assumir o PSOL para não
permitir a morte da cultura nacional diante da ofensiva da indústria cultural
metropolitana, especialmente estadunidense. Reivindicamos o caráter
revolucionário que o nacionalismo pode assumir na periferia capitalista como
parte indissolúvel da luta socialista, tal como demonstram as revoluções
vitoriosas na história mundial.
Convocamos, pois, a
todos para se somarem às fileiras de combate da Revolução Brasileira.
Nildo Domingos Ouriques
Daniel Corrêa da Silva
Elvis Poletto
Waldir Rampinelli
Manoela de Borba
Marcus Paulo Pessoa
Vanessa Canei
Arthur Dejean
Marino Mondek
Lucas Pottmaier Ávila
Felipe Maciel Martinez
Nelson Rolim de Moura
Jorge Henrique Peripoli
João Gabriel Almeida