Ciro Gomes (CG) acaba de publicar um livro cujo título está orientado pela ambição: um projeto nacional para o Brasil.
Na edição de 8 de junho
do Canal Duplo Expresso, dirigido por Romulus Maya, realizei durante
hora e meia a crítica ao livro de Ciro. No mesmo dia, recebi resposta assinada
pelo professor universitário Gustavo Castañon (GC), postada no Portal
Disparada. Em resposta, reforçarei argumentos lá apresentados de maneira
minuciosa com o objetivo de não deixar dúvida sobre a natureza de meus
argumentos. O alcance inesperado de minha crítica foi recompensa gratificante
porque no interior do liberalismo de esquerda atualmente dominante – da qual o
PDT é parte integrante – a interdição da crítica é prática comum na burocracia dirigente
dos partidos políticos. No entanto, é possível perceber que as restrições da
burocracia partidária contrastam com o vivo interesse de centenas de militantes
do PDT e/ou simpatizantes da candidatura do Ciro que, de fato, buscam respostas
para os graves problemas nacionais para além da apologia ou o silêncio, duas
formas perversas de supressão do debate sobre nossa difícil realidade. Na
militância que sofre as duras consequências da conciliação de classes produzida
pelo liberalismo de esquerda, observo algo essencial: as insuficiências da
proposta de Ciro Gomes são percebidas e exigem superação.
O marxismo e a questão
nacional
O marxismo acumula antigo
e imenso debate sobre “a questão nacional” tanto nos pensadores europeus (Marx,
Engels, Lenin, etc), nos asiáticos (Mao, Ho Chi Min, etc), nos africanos
(Walter Rodney ou Amílcar Cabral) e especialmente, nos latino-americanos onde o
tema é abundante e de enorme fecundidade.
A advertência seria
desnecessária não fossem as lições históricas: toda revolução é resultado,
essencialmente, de um projeto de nação. A distinção linguística aqui é decisiva,
pois nem todo projeto de nação é um projeto nacional; historicamente – tampouco
é ocioso recordar – a nação foi um produto das revoluções burguesas, jamais das
revoluções proletárias, socialistas.
No entanto, na periferia
capitalista há uma especificidade: quando escutamos o brado por um “projeto
nacional” é fácil percebe-lo como expressão da miséria em que a maioria da
população vive, submetido à mais vil exploração capitalista e, também, como manifesta
reivindicação de superação da soberania limitada ou apenas formal que sofremos
desde sempre. Portanto, o brado pelo “projeto nacional” expressa o clamor por
uma completude que, nos marcos do capitalismo, julgo de impossível realização.
Marxismo e pensamento
crítico
De minha parte, o mundo
não está dividido entre marxistas e não marxistas; tampouco entre acadêmicos e
políticos. Em qualquer debate o importante é o conteúdo da crítica e sua função
social, sua utilidade imediata; afinal, a crítica orienta à superação de nossas
debilidades ou consolida a impotência da esquerda liberal?
A propósito, Marx foi
leitor atento de liberais, dos filósofos escolásticos, dos anarquistas, dos socialistas,
etc. Nós, marxistas, não rejeitamos o debate mesmo quando ocorre no terreno fora
de nosso agrado.
Por outro lado, Ciro
Gomes convocou ao debate público sobre seu livro sem restrições de
qualquer ordem. Não deixa de ser elucidativo que precisamente um professor
universitário – Gustavo Castañon (GC) – ao contrário do próprio autor (CG),
tente interditar o debate indicando a natureza marxiana de meus argumentos ou a
origem supostamente “acadêmica” de minha posição.
A respeito, nas últimas 4
décadas, observei no estudo sistemático da América Latina, que muitas
revoluções foram filhas do pensamento crítico latino-americano e nas quais o
marxismo figurou não poucas vezes como referência distante. Acaso Fidel Castro
era marxista quando do assalto ao quartel de Moncada? Não, Fidel não era
marxista naquele tempo. Acaso o dirigente máximo da revolução cubana tinha lido
O Capital quando, diante dos tribunais de Batista, bradou para o mundo
um discurso inesquecível chamado A História me absolverá? Não, Fidel não
era marxista! Os exemplos se multiplicam. De resto, ninguém – nem mesmo um
trabalhista desbotado – deveria esquivar o marxismo como se estivesse diante de
uma lepra. Até mesmo a socialdemocracia europeia que Ciro Gomes pretende
filiação é uma derivação – bastarda, é certo – da força do marxismo e do
movimento operário europeu! A caricatura em que se transformou até mesmo nos
países nórdicos não elimina a vitalidade de sua origem.
A crítica à razão
acadêmica contra o colonialismo
Minha qualificação à
Mangabeira Unger – quem prefacia o livro de CG – foi recebida de maneira
incrédula. Afinal, como eu poderia qualificar de “quinta categoria” um
professor de Harvard, interlocutor de J. Habermas e Perry Anderson? Ora, a
“interlocução” de ambos com Mangabeira tem origem na perspectiva liberal e
anti-marxista que professa. Ademais, resulta da natureza especifica do ambiente
intelectual das universidades estadunidenses como instituições ultra
conservadoras. Gustavo Castañon dá mostras de ignorar ambas. No entanto, até
mesmo Mangabeira Unger considera que “a alta cultura acadêmica” dos EUA é
cativa de tendências que impedem a renovação política e cultural que ele
demanda para a esquerda no interior da potência imperialista (Esta tudo
contadinho no livro de Mangabeira, O que a esquerda deve propor).
Eu entendo a posição de
Gustavo Castañon como clara manifestação de colonialismo pois, como com
frequência ocorre, ao defender Mangabeira, disse menos do professor de Harvard
e mais de si próprio. Antecipo que não se trata de defeito estritamente pessoal
porque parte importante dos professores – cativos nos marcos do academicismo
miserável que domina a cena no interior das universidades brasileiras – ignora os
grandes pensadores brasileiros enquanto festeja acadêmicos dos países
imperialistas, simples aves de arribação que vez ou outra aterrizam no solo
pátrio.
De minha parte, não
concedo valor algum ao fato de Mangabeira ser membro vitalício da Academia
Americana de Artes e Ciências. A lição me foi ensinada por Lima Barreto – que
jamais pertenceu a academia brasileira de letras – e por Manoel Bonfim, quem
recusou pertencer à ela a despeito dos convites insistentes de Machado de
Assis. Mas há razão adicional nos meus reparos: conheço bastante bem o
funcionamento das honrarias distribuídas no Império como mecanismo de
cooptação. Dos membros das academias estadunidenses, prefiro Noam Chomsky, para
recordar apenas um exemplo notável lá considerado um... “dissidente”.
De resto, nunca sabemos
quem é Mangabeira. No passado emergiu como ministro de Lula de maneira
figurativa; noutra tentativa, reapareceu no ministério de Dilma sem deixar
saudade alguma. Há poucos meses, feito ave fênix, deu o ar da graça como
presidente do fantasmagórico Conselho de Desenvolvimento da Economia e do
Conhecimento do governador de extração bolsonarista... Wilson Witzel!!!
Nos tempos em que Brizola
era a liderança do PDT, Mangabeira nunca passou da insignificância política. O
PDT, naqueles anos, ainda exibia uma quantidade importante de intelectuais
entre os quais recordo com admiração Theotonio dos Santos, Vania Bambirra,
Edmundo Moniz, Abdias Nascimento, entre tantos outros. Que baita contraste! Esse
abismo histórico é expressão da ruptura de Ciro com a tradição trabalhista e
com a incapacidade do partido de Brizola em criar e/ou atrair a
intelectualidade crítica no país, razão pela qual Mangabeira aparece não poucas
vezes no papel surpreendente de guru do candidato do PDT.
Mas vamos ao essencial. Qual
a natureza da renúncia a tradição intelectual do trabalhismo e a precoce adoção
da linha scholar de Harvard?
O eclipse do intelectual
orgânico
Nas últimas décadas a
esquerda brasileira sofreu grave regressão intelectual. Não se trata de um
acidente, descuido ou falta de talento entre nós; a regressão intelectual que
sofremos é resultado do conflito que marca nossa sociedade. A conciliação de
classes produzida pelo petismo – com apoio sistemático de Ciro Gomes –
esterilizou a crítica no interior dos partidos políticos ou, simplesmente, a
confinou no reduzido espaço de formulações de políticas públicas como se fosse
possível sair desse vale de lágrimas sem tocar nas bases da dominação burguesa.
Em meu livro (O colapso do figurino francês. Crítica às ciências sociais no
Brasil), denominei o fenômeno de “digestão moral da pobreza” pois quaisquer
dos programas sociais do petismo era incapaz de atacar na raiz a miséria de
nosso povo. A filantropia petista, apresentada como único horizonte
político possível nos marcos do capitalismo dependente, era expressão
necessária daquela aliança de classe. A redução da política à moral produzida
pela direita com o lavajatismo – razão pela qual a corrupção aprece como o
principal problema nacional – encontrou no liberalismo de esquerda sua versão
católica, onde o “combate à injustiça social” ganhou prioridade por meio dos
programas sociais do petismo.
Ora, os programas sociais
orientados pela filantropia confinaram a dialética decisiva de luta dentro
e contra a ordem, nos estreitos limites do estado burguês. Essa é a
razão pela qual Lula e Dilma jamais ousaram superar a orientação da coesão
burguesa formada em 1994 sob comando do capital financeiro. O Banco Mundial indicava
o cercadinho: políticas compensatórias (focadas ou universais), nada mais!
Nas últimas eleições a
burguesia rompeu o pacto e mandou às favas as virtudes republicanas cultivadas
pelo liberalismo de esquerda. O proto fascista Bolsonaro se tornou presidente e
avançou na guerra de classes contra nosso povo ampliando a superexploração da
força de trabalho paralelo ao intenso assalto ao estado com todo tipo de
políticas (fiscal, tributária, cambiária, monetária, etc).
O petismo se limitou tão
somente a denúncia do “golpe” como algo ilegítimo, hostil a liturgia de uma
república séria. Ciro, alinhado com o discurso petista, indica em seu livro a
miragem de uma “democracia golpeada”. No fundo, o discurso político petista
afirma ainda hoje que tudo caminhava muito bem e, produto da maldade humana,
entramos no pesadelo atual. É incrível que esse conto de fadas ainda tenha
espaço entre nós quando não passa de impostura política e manifestação da
consciência ingênua que teremos que varrer de maneira definitiva. Ora, o programa
e a política do liberalismo de esquerda fracassou historicamente, fato que
o petismo não pode admitir e, Ciro, na vã ilusão de situar-se à esquerda do
colapso petista, na condição de um herdeiro que espera a morte do pai para botar
a mão no espólio, não rompe senão de maneira muito cerimoniosa; em
consequência, confina a crítica ao terreno moral e à “falta de visão” do PT,
especialmente de Lula!
Nos marcos da conciliação
de classe – sem protagonismo popular, pois Lula ou Dilma, ao contrário da tradição
nacional reformista do pré-64, jamais convocaram nosso povo para à luta – o
espaço da crítica desapareceu ou terminou apenas tolerada no pluralismo estéril
dos meios de comunicação monopolizados pela Globo ou, agora, pela CNN.
A ruptura do petismo com
a tradição nacional reformista do trabalhismo consiste essencialmente na ausência
do protagonismo popular na disputa de massas. A despeito da conciliação de
classes, é preciso reconhecer que o nacionalismo reformista impulsionado por
Jango fomentava o radicalismo das classes populares em vigorosas ações tanto no
parlamento quanto nas greves, nas ocupações e nos comícios. O radicalismo
petista – aquele que emergiu do protesto operário contra a ditadura – ao
contrário, sempre esteve limitado a luta por melhores salários. Jamais avançou,
por exemplo, para a redução da jornada de trabalho. Esse vício de origem
orientou mais tarde, já sob a defesa de uma razão de estado, portanto,
burguesa, o comportamento de Dilma e Lula (também de Ciro!), diante da ofensiva
da direita. O traço mais marcante do longo processo de destituição da
presidente Dilma consiste na ausência da luta de massas. A própria Dilma, nem
mesmo na hora da forca, participou de um comício sequer na tal “resistência ao
golpismo”. Tragédia ou farsa? Ora, as tragédias possuem a virtude de ensinar,
mas tudo indica que seguimos prisioneiros do roteiro da farsa. Nesse contexto,
a crítica de Ciro omite esse dado essencial e, de fato, sugere que ele no
comando das ações teria emparedado os corruptos, dado um chega pra lá na
avenida paulista e organizado a orquestra com outra partitura. De resto, Ciro
limita-se a afirmar que o Ceará deu 2/3 dos votos contra a destituição (na real
deu apenas metade dos votos) revelando a essência daquela batalha: o terreno
parlamentar.
Em perspectiva histórica
é fácil perceber que os partidos políticos limaram as condições necessárias
para o necessário cultivo da crítica, razão pela qual os intelectuais se tornaram
figuras indesejáveis em plenárias, diretórios e/ou conselhos. No lugar do
intelectual orgânico emergiu o acadêmico iniciado no manejo das políticas
públicas. Em plena democracia, o intelectual crítico era rechaçado na exata
medida na qual o acadêmico papagaio de pirata emergia com as enfadonhas
soluções de bolso de colete.
O político vulgar sorriu satisfeito
nesse novo cenário, pois detesta a corrosão crítica de seus planos róseos na
mesma medida em que o conhecido faro certeiro do acadêmico mirou na
possibilidade de chegar a presidente do Banco Central ou no ministério de
relações exteriores pela via fácil. Uma aliança aparentemente perfeita! No
entanto, a erupção da crise impede o êxito da operação que até ontem funcionava
com certa eficácia; agora, no turbilhão da crise mundial capitalista com
profundo efeito na periferia capitalista, o espaço para o bom mocismo no debate
de ideias também reduziu, embora a antiga boçalidade permaneça intacta.
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Baruc, um dos 12 profetas de Aleijadinho |
Na crise que sofremos, a
contribuição efetiva dos acadêmicos seria quase nula, não fosse o efeito
ideológico – e necessariamente passageiro – que pode produzir. Ainda assim, as
ideologias possuem um combate duro com a realidade que está longe de solução
favorável à classe dominante. É hora, defendo, de um novo radicalismo de
esquerda.
É fácil observar que a
valorização dos acadêmicos – expresso no elogio à Mangabeira – não é
fenômeno exclusivo do PDT pois basta conferir o “êxito” editorial de Jessé Souza,
Marcos Nobre, Boaventura de Souza Santos, e claro, os “internacionais”
tal como Steven Levitsky, Thimoty Snider, Ha-Joon Chang... Portanto, a
incredulidade de G Castanón diante de minha qualificação a Mangabeira tem
explicação. A defesa do professor de Harvard esboçada por GC não é menos que
um traço colonial típico do academicismo dominante.
A leitura dos livros
recentes de Mangabeira em nada pode nos ajudar a pensar o Brasil, exceto pela
utilidade não seguir um só de seus conselhos ou recomendações!! Aquele que
julgar meu juízo preconceituoso, apressado ou injusto, sugiro a leitura de A
alternativa transformadora (1990), O que a esquerda deve propor
(2008) e, caso mantenha obstinação, o lamentável Depois do colonialismo
mental (2018). É elucidativo de nossa miséria intelectual o fato desse
último livro ser prefaciado pelo... músico Caetano Veloso!
Voltemos ao livro de Ciro
Gomes, razão desse artigo. Minha crítica ao seu conteúdo pode ser
resumida em 4 pontos, todos eles já apresentados no Duplo Expresso.
1. Ausência da análise crítica sobre o
Plano Real
Quando Ciro foi nomeado
ministro da fazenda por Itamar Franco em setembro de 1994, o rentismo já
comandava a cena sob o bordão do controle inflacionário. Ciro, sem tocar nos
pilares do Plano Real – portanto, operando nos estreitos marcos da lógica
rentista – reduziu drasticamente a tarifa de importação para mais de 445
produtos, medida que aprofundou a desnacionalização da economia com o
objetivo de combater a pressão da inflação com oferta de produtos importados. E
os juros? Nenhuma medida! FHC estava no
comando do ministério desde maio de 1993 e abandonou o posto em 30 de março de
1994 quando Ricúpero tomou o timão. Em 6 de setembro Ciro foi chamado às
pressas após o diplomata revelar as virtudes da mentira que todo republicano
liberal um dia exibe, mesmo por descuido. Ciro permaneceu ministro meros 116
dias e, na verdade, foi descartado rapidamente por FHC e seus coleguinhas de
berço tucano.
No seu livro, Ciro não somente
sonega análise crítica de sua atuação à época
como evita reflexão necessária em torno das concepções teóricas que sustentam
o Plano Real. Ora, o debate sério sobre a crise brasileira atual é inexplicável
sem a revisão sobre as bases teóricas e políticas do Plano Real. Ciro,
obviamente, jamais figurou entre os formuladores do Plano Real, aparecendo
como mero operador por curto espaço de tempo. O Plano Real, como
sabemos, foi criado/hegemonizado pelos economistas da PUC-Rio (Gustavo Franco,
Pérsio Arida, André Lara Resende, Pedro Malan, Edmar Bacha e também por Clovis
Carvalho, José Serra, e outros menos importantes).
Embora membro do PSDB à
época, Ciro nunca foi tucano de alta plumagem. Não lhe faltavam desejo ou
devoção, mas o tucanato era, como sabemos, um clube seleto, cujo epicentro
sempre se localizou em SP até seu colapso recente. No entanto, posto que Ciro sempre
reivindica o Plano como “conquista importante”, tornou-se indispensável que
dedicasse um capítulo àquele genial golpe de mestre dos banqueiros em nome da
estabilização monetária e do relativo controle da inflação. Não por acaso, após
o “êxito” do Plano, os professores e acadêmicos da PUC idealizadores do
programa de estabilidade monetária se transformaram em... banqueiros!!!
Testemunha ocular do
crime, Ciro deixa não somente uma insuficiência analítica qualquer, mas um enorme
rombo teórico-político no seu livro quando “aborda” sua passagem no ministério
da fazenda. É, portanto, superficial. Limita-se, a apresentar o cenário
econômico da época em estilo quase jornalístico e se inscreve como herdeiro da
luta contra a inflação. Pouco, muito pouco!
Ora, a mera denúncia do
“vício do rentismo” ou do “populismo cambial” não encontram no livro uma
explicação lógica! Esta ausência é decisiva – não para um inventário da
trajetória do autor – mas é importante para entender as amarras do presente: de
onde nasceu o rentismo, cujo epicentro é o assalto ao estado permanente
produzido pelo crescimento exponencial da dívida pública interna? Eu não sou
desenvolvimentista, mas Ciro, sim. Nesse terreno, ele precisa render contas do
passado, explicando agora, com riqueza de detalhes, como o capital financeiro e
a valorização fictícia do capital adotado por comerciantes, industriais, latifundiários,
setores minúsculos das classes médias proprietárias e, sobretudo, as
multinacionais, consolidaram a coesão burguesa que domina o Estado. É claro que
Ciro não tinha à época de sua condição de ministro da fazenda as condições
políticas e teóricas necessárias para enfrentar os tucanos de alta plumagem;
mas agora, como candidato presidencial, após tantos anos, é
absolutamente indispensável que o faça se quiser credibilidade e não somente
ocupar o espaço vago pelo fracasso histórico do petismo em franca decomposição
aos olhos do trabalhadores.
É indiscutível que,
lentamente, Ciro foi abandonando os erros de juventude. Basta lembrar que na
condição de ministro, ele defendeu a privatização da Telebrás, baixou as
tarifas de importação de centenas de produtos, não tomou medida alguma para
baixar os juros e regular o sistema bancário, promoveu a intervenção no Banerj
e no Banespa – em linha com a posterior privatização dos bancos estaduais,
inclusive o BEC efetivada na gestão de Tasso Gerissati, eleito com apoio de
Ciro – entre outras medidas. No entanto,
não é possível que em seu livro os parcos parágrafos destinados à análise da
política econômica tucana, não exista relação entre o baixo dinamismo da
economia após 1980 e o golpe de mestre que representou o Plano Real para o
aprofundamento da dependência e do subdesenvolvimento em nome do combate à
inflação! Por isso afirmei – e repito aqui – o livro não possui diagnóstico
da crise atual e nem mesmo uma avalição crítica dos 116 dias nos quais
permaneceu no ministério da fazenda no governo de Itamar Franco. Na verdade, a
evolução posterior de Ciro não o exime de responsabilidade e uma revisão dos
fundamentos que colocaram o país na grave crise que sofremos. É uma questão de
honestidade política e intelectual reconhece-lo!!
2. 2. Ausência da crítica ao sistema
petucano
Na ruptura com o PSDB,
Ciro não abandonou o sistema petucano; ao contrário, não somente
sua adesão ao petismo, mas sobretudo sua disciplina à Lula – ainda hoje
reivindicada por ele próprio como inequívoca tolerância em relação ao PT em
todas as entrevistas que concede! – constitui um depoimento histórico de
continuidade da adesão à economia política que informa o capitalismo dependente
rentístico da qual ele foi cúmplice como ministro da fazenda.
Naqueles “anos dourados”
iniciados no primeiro governo Lula (2002) tudo corria bastante bem para a
burguesia. O sistema petucano – a alternância entre petistas e tucanos na
administração da ordem burguesa – comandava a política nacional enquanto o país
mergulhava silenciosamente na mais profunda dependência e no
subdesenvolvimento. Na verdade, todos e cada um dos males que Ciro pretende
solucionar com seu programa resultam precisamente do desenvolvimento dos
pressupostos que ampararam a criação do Plano Real.
A miséria do sistema
petucano foi, portanto, compartilhada por Ciro durante longo tempo; também ele,
à sua maneira, tocou a manivela daquele sistema que jamais deixou de aprofundar
a dependência do país. Ciro permaneceu muito tempo com o petismo; demasiado tempo,
eu diria. A ruptura ocorreu somente nas últimas eleições presidenciais quando o
fracasso histórico do PT e do sistema petucano era mais do que evidente embora
ainda não sancionado pelas urnas.
O fracasso histórico do
PT não se origina na sua inocultável crise moral e ética. Esta, grave em si
mesma, é produto de algo que Ciro evita tocar: o petismo foi a mais
importante tentativa de mudar o Brasil nos marcos da ordem burguesa. Ora,
diante da coesão burguesa dirigida pela fração financeira consolidada no Plano
Real, o petismo não criou um polo oposto de caráter proletário ou popular
necessário para sustentar um pacto à moda antiga, aquele típico do nacionalismo
reformista de Getúlio e Jango. Não! Ao contrário, a miséria petista não nasce
do roubo nas estatais ou nos modestos programas sociais que praticou na forma
de uma inaceitável digestão moral da pobreza, mas precisamente da incapacidade
de “distribuir renda” onde comanda a superexploração da força de trabalho, de
ampliar a cidadania quando o estado declara a guerra de classes, de lutar pela
soberania nacional quando a regra é o aprofundamento da dependência. Ciro
mantém silêncio sepulcral sobre tudo isso e, mesmo num sentido genérico, não há
no livro um programa capaz de avançar em relação as promessas do petismo.
Portanto, a dialética da
luta dentro da ordem e contra a ordem é decisiva para todo aquele que
pretenda mudar algo no país. A tragédia da esquerda brasileira consiste na
verdade elementar representada pela linha de atuação do proto fascista
Bolsonaro que, desde as últimas eleições, ataca sistematicamente os limites da
ordem para a expansão da acumulação de caráter rentística, enquanto a esquerda,
em nome da democracia em abstrato, se resume à defesa das instituições
apodrecidas que não mais possuem a confiança das maiorias. Em todo seu livro
Ciro não consegue sequer observar esse grave problema e a razão é simples: ele
julga possível, com o exemplo de sua trajetória, duas moléculas de lucidez e
algumas páginas de programa político, restaurar as virtudes republicanas do
sistema político brasileiro que apodrece a cada dia diante dos olhos atônitos
dos trabalhadores.
3.
3. Ciro opera um giro à direita no
trabalhismo
Em 1985 o mineiro
Theotonio dos Santos publicou O caminho brasileiro para o socialismo (1987).
Expressão de uma importante trajetória da esquerda revolucionária brasileira,
Theotonio foi o primeiro candidato a governador em Minas pelo PDT de Brizola em
1982. No primeiro governo do gaúcho no Rio, assumiu uma diretoria na FESP e,
naquele ano, publicou seu livro como espécie de justificativa teórica de sua
adesão ao PDT. O livro pretendia ampliar o horizonte da tradição trabalhista no
socialismo, afirmar sua vigência histórica e, finalmente, atualiza-lo no contexto
da transição da ditadura para a democracia burguesa. Na verdade, Theotonio não
era andorinha solitária. No mesmo ano, Edmundo Moniz – secretario de cultura do
governo fluminense encabeçado por Brizola – publicou A originalidade das
revoluções, onde declarava que “O PDT, liderado por Leonel Brizola, tem
condições essenciais para tornar-se a grande vanguarda socialista do povo
brasileiro”. A despeito do irrealismo da proposta, essas são postulações do
passado? Acaso perderam vigência em meio a maior crise que o Brasil vive desde
1964? Ora, os militantes jovens do PDT necessitam saber que no seu partido existiam
potentes intelectuais ao lado de Brizola, todos com larga tradição
revolucionária, onde destacavam Darcy Ribeiro, Abdias Nascimento, Edmundo
Moniz, Vania Bambirra, Theotonio dos Santos, Rose Mari Muraro, entre outros.
O então governador do Rio
de Janeiro não poupava críticas às “perdas internacionais” e tampouco vacilava
na defesa do “socialismo moreno”. Em dezembro de 2003 o PDT rompeu com o
governo Lula. Porém, após a morte de Brizola – ocorrida em junho de 2004 – o PDT
só não permaneceu errante porque atuou com um verdadeiro puxadinho do PT,
ocupando ministérios secundários, até que a destituição da Dilma inaugurou
novas exigências. Ciro, ao contrário de Brizola, manifesta simpatia pela
social-democracia de maneira superficial apenas como meio para não tratar o
espinhoso tema do capitalismo dependente periférico, ainda mais terrível em sua
fase rentistica, realidade que dilui todo e qualquer sonho rosado de redimir da
miséria 90% da população sem tocar nas bases do poder e da propriedade da
coesão burguesa. Portanto, o livro de Ciro transita exclusivamente no terreno
das possibilidades eleitorais sem anunciar ou pelo menos estabelecer uma
ruptura real com o sistema político que apodrece diante dos olhos atônitos dos
trabalhadores. Em resumo, trata-se de um “neodesenvolvimentismo” sem as
contribuições do estruturalismo cepalino (CEPAL) e na ausência completa de uma
análise crítica do capitalismo dependente rentístico a que estamos submetidos.
Ademais, o passado de
Brizola, sua atuação nos governos do Rio de Janeiro e também a filiação à
socialdemocracia europeia, indicavam inclinação anti-imperialista, sempre
temperada com amplas relações com as lideranças progressistas e revolucionárias
da América Latina como no caso da Nicarágua, para lembrar apenas um exemplo. No
Parque Anchieta, no Rio, o CIEP leva o nome de General Augusto César Sandino...
Ciro, na prática, operou
profunda ruptura com o melhor do trabalhismo. No entanto, segue prestando
homenagem retórica as figuras mais importantes daquela tradição (Getúlio,
Pasqualini, Jango, Brizola...). É fácil constatar essa ruptura em seu livro.
Darei apenas dois exemplos mas o leitor poderá encontrar vários!
O primeiro exemplo da
radical ruptura com o antigo ideário do PDT – é até certo ponto surpreendente!! – Ciro
oferece no livro ao afirmar que se filia à tradição trabalhista a partir do resumo
feito por Mangabeira Unger quando este assinou sua refiliação ao PDT em novembro
de 2015. Ora, resulta que o “resumo” da longa tradição trabalhista feito por
Mangabeira aparece num discurso de 13 minutos e 45 segundos que, na prática, antes
de atualização é, sem dúvida, um abandono completo dos postulados que animaram
o trabalhismo histórico. A “distinção histórica” do PDT não encontra amparo na “combinação
dos 5 compromissos” indicados naquele discurso pífio do professor de Harvard
que Ciro apenas transcreve em seu livro como se representasse um novo
horizonte histórico capaz de enfrentar a jaula de aço da dominação burguesa no
Brasil.
O segundo exemplo da
ruptura com a tradição trabalhista aparece no confinamento do nacionalismo à
luta contra o “colonialismo mental” como se os grilhões que atam a nação ao
capitalismo dependente rentístico não tivesse vínculo com as “perdas
internacionais” insistentemente denunciadas por Brizola – ou seja, bases
materiais, cuja expressão máxima são as empresas multinacionais e as remessas
de lucros – e resultasse apenas do comportamento intelectual mimético das
elites locais em relação ao pensamento criado nas metrópoles. Ciro repete que o
“colonialismo mental nos condena ao subdesenvolvimento” enquanto Mangabeira
define o colonialismo mental como aquela “disposição de interpretar nossa
experiência e nossos futuros possíveis
pelos olhos de ideias trazidas de outros países – os países de referência...”.
Ora, a expansão
imperialista dos EUA prima pela ausência no livro de Mangabeira e, com essa
pequena omissão, emerge a figura dos “países de referência”. Não é um
orwellianismo genial? Ademais, os Estados Unidos aparecem – não numa, mas em
várias oportunidades – como um espelho para o Brasil! Impossível não perceber
que os efeitos perversos da praga do colonialismo mental afetaram até a medula
o próprio autor que não cansa de observar o Brasil pelas lentes da história
estadunidense. Pior mesmo é constatar que Mangabeira utiliza conceitos e
expressões caras ao pensamento crítico para esteriliza-las em seu sentido
original. A troca desigual, por exemplo – tão decisiva para entender a
dependência e as “perdas internacionais” anunciadas com insistência por Brizola
–, aparece agora na anedótica “sentimentalização das trocas desiguais”, fruto
de uma leitura culturalista superficial do homem brasileiro que, segundo o
professor de Harvard, oscilaria entre a patifaria do brasileiro (inclinado à
cooptação, aos panos quentes, ao meio termo, etc...) e a capacidade
“empreendedora” que, finalmente, poderia nos levar a condição de uma potência
econômica sem paralelo na história mundial!! De resto, Mangabeira não cansa de
buscar nas imaginárias semelhanças entre o Brasil e os Estados Unidos (“o
país com que mais nos parecemos”) receitas para nosso presente, escavando
na história do país imperialista não a maneira de Howard Zinn, mas de um interprete
rebaixado de Alexander Hamilton e das correntes nacionalistas de direita que
abundam no Império.
4. 4. O que fazer com a burguesia no
projeto nacional?
Ciro Gomes postula que
para viabilizar o projeto nacional será necessário construir nova burguesia.
A tematização da
burguesia brasileira no processo de transformação do país rendeu importante
debate no interior da esquerda brasileira. Afinal, no caminho da Revolução
Brasileira, qual o papel da burguesia? Em termos pedestres as correntes se
dividiam entre aqueles que conferiam um papel nacionalista à burguesia – razão
pela qual esta poderia se aliar ao proletariado no enfrentamento ao
imperialismo – e aqueles que afirmavam sua natureza cipaya (entreguista)
motivo pela qual a burguesia não vacilaria em se aliar ao imperialismo, trair a
nação e sacrificar o proletariado na luta política.
FHC e José Serra em
polêmica clássica contra Ruy Mauro Marini – outro mineiro que a despeito de
jamais se filiar ao PDT de Brizola também trabalhou na FESP sob direção de
Theotonio dos Santos – sempre reservaram um papel ativo à burguesia como
consequência necessária da concepção segundo a qual o caráter associado do
desenvolvimento capitalista dependente no país exigia uma aliança entre as
classes populares e a burguesia, especialmente com o capital industrial
nacional.
Ruy Mauro Marini, ao
contrário, matou a charada revelando a natureza apologética dos estudos de FHC
e Serra que, sem inibição, reservavam à burguesia nacional um papel
progressista e importante em qualquer projeto desenvolvimentista que,
finalmente, levaram a cabo com a vitória eleitoral em 1994. Em consequência, Marini
postulou em sentido contrário ao afirmar que na luta pela Revolução Brasileira
os trabalhadores não poderiam contar jamais com possibilidade da burguesia ou
ainda setores dela apoiar um projeto de “desenvolvimento soberano e igualitário”.
As leis que regem o desenvolvimento capitalista periférico – a superexploração
da força de trabalho e a transferência de riqueza para o mercado mundial –
impediria estruturalmente tal possibilidade. Portanto, sintetizou nossas
opções: subdesenvolvimento ou revolução!
No projeto nacional apresentado
por Ciro, emerge uma tese surpreendente, com a confessa e “instigante
influência intelectual” de Mangabeira. O candidato do PDT alega que será
necessário criar uma nova burguesia! Em suas próprias palavras: “Tenho
defendido a importância de construirmos, no Brasil, uma nova burguesia que
democratize a formação de capital e oxigene a burguesia tradicional que se
acomodou, em grande parte, nos ganhos fáceis do rentismo.” Com mais precisão, Ciro
informa: “Como já expus aqui, essa nova burguesia seria formada pela parcela
bem-sucedida dos estudantes inovadores e emergentes empreendedores. Apesar de
várias medidas de apoio e fomento do Estado que já foram esboçadas aqui, a
chave básica para empoderar essa classe emergente é a restauração da
normalidade das condições de crédito, ausentes no Brasil há quase 40 anos.”
De fato, não deixa de ser
uma questão verdadeiramente instigante pois até agora o drama da esquerda consistia
em eliminar a burguesia, jamais construir outra burguesia. A
despeito da originalidade, a vida tampouco seria fácil nesse mundo encantado
pois restaria um desafio nada trivial: afinal, o que fazer com a “antiga
burguesia”, aquela que se acostumou com os lucros fáceis do rentismo? Finalmente,
como inocular no DNA da “nova burguesia” um anticorpo capaz de impedir o novo
empreendedorismo de sucumbir – tal qual sua alma gêmea – à antiga tentação do
lucro fácil? Não há respostas no livro...
O papel aceita tudo, escreve
Ciro. Tem razão; a vida, ao contrário, tem muitas exigências. No livro de Ciro
Gomes a nova burguesia nasceria do caráter empreendedor de nosso povo sob a
roupagem de um “produtivismo includente” derivado da “economia do conhecimento”
anunciada por Mangabeira em quase todos seus livros, mas especialmente no
último. Segundo Mangabeira, tudo se resume a iniciar o longo caminho, sem precedente claro no mundo, nem mesmo
nos Estados Unidos ou na China, rumo a forma inclusiva da economia do conhecimento,
organizada para a “inovação perpétua” (p. 64, de Após o colonialismo...).
Mangabeira, assim como Ciro, eludem o fundamental: o capitalismo que sofremos
não se assemelha em nada com aquele no qual viveu Adam Smith, repleto de
pequenos e médios empresários mas, precisamente, no seu contrário, ou seja, o
mundo capitalista que governa nossas vidas e orienta a ação dos estados é
ordenado pelos monopólios. Num país periférico, dependente – após as mudanças
estruturais implementadas pela economia política do Plano Real – em sua fase
rentística, cuja característica histórica é a monopolização “precoce” do
chamado mercado interno, a receita de Mangabeira/Ciro não passa de ideologia. Ora,
o lucro extraordinário numa economia capitalista é um suposto da
concorrência entre os grandes capitalistas e constitui o motor do avança
tecnológico. Um estudante de segundo ano de economia já sabe que nesse
contexto, as chances de um “pequeno negócio” orientado pelos “novos
empreendedores” não pode se constitui como uma “nova classe emergente” mesmo
com o Estado regulando crédito e garantindo demanda.
Engana-se aquele que supõem
ingenuidade de Ciro/Mangabeira o projeto de criar uma nova burguesia. Na
verdade, essa surpreendente formulação é puramente ideológica, cujo destino
esta orientado pela ocultação de algo essencial: nas condições concretas do
Brasil, como enfrentar as multinacionais?
As multinacionais num
país periférico não somente monopolizam rapidamente o mercado interno mas
sobretudo transferem dólares para as matrizes sob múltiplas formas (sub e super
faturamento, pagamentos de royalties, remessas de lucros, etc) que sangram o
balanço de pagamento de maneira permanente. Jango impôs a lei de remesses de
lucros. Brizola denunciou as “perdas internacionais”. E Ciro? Ciro sacraliza o
domínio do capital estrangeiro no seu livro: “Não devemos praticar nem a
abertura indiscriminada nem o fechamento indiscriminado. O que um país deve
procurar é encontrar o ponto ótimo, cambial e alfandegário, no qual ele possa
exportar todo excedente do que produz de forma competitiva para pagar com esses
dólares a importação dos bens em que ele é mais improdutivo e as remessas de
lucros que as multinacionais efetuam para suas sedes.”
Epílogo: neo-desenvolvimentismo ou nacionalismo revolucionário?
O nacionalismo esta em disputa na sociedade brasileira. De um lado, um proto-fascista exibe a miséria do nacionalismo de direita cuja expressão maior pode ser observada nas propostas de Morão (https://nildouriques.blogspot.com/2017/10/o-general-no-pendulo-de-washington.html) como militar entreguista e pró imperialista e, também, num presidente da republica que bate continência para a bandeira estadunidense. No lado "oposto", a esquerda liberal revela sua timidez e ignorância diante da necessidade de afirmar o nacionalismo como a arma eficaz na retenção do excedente econômico produzido aqui sob o chicote da superexploração. As propostas contidas no livro de Ciro caminham no interior do circulo de ferro do subdesenvolvimento e da dependência sem jamais confrontar seus limites. Nesse aparente lusco-fusco, emergiu a necessidade de um nacionalismo revolucionário que ainda não encontrou sua tradução política e partidária. No entanto, o ritmo das transformações em curso mais cedo do que tarde exigirá sua emergência plena, não tenho dúvidas.
Creio que é suficiente. O
projeto nacional apresentado por Ciro é incapaz de figurar como alternativa à
ordem dominante. Não descarto a possibilidade de ele vencer uma eleição
presidencial; no entanto, nesse caso, estaríamos diante de uma repetição
trágica do sistema político brasileiro em crise terminal. O Brasil já caminha numa lógica das situações
extremas e, nestas circunstâncias, a tentativa de conciliar o irreconciliável não
fará menos que alimentar a força da classe dominante contra a maioria do nosso
povo. O pensamento crítico latino-americano já elucidou há muito nossas opções:
ou perpetuamos o subdesenvolvimento ou abrimos as portas da revolução
brasileira.