O direito burguês é conquista histórica
contra o despotismo dos monarcas. No entanto, livre deles, é necessário
reconhecer que num estado burguês, de classe, teremos sempre uma justiça de
classe. Não há e nem haverá justiça para as maiorias no interior deste sistema,
razão pela qual o Estado atua de maneira permanente contra lei e, em consequência, o sistema prisional aqui e em outros
países da América Latina está repleto de pobres, negros e índios. Às vítimas do
sistema, as prisões do sistema. Um peixe gordo atrás das grades é caso raro.
Os investigadores de Curitiba
atuam orientados politicamente como qualquer outro investigador, mas, ao
contrário daquele juiz que você encontra vez ou outra na rua de sua cidade, os
paranaenses possuem uma presa valiosa: Lula. O depoimento de Palocci, homem que
desfrutou da mais íntima confiança de Lula é, de fato, devastador. Antecipo: Palocci
não apresentou prova alguma até agora. Provas materiais serão sempre indispensáveis.
O estatuto da delação premiada ainda goza de certa aceitação popular, mas entre os
juristas há enorme controvérsia e consciência de seus perigos, pois ao amparo
do direito burguês, provas materiais seguem sendo uma regra de ouro da
segurança jurídica burguesa. Não pense em Lula quando você elogia a delação que
o condena, mas no seu filho no banco dos réus...
No entanto, mesmo diante da ausência
completa de provas materiais no depoimento de Palocci, há algo que podemos
concluir: se Lula, para alívio de seus defensores, não foi pego com uma
montanha de grana de origem duvidosa ou conta no exterior, é óbvio que dirigiu
durante 8 anos um Estado atravessado pela corrupção de cuja existência ninguém
mais dúvida. Ademais, ele foi a figura mais popular de um sistema político
organizado pela corrupção sistêmica e adicionou ao seu legado outros 5 anos sob
comando da ex-presidente Dilma; longos 13 anos na cumplicidade com o sistema.
Ávidos por duas moléculas de justiça
e completamente descrentes na capacidade de auto regeneração do sistema
político, muitas pessoas acreditam realmente na ação dos juízes de Curitiba e
na eficácia do procurador Rodrigo Janot precisamente porque não acreditam que do
“mundo político” atual possa emergir uma força capaz de derrotar a canalha. Portanto,
é do ceticismo sobre a capacidade do sistema político em renovar-se que emerge
o moralismo, ou seja, a impotência em ação. Mas este moralista que se pintou de
verde-amarelo e ainda assusta setores da esquerda, aos poucos, lentamente, começa
a perceber que a mera condenação moral “dos políticos e seus empresários
prediletos” é completamente incapaz de derrotar o sistema político corrupto que
nos oprime.
O moralista ávido por revanche percebe que a ação dos juízes
pode parecer antissistêmica e a favor do bem comum, mas tampouco poderá conter
a força da grana e seus vínculos com o governo e o poder. O processo é lento,
mas este despertar esta em curso com enorme força, especialmente nas classes populares. Por
isso mesmo, as manifestações da direita moralista não possuem antigo apelo
popular nem capacidade de encher a avenida paulista novamente. O homem comum
percebe que, de fato, a corrupção do sistema beneficia de alguma forma a todos
os políticos famosos. É o sistema que está em questão e não mais este ou aquele
político, este ou aquele bando. É claro que a eventual condenação de Lula poderá
produzir o último ato de massas da consciência ingênua na avenida paulista.
Após a sentença, um grito de êxtase e, finalmente, o silencio. No dia seguinte –
com Lula preso ou impedido de ser candidato – o moralista de plantão que apenas
desperta de seu sonho dourado de acabar com a corrupção sem tocar no sistema,
se encontrará desamparado, a procura de uma solução mais eficaz ou radical. O
deserto político de seu moralismo revelará todos os limites e ele, solitário,
será compelido a buscar alternativa mais sólida. O cinismo que foi seu
combustível inicial, de extração anti-petista, agora afeta também aquele político
no qual votou protegido pelo sigilo. Solitário, o moralista perceberá que a
primavera de suas certezas morais foi fugaz... É um homem na solidão de sua
impotência, necessitado de alternativa real, antissistêmica. No desamparo,
olhará para a esquerda... e para a direita. Seremos capazes de oferecer uma
alternativa à sua solidão, desespero, angústia? É o terreno fértil para uma
alternativa radical, livre para ser representado por nós da esquerda ou por
eles da direita.
E Lula? Lula fracassou historicamente, embora ainda apareça como alternativa eleitoral para 2018, exceto se for condenado e impedido de disputar a presidência no próximo ano. Mas vale recordar algo essencial: uma alternativa eleitoral nunca será, necessariamente, uma alternativa política!! A política resumida à dimensão eleitoral é expressão da miséria burguesa. Estimo, no entanto, que parte da força lulista se deve as limitações políticas de muita gente boa que não quer ou não pode (ainda) dar um passo adiante da consciência ingênua que alimenta diariamente. A crise que apenas começou certamente terminará com todas e cada uma das ilusões motivadas pelo ex-presidente, cultivadas na intimidade pelo militante petista ou simpatizante desiludido. Afetará ainda aquele eleitor que pretende sair do pesadelo político e social inaugurado pela guerra de classes no estreito limite da urna eleitoral. Lula é obstáculo, não mais solução. O sujeito desamparado e solitário, que depositou suas esperanças na luta eleitoral sem consciência e organização política, vê seu otimismo derreter diante das alianças que Lula já costura com seus algozes (Renan Calheiros é apenas expressão mais visível da repetição) mas não é, nem de longe, a demonstração mais nociva das alianças secretas que costura.
E Lula? Lula fracassou historicamente, embora ainda apareça como alternativa eleitoral para 2018, exceto se for condenado e impedido de disputar a presidência no próximo ano. Mas vale recordar algo essencial: uma alternativa eleitoral nunca será, necessariamente, uma alternativa política!! A política resumida à dimensão eleitoral é expressão da miséria burguesa. Estimo, no entanto, que parte da força lulista se deve as limitações políticas de muita gente boa que não quer ou não pode (ainda) dar um passo adiante da consciência ingênua que alimenta diariamente. A crise que apenas começou certamente terminará com todas e cada uma das ilusões motivadas pelo ex-presidente, cultivadas na intimidade pelo militante petista ou simpatizante desiludido. Afetará ainda aquele eleitor que pretende sair do pesadelo político e social inaugurado pela guerra de classes no estreito limite da urna eleitoral. Lula é obstáculo, não mais solução. O sujeito desamparado e solitário, que depositou suas esperanças na luta eleitoral sem consciência e organização política, vê seu otimismo derreter diante das alianças que Lula já costura com seus algozes (Renan Calheiros é apenas expressão mais visível da repetição) mas não é, nem de longe, a demonstração mais nociva das alianças secretas que costura.
Palocci – repito – não aportou prova alguma. Contudo, deu mais uma indicativa de que Lula, orientado por pragmatismo vulgar, diante de evidências políticas absolutamente claras da corrupção sistêmica, jamais pretendeu enfrentá-la. O ex-presidente julgou que diante das migalhas distribuídas por programas sociais destinados à realização da digestão moral da pobreza entre nós, seria realmente um político intocável. Lula supunha que aqueles que gritam com desespero desde o abismo social em que se encontram, seriam incondicionais em seu apoio e os tribunais corruptos não teriam coragem de enfrentá-lo sem jogar o sistema todo na crise de legitimidade agora visível.
Finalmente, Lula, considerado
político hábil, o rei da pacificação e da conciliação numa sociedade marcada
pela desigualdade e violência para com as classes subalternas, errou feio no
cálculo. Aqui e agora, não mais importa o erro de cálculo de Lula; tampouco
importa se voltará ou não. O limite que angustia muitos daqueles que convivem
conosco é de outra natureza: diante de tantas evidências serão capazes de superar
o limite de suas próprias ilusões?