A greve nacional dos professores produziu na UFSC um falso
dilema: devemos radicalizar e fortalecer a greve em curso dirigida pelo ANDES
Sindicato Nacional ou apostar exclusivamente na mesa da
negociação entre o governo e as entidades sindicais da educação (Andes,
Fasubra, Proifes)?
A
radicalização não excluiu a negociação; ao contrário, o recurso à greve somente
se justifica como meio eficaz de pressão na mesa de negociação. A greve
pressiona o governo e devemos fortalecê-la para ganhar força numa negociação
que,
por responsabilidade do governo, é tardia e até agora muito ruim para
a categoria.
No
passado – não devemos jamais esquecer! – o recurso à greve era com enorme
frequência um meio para estabelecer a
mesa de negociação, pois os governos recusavam sem
cerimônia qualquer iniciativa do ANDES para realizar acordos; na prática, os
governos empurravam a categoria para a paralização. Em não poucos casos, o movimento
grevista tinha que arrancar a negociação não com o ministro da educação, mas –
pasmem! –, com o presidente da Câmara ou do Senado. A propósito, recordo que em
algumas oportunidades o movimento recorria aos políticos “de peso” na república
burguesa e, portanto, com acesso ao Palácio do Planalto (Antônio Carlos
Magalhaes, Luiz Eduardo, entre outros cumpriram essa função!). Assim, por meio
de parlamentares, o movimento grevista exercia alguma pressão sobre o
Ministério da Fazenda.
Nas
circunstâncias atuais esse artifício não tem qualquer eficácia, pois
Haddad é o representante máximo da ortodoxia liberal e defensor religioso do
déficit zero; de resto, no covil de ladrões, tanto Lira como Pacheco – após
conquistar do governo 44,57 bilhões de emendas parlamentares – fazem coro com o
ministro e atuam como guardiões da austeridade fiscal contra o povo e, em
especial, contra o funcionalismo público (exceto, é claro, com o Judiciário que
já consome 1,5% do PIB).
Não
nos enganemos sobre o essencial. O reajuste linear de 9% concedido pela MP
1170/23, iniciado em 1 de maio do ano passado a todo o funcionalismo público nacional não foi produto da pressão ou
de uma negociação do governo com as entidades sindicais. Nem radicalismo, nem
negociação! O governo decidiu o aumento em função de seus próprios interesses,
mas com olhos no futuro: o “folego” do ano passado era antídoto do aperto
permanente decidido na transição de Bolsonaro a Lula sob a partitura do teto de
gastos considerados orwellianamente pelo petismo como “arcabouço fiscal”. Na
prática, aquele reajuste não recupera nossas perdas de pelo menos 25% derivados dos
acordos de 2016 e 2017 e nunca respeitados pelo governo. Portanto, os percentuais prometidos apenas compensam a
inflação que sofremos, mas estão longe – bem longe! – de recuperar o poder de
compra da categoria.
A
ortodoxia de Lula/Haddad poderá ceder? Sem dúvida! A Polícia Federal levou 22%
e os funcionários do Banco Central 23% de reajuste; a Polícia Rodoviária
Federal arrancou 27% e a Polícia Penal Federal, outros 60%. Os auditores
fiscais conquistaram um “bônus de
produtividade” de R$4.500,00 iniciais. O IBGE e especialmente a FUNAI
conseguiram significativos reajustes na carreira com 40% em janeiro passado.
Que tal?
A
greve dos auditores fiscais ensina algo valioso para todos nós. O movimento
eclodiu em dezembro de 2023 e durou... 80 dias! No dia 7 de março o Sindifisco
anunciou que “os valores para pagamento do bônus ficam definidos da seguinte
maneira: 10,19% para os meses de fevereiro a julho de 2024, com limite mensal
de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais); 11,33% para os meses de agosto
de 2024 a janeiro de 2025, com limite mensal de R$ 5.000,00 (cinco mil reais);
15,52% para os meses de fevereiro de 2025 a janeiro de 2026, com limite mensal
de R$ 7.000,00 (sete mil reais) e 25% para os meses de fevereiro de 2026 a
janeiro de 2027, com limite mensal de R$ 11.500,00 (onze mil e quinhentos
reais)”. Portanto, mesmo não pertencendo à vala comum dos servidores públicos
– representavam uma “carreira de Estado” no jargão socialdemocrata dos finados
tucanos dirigidos por Bresser-Pereira – os auditores foram à luta e arrancaram agora o bônus! Não está descartado que tenham que retomar mais adiante
o movimento, caso o governo não reconheça sua assinatura num acordo onde tudo
cabe, exceto a honra. Contudo, escolado na arte de negociar com governos sem
palavra, o Sindifisco afirma que o acordo está limitado ao bônus e – muito
importante! – nada impede que a categoria possa “se mobilizar na luta para a
conquista de outras reivindicações como vencimento básico, fim das
contribuições previdenciárias e busca pela integralidade”.
Ora,
a negociação em curso com os professores está ancorada na promessa de aumento
nos próximos anos, mas nenhum aumento agora: zero em 2024! De fato, a proposta
é inaceitável até mesmo para o Proifes. Mais: é um estímulo à greve que já
mobiliza mais de 40 universidades. Portanto, a despeito de promessas e
eventuais acordos sobre ganhos no futuro, a questão é, como em toda a greve, o agora. Fortalecer a greve nesse momento
é a única maneira de influenciar na negociação em curso em Brasília. Até mesmo
o bom moço Keynes alertou que “no longo prazo todos estaremos mortos” e, em
consequência, os pontos mais importantes não estão na promessa de reajuste em
2025 e 2026. Ora, diante da mais absoluta ortodoxia liberal, qual é a garantia
de que o governo cumprirá o acordo no próximo ano?
Nesse
contexto, devemos buscar o grau máximo de unidade entre os professores e lutar
também pela máxima adesão dos professores. É um trabalho essencialmente
político. A divisão entre o ANDES e o Proifes – entidade reconhecida pelo
governo Lula para dividir a categoria quando o ministro da educação era ninguém
menos do que Fernando Haddad em 2007 – é um obstáculo objetivo a ser superado.
Até aqui, as suspeitas e fatos que marcaram a trajetória do movimento docente
foram produtos de erros e acertos do ANDES. Entretanto, águas passadas não
movem moinho! É preciso somar com o Andes com a mesma força com a qual devemos exigir a renovação de sua
práxis política sindical.
Qual projeto de universidade?
Há
outros problemas mais graves do que o índice de reajuste. A classe dominante já
decidiu a sorte da universidade no Brasil e o governo Lula/Alckmin segue à
risca o roteiro. Há sinais evidentes que nem mesmo o rebaixamento do
debate sobre a “função social” da universidade pode ignorar[1] .
O financiamento das universidades praticado por Lula para 2024 foi inferior ao do protofascista Bolsonaro
em 310 milhões!! Até agora, a ANDIFES não tem uma ação decisiva para arrancar
recursos adicionais destinados à recomposição
orçamentária necessária à restauração das condições mínimas para nosso
funcionamento. De resto, a aposta oficial do governo – anunciada em 12 de março
de 2024 – se resume à expansão de 100 novos institutos federais com a abertura
de 140 mil vagas. Ademais, no MEC, Camilo Santana goza de enorme prestígio e,
em consequência, em posição confortável, segue dando as cartas com orientação
da Fundação Lemann. Aqui – e em todo o Brasil – as universidades exibem sua
miséria na gravíssima crise da infraestrutura, nos déficits permanentes e na
crônica falta de investimentos. O planejamento está morto! Em consequência,
resta o miserável recurso às emendas parlamentares e a sorte de pequenas
negociações no modesto balcão em Brasília. Enfim, o cenário não é nada bom.
A
universidade, nas condições de um capitalismo dependente rentístico – sem base
industrial e aprofundando a dependência científica e tecnológica – indica que a
função social da universidade é, de fato, complementar.
Na prática, a universidade presta serviços a órgãos de Estado (ministérios,
estatais, fundações, etc) e busca nas empresas nacionais e multinacionais
nichos para garantir seu funcionamento. Portanto, não há função estratégica
para o sistema universitário no ideológico “desenvolvimento nacional”. Aos que
duvidam, basta analisar com algum cuidado a proposta da “neo-industrialização”
anunciada por Alckmin: não há recursos do tesouro Nacional e a “proposta” conta
apenas com reduzidos recursos do BNDES. Na prática, o BNDES funciona como
política compensatória de uma lumpem
burguesia capaz apenas de contemplar pequenos e médios empresários longe da
disputa tecnológica e migalhas para os neófitos adeptos das “start up” e do
empreendedorismo.
Finalmente,
a austeridade permanente contra as universidades constitui um impulso à
mercantilização de todas as atividades possíveis entre nós. O pragmatismo não
perde tempo e anuncia sua legitimidade: se o financiamento público é mesmo
reduzido, o recurso ao privado ou a venda de serviços aos ministérios e às estatais
sobreviventes ganham um ar de “legitimidade” inédito. No surrado bordão
liberal, a universidade se tornou uma instituição “cara demais” para um país
subdesenvolvido e dependente. A greve atual precisa ampliar o horizonte da
reflexão para além do combate necessário destinado a arrancar reajuste e
eventual melhoria na carreira.
O desafio do “professor novo”
O
grau de regressão político-intelectual da esquerda liberal é profundo e reduziu
o horizonte da luta sindical nos campi
além de obstaculizar a reflexão sobre a função da universidade num país
subdesenvolvido e dependente. A greve atual exibiu a imensa dificuldade dos
“progressistas” em defender o elementar: nossos salários! Não poucos defensores
do atual governo consideravam – e outros ainda consideram – que uma greve
“contra o governo” fortalece uma modalidade de “neofascismo” que somente existe
em suas cabeças! A derrota eleitoral da direita liderada até agora por
Bolsonaro somente poderia ocorrer na ruptura com a economia política do rentismo, mas, ao contrário, o governo
petucano segue à risca a partitura inaugurada com o Plano Real em 1994 e levada
com truculência por Paulo Guedes no governo anterior.
Nesse
contexto, a defesa dos salários ainda é cativa de um economicismo rasteiro (a
luta dos salários contra os preços) mas não devemos desprezar que em determinadas circunstâncias pode
adquirir um caráter transformador. Ora, nossa greve bate de frente com o teto
de gastos adotado como virtude pelo governo Lula. O professor cativo de uma
perspectiva individualista considera ingenuamente que, de fato, há algo
especial em nossa profissão e, em consequência, supõe que, ao contrário dos
demais servidores públicos, ainda
gozamos de prestígio social capaz de conquistar algum reajuste sem cair na vala
comum do sofrimento humano. Ledo engano!! O princípio
da austeridade é uma declaração de guerra contra os trabalhadores em geral
e contra o serviço público em particular. Os baixos salários (90% da PEA ganha
até 2,5 salários mínimos) e a dívida pública turbinam a acumulação no
capitalismo dependente rentístico enquanto a consciência ingênua sonha com a
volta de uma modalidade qualquer de keynesianismo impossível na periferia do
sistema.
Aqui
reside o caráter essencialmente político
de nossa greve a despeito do economicismo dominante e da vã tentativa de poupar
o atual governo de merecidas críticas! De um lado, o professor novo quer apenas
seu salário e, de outro, o antigo militante petista quer agora evitar o
“ataque” ao seu governo. A despeito de acusações mútuas, ambos são produto do
mesmo processo. As greves – públicas e privadas – crescem em função das
péssimas condições reservadas aos trabalhadores. O DIEESE informa que em 2020
foram 649 greves e em 2021 subiram para 721; em 2022 superaram a marca do
milhar (1.067) e, finalmente, em 2023 novo patamar (1.132). A pressão é,
portanto, anterior ao atual governo e indica um ativismo sindical ainda com
“caráter defensivo”, porém com potencial diante dos aviltantes salários pagos
aos trabalhadores.
A
eleição da chapa petucana (Lula/Alckmin) era defendida pela esquerda liberal
como necessária, um passo na derrota do “neofascismo” (seja lá o que isso
significa) e uma possibilidade para a retomada da luta por melhores condições
de vida e trabalho. A eleição figurava no discurso da esquerda liberal como condição para permitir melhores
condições para a luta dos trabalhadores! Agora, subitamente, antes mesmo de
defender seu salário, a esquerda liberal indica que a prioridade é... preservar
o governo e impedir “a volta da direita”. Ora, essa concepção parlamentar de política
que pretende confinar o conflito de classe cada dia mais intenso numa urna
eleitoral é um caminho suicida! A “defesa da democracia” termina por legitimar
um sistema político corrupto e funcional à ordem burguesa, que já conta com o
repúdio de milhões de trabalhadores! Portanto, a “defesa do governo” não pode
ser feita senão mobilizando e elevando o grau de consciência e autonomia dos
trabalhadores diante dos partidos e do Estado! A propósito, esse era o
postulado básico do PT e do sindicalismo de Lula antes de sua completa e
definitiva integração à ordem burguesa!
Entretanto,
o governo petucano (fusão de petistas e tucanos) goza de simpatizantes tanto no
ANDES quanto no decadente Proifes. Lula aparece – para ambos! – como um
perverso horizonte do possível no terreno do político como se estivéssemos, de
fato, condenados a aceitar as misérias desse governo no suposto de que nenhum
outro é viável nesse momento. Em nossa categoria – a despeito da desilusão
manifesta, crescente e discreta – ouvi de setores da esquerda liberal a
negativa de participar da greve porque estaríamos atuando contra “nosso
governo”. Há também aqueles que pretendem afirmar a superioridade do governo
petucano diante do protofascista Bolsonaro porque agora estamos pelo menos
diante de uma negociação. É verdade que há uma negociação, entretanto, os
argumentos em defesa do voto em Lula contra Bolsonaro eram precisamente porque
em caso de vitória do primeiro, as condições para a luta melhorariam!
Desde
uma perspectiva sindical, é preciso recordar que a fundação da CUT sob controle
petista consistia justamente na defesa radical da independência e autonomia
sindical. Os atuais defensores do governo esqueceram o fundamento sindical do
petismo originário? Ao recusarem este princípio básico do sindicalismo nascido
do protesto operário contra a ditadura, apenas confirmam o quanto estão
submetidos a uma razão de estado e às
graves consequências de tal orientação para a sorte dos trabalhadores. Ademais,
o governo está completamente comprometido com o postulado da austeridade ultraliberal
– a adoção do teto de gastos o comprova – responsável direto pela degradação do
serviço público em geral e da saúde e educação em particular.
Aos
que responsabilizam os “novos professores” pela situação atual e os acusam de
despolitizados ou ainda de seres cativos de um miserável individualismo sem
“espirito coletivo” unicamente apegados a seu pequeno mundo num laboratório
semi financiado ou agraciado por algum contrato mais ou menos sólido com uma
estatal ou multinacional, eu recordo que a renovação de nossa categoria ocorreu
num período de ausência completa do radicalismo político e do mais absoluto
desarme ideológico praticado como virtude pela antiga esquerda cuja
representação máxima segue sendo o octogenário Lula. Acaso, após a miserável
integração do PT e Lula à ordem burguesa com a consequente esterilização da
práxis política radical, alguém poderia esperar que “jovem professor” entraria numa
assembleia do sindicato com um volume de “A ideologia alemã” de Marx embaixo do
braço?
O
que pretendem zelosos defensores da “consciência de classe” quando responsabilizam
os “novos professores” pela falta de mobilização da categoria? Ora, não
pretendem menos do que isentar a “despolitização dos últimos 20 anos” propulsora
da ascensão da direita que encontrou em Bolsonaro um inesperado “crítico da
ordem” dominante! Acordem: ao calar sobre as misérias cada dia mais visíveis do
governo e sua economia política que condena a maioria absoluta dos
trabalhadores à superexploração da força de trabalho não fazem menos que deixar
o monopólio da crítica para a direita!
Os
baixos salários, os orçamentos sob permanente restrição, a mercantilização como
aparente alternativa, o colapso da “universidade inclusiva” (Janine Ribeiro)
evidente com a “sobra de vagas” e a redução acentuada da relação candidato-vaga
em um sistema de ingresso (ENEM) que já deveria ter sido superado produz um
evidente e justificado pessimismo nos novos professores. Como superar essa
situação? No âmbito sindical, podemos retomar a reflexão crítica sobre a função
da universidade num país cada dia mais afundado na dependência científica e
tecnológica e abandonar definitivamente a miragem da inclusão social
universitária num contexto onde os miseráveis são multiplicados pela taxa de
juros mais elevada do planeta, os baixos salários e políticas compensatórias
incapazes de tocar no nervo da marginalidade definitiva de milhões de
brasileiros.
Portanto, o suposto “vazio ideológico” do “despolitizado” jovem professor não
é menos que um produto necessário da renúncia voluntária daquele radicalismo[2]
político identificado com o socialismo e a revolução social que era um
combustível tão necessário para a politização dos colegas quanto da afirmação
da universidade como instituição de Estado! Agora, diante de um sentimento de
desânimo sobre o futuro e enquanto alguns professores sonham com uma temporada
em Yale e Columbia, Sorbonne ou Oxford, não se dão conta de que estamos com os
pés afundados num país subdesenvolvido e dependente que importa máquinas e
equipamentos para a indústria, adubos para o latifúndio e não duvidaria que até
mesmo a roupa intima que usam possui a marca indelével no selinho: made in
China!
A
greve, portanto, exibe não apenas nossas misérias, mas também as exigências de
nosso desafio comum. O governo não tem projeto para o país – exceto a
reprodução ampliada da dependência – e, portanto, tampouco pode oferecer algo
digno para a universidade. A divisão sindical que nos enfraqueceu até agora
precisa terminar de uma vez por todas, a despeito do caráter cada dia mais
fantasmagórico do Proifes. Na mesma toada, o ANDES necessita da renovação de
sua práxis sindical e a mais completa independência de qualquer governo. Mas
essa é apenas uma condição necessária, jamais suficiente. É preciso que nosso
sindicato abra um debate nacional sobre o futuro da universidade que já não
cabe no surrado bordão de outras épocas (a defesa de uma “universidade pública,
gratuita, de qualidade e socialmente referenciada”) para enfrentar níveis de
dependência jamais sofridos anteriormente.
Entre
a conversão liberal da antiga esquerda radical existente nos anos oitenta do
século passado – agora cínica defensora da ordem burguesa e do bom-mocismo – e
a brutalidade da direita capaz de atuar sem vacilação rumo a uma modalidade
qualquer de estado policial, a tarefa da greve é imensa: novos e antigos
professores necessitam lutar pela imediata recuperação dos salários num tempo
em que a própria existência da universidade como instituição está em questão.
Revisão: Junia Zaidan