Nos anos oitenta, quando algum jornalista perguntava ao Lula se ele era de esquerda ou direita, com frequência ouvia como resposta um sonoro "sou torneiro-mecânico". A maior parte de seus apoiadores sorria como quem diz, "o chefe é mesmo foda, sabe sair de qualquer armadilha montada pela imprensa burguesa". Outros, mais afinados com o colonialismo bocó que comanda linguagem, davam de ombros e se deliciavam com a "boutade" do presidente do partido. Nós, desde uma perspectiva de esquerda, caíamos matando, numa tentativa tao importante quanto ineficaz de empurrar o PT para uma posição radical, pretensão que o tempo não tardou em demonstrar que era, de fato, inútil.
No comando do PT, via Articulação, a antiga tendência majoritária, Lula e Zé Dirceu indicavam que este tipo de definição não interessava aos trabalhadores. Era coisa de intelectuais.... No entanto, mais tarde, quando necessário, a intelectualidade paulista aderiu a Lula sem reservas e demonstrou o quanto pode ser útil no terreno da política. Marilena Chauí foi sem dúvida mais longe que qualquer outro com seu desmedido brado segundo o qual Lula teria capacidade de iluminar o mundo quando falava. Marco Aurélio Garcia, antes dela, "definia" o PT como "pós-comunista" e "pós-socialdemocrata". Entre a apologia e a indefinição, o PT se consolidava como principal partido da ordem no país. Era o que importava, a vida demonstrou.
Eu sei que após tantos anos de petismo (na oposição e especialmente no governo), é quase ocioso recordar para crescente parte da opinião pública que os governos do PT nada possuem de esquerda. Os banqueiros, latifundiários, industriais e comerciantes desfrutam de um governo orgânico na defesa de seus interesses. No entanto, é também claro que a direita não perderá oportunidade de colar no PT o rótulo de "esquerda", conhecida operação conveniente a ambos: o sistema petucano não medirá esforços para impedir a erupção do radicalismo político que precisamos construir, indispensável para inaugurar no país as grandes transformações inerentes à Revolução Brasileira. Enfim, há um espaço à esquerda para ser ocupado e que não deve ser ocupado...
É neste contexto que a declaração de Lula em entrevista com blogueiros na semana passada (publicada no Valor, quarta-feira, 21 de janeiro) tem valiosa serventia, pois agora, após tantos anos de clara fidelidade, Lula finalmente assume o liberalismo como bandeira ou ideário. "Sou liberal", disse ele, sem vacilação. Não se trata de surpresa, mas obviamente é um alívio para todos os socialistas, comunistas e revolucionários. O cinismo moderno recebeu nova contribuição mas o desconforto agora não é mais nosso, é assunto dos liberais.
Diria Kosik: nesse real constituído pela unidade da essência e do fenômeno, o essencial esteve parcamente camuflado pelo fenomênico...
ResponderExcluirBela lembrança. Kosik sempre indispensável.
ResponderExcluirLula é um tipo especial de pessoa, aquelas que sabem dar nó em pingo d'água. O regime que ele montou tem bolsa BNDES para empreiteiras e agronegócio, bolsa Banco Central para os banqueiros, boquinhas para os companheiros, pixuleco para os dirigentes e as migalhas do banquete para os pobres. Quando leio um artigo desses me lembro de Golbery: "Este homem vai destruir a esquerda no Brasil".
ResponderExcluirLula é um tipo especial de pessoa, aquelas que sabem dar nó em pingo d'água. O regime que ele montou tem bolsa BNDES para empreiteiras e agronegócio, bolsa Banco Central para os banqueiros, boquinhas para os companheiros, pixuleco para os dirigentes e as migalhas do banquete para os pobres. Quando leio um artigo desses me lembro de Golbery: "Este homem vai destruir a esquerda no Brasil".
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