A burguesia decidiu que Dilma fica. Não é decisão nova. É decisão antiga que se fortaleceu no último período diante da situação política e econômica no país.
A primeira razão da posição burguesa resulta do profundo "ajuste" praticado por Dilma contra os trabalhadores. No essencial, o desemprego é elevadíssimo (superior ao 10%) e os salários baixaram violentamente. Dilma vetou a possibilidade de auditoria da dívida e, em consequência, garantiu vida longa ao rentismo. A brutal recessão e a desvalorização do cambio - nesta ordem - turbinou a balança comercial, tal como pretendiam todas as fracões burguesas. Os cortes no investimento das áreas sociais (o diário oficial comunicou dia 30/03 adicionais 4,2 bilhões na educação e outros 2,28 bilhões na saúde) alimentaram a fatia do recursos públicos destinado ao pagamentos da dívida as custas dos trabalhadores. Enfim, as bases para a retomada da acumulação de capital estão sendo criadas. O governo é, basicamente, um governo que no antigo jargão definiríamos como neoliberal.
No terreno da ativismo social, muitas organizações e partidos de esquerda se mobilizaram contra a destituição da presidente e contra o golpe parlamentar tucano. Ficou evidenciado que a orfandade militante encontrou na "defesa da democracia" razão para sair as ruas e afirmar que, finalmente, contra vento e maré, há vida para além do petismo. Este se moveu, mas como previsto, manteve seu caráter defensivo, ao qual esta condenado irremediavelmente. As marchas do dia 18 e o protesto do dia 31 de março exibiram certa capacidade de manifestação. Longe de qualquer apologia, é claro que a burguesia não tremeu de medo; ao contrário, a burguesia indicou aos vacilantes parlamentares que devem apoiar a perenização do ajuste e da "responsabilidade fiscal", sua principal lei de bronze ou, como demonstra as ruas, "o caos pode dominar"...
Claro está: a conversão do PT em principal partido da ordem e o colapso do sistema petucano - agora reconhecido até mesmo por liberais - permite confortável situação as classes dominantes. No limite, diante de um fato realmente novo, elas podem defenestrar Dilma sem cerimonia. Preferem, no entanto, mantê-la, pois a presidente não se cansa de atuar disciplinada, nos estritos limites da administração ortodoxa da crise. Enfim, o governo pode dispensar o FMI porque aquele sabe o que os altas finanças querem, na medida e momento certo.
A antiga militância petista nunca foi tão ingenua e ideológica. A direção do PT alertou no inicio da semana passada, que "somente a militância na rua derruba o impeachment". Era o chamado para fomentar o protesto do dia 31 de março, data comemorativa do golpe de 1964 A despolitização é tamanha que muita gente boa acreditou no bordão e, sinceramente, ocupou as praças com a convicção de quem estaria fazendo a "direita" recuar. Ora, não se trata de menosprezar o protesto popular, mas precisamente do oposto: nas circunstâncias atuais, todo protesto popular, ainda aquele bem intencionado, crítico ou anti-petista, esta confinado à dialética do ajuste em curso, cuja cabeça é Dilma. Não por acaso Lula disse aos sindicalistas há duas semanas num encontro paulista: "vamos deixar a economia pra depois do impeachment". Enfim, creio que Dilma fica.
Hoje a Folha de São Paulo (para dar apenas um exemplo) em editorial na primeira página indica "Nem Dilma nem Temer". É o desembarque do jornal paulista do golpismo rasteiro e sua declaração de ingresso oficial no clube dos respeitáveis senhores defensores da moral pública. Creio que também é a forma astuta do jornalismo abandonar Temer, descolar-se de responsabilidade futura e namorar, por baixo do pano, com a atual presidente. Impossível não recordar o gênio de Lima Barreto, o escritor quase proscrito das letras brasileiras que, há mais de um século (1905), escreveu este certeiro parágrafo:
A imprensa! Que quadrilha! Fiquem vocês sabendo que, se o Barba-Roxa ressuscitasse, agora com os nossos velozes cruzadores e formidáveis couraçados, só poderia dar plena expansão a sua atividade se se fizesse jornalista. Nada há tão parecido como o pirata antigo e o jornalista moderno: a mesma fraqueza de meios, servida por uma coragem de salteador; conhecimentos elementares do instrumento que lançam mão e um olhar seguro, uma adivinhação, um faro para achar a presa e uma insensibilidade, uma ausência de senso moral a toda a prova.... e assim dominam tudo, aterram, fazem que todas as manifestações de nossa vida coletiva dependam do assentimento e da sua aprovação... Todos nós temos que nos submeter a eles, adulá-los , chamá-los de gênios, embora intimamente os sintamos ignorantes, parvos , imorais e bestas.... Só se é geômetra com seu placet, só se é calista com a sua confirmação e se o sol nasce é porque eles afirmam tal cousa.... e como eles aproveitam esse poder que lhes dá a fatal estupidez das multidões! Fazem de imbecis gênios, de gênios imbecis; trabalham para a seleção das mediocridades, de modo que..."
Excelente, como sempre!!!!
ResponderExcluirNa sua opinião, qual o papel da esquerda neste cenário?
ResponderExcluirSinceramente romper com este modelo estupido que está ai parar de ser parva e lutar de modo profundo por um social democracia realmente radical,fortalecendo um movimento realmente operário com uma profunda aliança com a intelectualidade nacionalista.Se ficar com este modelo bobinho com Estados Unidos nos cercando com olhos gordos nos nossos recursos,e além deste jogo menor de inserimento econômico,enfim é necessário uma política mais radical,e sinceramente é necessário destruir tal modelo que assola a nação.
ExcluirNa sua opinião, qual o papel da esquerda neste cenário?
ResponderExcluirMas não, sem antes, fragilizá-la ao extremo do suportável. Para ceder, ceder, ceder ...
ResponderExcluirCaros amigos, a questão da alternativa demanda maior reflexão. Estou preparando algo. Mas antecipo uma molécula: não é papel da esquerda salvar a situação atual. Abraços!
ResponderExcluirFechamento de ouro com o Lima Barreto.
ResponderExcluirLima Barreto é, de longe, um dos grandes senão o mais importante escritor brasileiro.
ExcluirLima Barreto é, de longe, um dos grandes senão o mais importante escritor brasileiro.
ExcluirEu li o Triste fim de Policarpo Quaresma e agora estou lendo o Recordações do Escrivão Isaías Caminha. Dois ótimos livros e bem atuais por sinal. Uma pena que o Lima Barreto não tenha tido o devido reconhecimento em vida.
ExcluirMagnífico Eduardo. Lima não recebeu o devido reconhecimento por acaso ou por falta de talento literário. É uma opção consciente do distinto público e especialmente claro entre os professores universitários.
ExcluirQuerido Ouriques, tive a honra de conhecê-lo em Salvador e levar um autógrafo maravilhoso. Eu discordo de ti, até usando um dos teus argumentos. Se as condições de retomada da acumulação capitalista já estão retomadas, acredito que as oligarquias tradicionais já estão totalmente ansiosas para assumir o poder político pleno. E através disso efetuar um grande ataque em cima das melhores coisas que construímos desde 1930. E pra fechar, a citação a Lima Barreto é fundamental que foi o escritor que em plena a República Velha mostrou que ali não era um projeto de res publica, mas de continuação dos eternos desastres que assolaram o país desde 1500.
ResponderExcluirCaro Rodrigo: de fato, eu julgava que o caráter totalmente burguês do governo Dilma dispensaria a destituição. Escrevi este texto 15 dias antes da decisão parlamentar. Jarbas Vasconcellos afirmou no Valor que 5 dias antes da decisão, o governo ainda tinha maioria. Não esqueça que Temer, o golpista, estava em São Paulo e voltou as pressas a Brasília. No entanto, se errei no desdobramento parlamentar, acertei no essencial: a despeito da servidão de Dilma a burguesia queria ainda mais! Este é o resultado de um governo que pretendia conciliar os interesses antagônicos com a "sabedoria" de Lula e seus "dirigentes". Foram tragados pela inocência e o oportunismo político. Vida que segue! Abracós!
Excluira burguesia e a elite nunca se contentam, tanto é que são capazes de se auto destruirem na busca pelo poder.
ExcluirDestruir a estrutura conservadora da elite brasileira e levantar com dignidade contra o imperalismo que ameaça o Brasil,punir a parte mais corrompida do estado e sem hesitar buscar uma revolução institucional sem cair na armadilha de Soros este quer nos dividir para facilitar conquista de rapina,esta gente não presta,mas é hora de mudança radical em todos os setores,chega,a revolução precisa chegar,não podemos ficar mais parado com tanta arrogância,mas cuidado esta gente joga com os dois lados,eles compram tanto a esquerda quanto a direita mesmo assim é necessário mudar,não dá mais para recuar precisamos sermos incisivos oligarquia e amiguinhos devem ser questionados,identificados,cercados e certa elite destruída e depois organizarmos este pais de modo socialista com algo social democrata martoviano,para não cair na armadilha da Russia Soviética,burocracia e violência desenfreada,não deixar de lado a democracia do trabalhador e ligas operarias com intelectuais burgueses progressistas,e social democratas que querem mudanças e liberais com mentalidade inovadora,fora isso não dá mais, é preciso recuperar Simon Bolívar.
Excluir