O início dos comícios da campanha de Lula/Alckmin é revelador da impotência e
simulação do petucanismo. A impotência se expressa pela absoluta ausência de um
programa alternativo capaz de enfrentar o poder da classe dominante naqueles
temas centrais da vida nacional que afetam a vida de milhões de brasileiros e
poderiam assegurar algum futuro para o país. A simulação é decorrência
necessária daquela impotência pois na ausência de um programa capaz de mobilizar
a maioria dos trabalhadores a partir de um projeto próprio, restou apenas o faz
de conta de que a eleição abrirá as portar para “ser feliz novamente”. As
diretrizes divulgadas pela burocracia partidária e seus aliados há poucas
semanas (Diretrizes para o programa de reconstrução e transformação do Brasil),
pretende ocultar a adesão desinibida da chapa petucana às transformações
operadas na economia e no estado após os governos Temer e Bolsonaro.
Na prática,
enquanto o discurso está centrado na denuncia da fome e da miséria de milhões de
brasileiros, a orientação propositadamente ambígua do texto divulgado pela
Fundação Perseu Abramo pretende tão somente curvar-se diante da economia
política sustentada pela coesão burguesa – comercial, agrária, industrial e
financeira – balbuciando rebeldia constitucional a ser assegurada por
hipotética e irreal maioria parlamentar. A insistência contra a
PEC-95 (teto dos gastos), por exemplo, cumpre a função de combater um tigre de papel pois até
agora a burguesia não respeitou os limites estabelecidos pela lei em função de
seus próprios interesses no interior da crise capitalista mundial. O ultra
liberal Paulo Guedes criou o maior déficit estatal da história recente da
república aproveitando de maneira eficaz a “crise da Covid-19”. Enquanto os
brasileiros saíram mais doentes e debilitados economicamente da pandemia, os
bancos e as demais frações do capital saíram melhor preparadas para as
turbulências financeiras desta época crítica.
Os dois comícios recentes, estrategicamente escolhidos – Rio de Janeiro e Diadema – exibiram público modesto.
Modestíssimo! O palco pretende insinuar a existência de uma enorme frente
eleitoral unida contra o protofascista sem, contudo, capacidade de ocultar em
cada estado da república as disputas internas e o flerte com a “neutralidade”
diante da polaridade entre Lula e Bolsonaro; o fenômeno indica que a diferença
em favor de Lula nas pesquisas eleitorais possui pés de barro. A campanha apenas
começa, tudo é incerto. Os mais assanhados com as pesquisas seguem no bordão
inocente da “vitória ainda no primeiro turno” como único meio capaz de impedir
(!) a tentativa da direita em desconhecer os resultados. Ora, quando a classe
dominante teve em nossa história respeito para as regras democráticas? Quando a
classe dominante necessitou de “argumentos” eleitorais para avançar em sua
ditadura de classe?
Lula segue no discurso alienante, incapaz de politizar seu
eleitorado; permanece cativo da economia política da coesão burguesa na vã
tentativa de atrair os capitalistas para um apoio massivo pretensamente decisivo
para assegurar a vitória e, no limite, governar. No entanto, a maturidade
capitalista do país e a força persistente da crise não deixa margem de manobra:
a burguesia não pode aceitar menos que o ultra liberalismo conduzido com
eficácia por Paulo Guedes até agora: miséria para o povo e super lucros para todas as frações do capital. Nenhuma modalidade de “desenvolvimentismo”
é possível, razão pela qual Lula insiste apenas em “colocar os pobres no
orçamento”. Ora, ainda que de maneira inermitente, não resta à maioria do povo
senão a superexploração da força de trabalho – desemprego massivo, queda nos
salários, perda de poder aquisitivo – e alguma modalidade de política social a
conta gotas. É precisamente o que existe agora com o protofascista mediada pela
autorização parlamentar e também o que, de fato, existia nos 14 anos de governo
petista a despeito de “espaço” no orçamento.
O recurso político da chapa petucana é resultado da combinação entre a reivindicação moralista dos pobres e a defesa abstrata da
democracia. No entanto, a insistência na reivindicação da questão social – a
fome e o desemprego – por parte de Lula não encontra solução na política
econômica nos marcos da ordem burguesa ainda mais estreitos no interior da crise
capitalista. A inocência da esquerda liberal expressa nos discursos de Lula é
resultado de particular mistura de oportunismo político parlamentar com
ignorância sobre a dinâmica da crise e os efeitos devastadores na periferia
capitalista latino-americana. Ainda assim, em meio a miséria crescente produzida por Bolsonaro, assistimos a impotência da esquerda
liberal para formar um movimento de massas capaz de empolgar a disputa eleitoral
e muito menos constituir sólida base para eventual governo. Não poderia ser
diferente e tampouco há surpresa no reconhecimento do cenário.
A derrota sem luta |
A derrota
histórica do petismo concluída em agosto de 2016 com a destituição sem luta de
Dilma da presidência da república, cobra seu preço de maneira implacável. A
direção do PT – entregue a burocratas e parlamentares – pretendeu, sem êxito,
transformar uma derrota histórica num breve acidente de percurso de extração
eleitoral sob a ideologia do “golpe” político parlamentar. Nada poderia ser mais
superficial e imprudente, mesmo para os interesses mesquinhos da esquerda
liberal. Em consequência, a linha dominante nos discursos enfadonhos dos
frequentadores do palco do comício, é incapaz de rivalizar com o discurso e as
ações do presidente protofascista ou alterar substancialmente a correlação de
forças entre as classes sociais.
Os “dirigentes partidários” que ocupam o palco dos primeiros comícios sequer são capazes de ampliar o horizonte determinado pelo profundo compromisso petucano
com os limites objetivos da ordem burguesa e a crise da república. Em
consequência, não há relação entre a “crise mais grave da história republicana”
que denunciam com insistência e timidez das propostas destinadas a supera-la!
A
dupla petucana – Lula e Alckmin – esta vencida pelo tempo. Não há brilho capaz
de cativar milhões de trabalhadores e menos ainda a juventude. A ausência de
debate sólido nas filas da esquerda liberal e no ambiente político-cultural do
país assegura, ainda que de maneira passageira, certa adesão eleitoral, mas é
cronicamente incapaz de criar ou sequer contribuir na emergência de um movimento
de massas como fruto da campanha. A desconfiança sobre o futuro e a capacidade
do petucanismo em superar a crise e combater a “ameaça fascista” cresce com o
passar da campanha. Ademais, o protofascista não entrou na dinâmica da disputa
eleitoral. A inflação e o desemprego sempre são obstáculos intransponíveis para
qualquer governo razão pela qual o pacote aprovado no parlamento com o único
voto contrário de um tucano decadente e fora do jogo político, revela o quanto a
disputa no covil de ladrões é terreno adverso para a esquerda, mesmo quando de
vocação liberal. O governo da direita não está batido e ensaia movimentos
importantes com repercussão eleitoral enquanto perpetua a miséria e exploração
do povo da mesma forma que reproduz de maneira ampliada a dependência e o
subdesenvolvimento do país. O entreguismo e o assalto ao estado é completo e
avança com apoio dos monopólios da comunicação na manufaturação do consenso em
favor dos interesses burgueses.
O sistema petucano exibia certa vitalidade
quando era constituído de polos opostos na luta partidária ainda que em comunhão
de bens no que se referia a política externa e a economia, temas estratégicos de estado. Ainda assim, continha forte carga de simulação pois o
essencial não estava disputa. Entretanto, quando Haddad e Alckmin anunciaram em
2013 – juntos! – o aumento da passagem de ônibus em 20 centavos, a explosão
social comandada pelo Movimento Passe Livre revelou até mesmo aos olhos dos
ingênuos e desavisados, entorpecidos pelo otimismo inerente a consciência
ingênua, que algo andava muito mal.
A vitória eleitoral de Dilma poucos meses
depois foi capaz de motivar ainda mais o oportunismo político dos partidos que
apoiavam o governo agonizante da ex-presidente já sob comando do banqueiro
Joaquim Levy. Em fevereiro de 2013 – poucos meses antes da explosão de junho –
Dilma anunciava orgulhosa que faltava “pouco para que não haja mais brasileiros
mergulhados na miséria”. O embuste era tal que seu governo estava buscando os
mais pobres entre os pobres para inclui-los no cadastro de uma bolsa família
de... R$ 70,00. A digestão moral da miséria produzida pelos programas sociais do
petismo – com a total cumplicidade dos tucanos – supunha ter vida eterna, mas
caiu em junho diante de um protesto massivo produzido inicialmente pelos
estudantes do Movimento Passe Livre.
A polarização no interior do sistema
petucano assumiu formas mais agressivas quando os tucanos decidiram pela
destituição de Dilma e lograram êxito. No entanto, uma vez mais, atentos ao
calendário eleitoral e ignorando por completo as implicações econômicas e
políticas das transformações operadas sob seus governos, o petismo apostou na
volta de Lula em 2018. Não cabe recordar aqui o grave erro de cálculo da cúpula
petista e tampouco a estratégia “anti-sistêmica” encabeçada pelo protofascista
Bolsonaro. No fundo, a direita apenas reconheceu o que já advertíamos com
insistência: o esgotamento do petucanismo! Nesse contexto, as dúvidas emergentes
em setores da esquerda liberal sobre a eficácia do petucanismo como estratégia
eleitoral e alternativa ao governo da extrema direita são, ainda que tardias e
impotentes, perfeitamente procedentes. Os setores da esquerda
liberal com algum compromisso socialista são totalmente incapazes de influenciar na agenda, na estratégia
eleitoral e no discurso de Lula e seu novo companheiro Geraldo. O ex-presidente busca todos os dias de maneira
desinibida captar setores inteiros que não abandonam o protofascista a despeito
das inclinações de voto das pesquisas eleitorais. Em cada movimento mais à
direita produzido pela chapa petucana, a coesão burguesa se mantém mais cômoda
para negociar com o protofascista os termos da reeleição ou mesmo em posição de força na hipótese de
vitória da oposição.
O discurso de Lula e também de Alckmim é revelador da trágica situação. A simulação se afirma pela redução da política ao voto, ao processo eleitoral. A ausência de
um programa de mudanças radicais – a altura das exigências de uma crise
gigantesca – antes de romper o invólucro moral do discurso petucano, o
reforçou. Alckmim, muito comedido nos discursos, se limita tão somente a indicar
a necessidade de defender a democracia e dar novamente a cadeira presidencial à
Lula. É uma cena reveladora ver o ex-governador paulista clamando pela volta de
Lula a presidência; o fator surpreendente aqui rregistrado não consiste em aceitar a impostura de hoje como se fosse uma virtude ou um “gesto de grandeza”, pois
buscar uma linha de coerência em políticos vulgares somente é possível indentificando os seus interesses de classe. Nesse sentido não há nada de surpreendente
na presença tucana no palco outrora petista, porque Lula possui precisamente a
capacidade de jamais surpreender seus adversários ou aliados: tudo nele é
conciliação, tudo é apelo moral. A despeito da disposição petista em assumir de maneira dissimulada a orientação liberal e a economia política da coesão burguesa, não há sinais de que a burguesia tenha disposição em conciliar com os trabalhadores num período de crise tão aguda.
A derrota histórica do PT foi tomada como derrota eleitoral e, em consequência,
considerada passageira. Lula e Dilma no alto escalão sabem que se trata de uma
derrota histórica pois seus governos fizeram tudo o que era possível nos marcos
da ordem burguesa para “erradicar a pobreza” e não foi mero exercício de cinismo
da ex-presidente o bordão de sua reeleição. A
nomeação de Joaquim Levy encerrou qualquer dúvida a respeito, mas o petismo deu
de ombros: bola que segue, vencemos mais uma eleição... A classe dominante, no entanto, não vacilou e o sociólogo petista expressou melhor que qualquer doutrinário o fenomeno que parecia impossível no interior da
sociologia uspiana: "a luta de classes voltou!" Agora Lula afirma que terá que
fazer mais do que já fez e, no mesmo verso, antecipa que as condições são muito
mais difíceis. Numa ponta alimenta as antigas ilusões que nos trouxeram ao caos
e, na ponta oposta, afirma um dado de realidade pois a crise exigirá a
administração nos marcos da ordem com mais austeridade que em épocas passadas.
A campanha aumenta a perplexidade da base eleitoral – não militante – e produz
ilusões tão poderosas quanto aquelas que animaram o segundo mandato do petista
quando anunciava o Brasil como sexto PIB mundial sugerindo a superação da condição de país subdesenvolvido. Contudo, a característica mais
elementar da disputa atual consiste no fato de que a esquerda liberal não possui
um projeto de poder. Ora, sem o horizonte estratégico da revolução social, da
revolução brasileira, a oposição liberal seguirá cativa da instabilidade inerente aos governos
latino-americanos sem jamais conquistar o paraíso democrático ao qual juram
fidelidade. Aqui e nos demais países latinoamericanos, é cada dia mais evidente que sem projeto de poder, a esquerda liberal tampouco poderá
assegurar exito e estabilidade de um futuro governo. Entretanto, o bordão preferido da
coalisão partidária presente nos comícios segue fundamentado na tarefa que
julgam suficiente: derrotar Bolsonaro.
O eleitor ingênuo e o militante
exaurido na prática partidária comandada por mandatos, sente que é pouco, mas,
de maneira “realista”, concede sabedoria ao ex-presidente: “o que mais ele
poderia fazer diante das circunstâncias atuais?” A campanha do protofascista
ainda não apareceu na plenitude. É claro, no entanto, que não poderá ser muito
diferente de uma receita que combinará a denuncia ideológica (do comunismo), o apelo moralista
(contra a corrupção) e a fé nas teses liberais (ultraliberalismo). E claro:
reforço do liberalismo conservador nos costumes! Resta saber se o protofascista seguirá no
ataque aos pilares liberais da república e se aproveitará a campanha para
fortalecer em seu favor uma saída mais a direita já na campanha. No entanto, a simulação "anti-sistêmica" de sua candidatura não esgotou todas suas energias,
especialmente quando a “velha política” aparece na forma pura do petucanismo
agora unificado com a chapa Lula/Alckmin.
A crise é profunda e, sabemos, não pode ser
superada nos marcos da ordem. Ainda assim, uma campanha destinada a romper o ideário liberal atualmente sob comando da ultra direita, poderia salvar o processo eleitoral da alienaçao completa ao alargar o horizonte da disputa eleitoral em favor dos oprimidos e explorados. Não é o que estamos vendo. A direita, ao contrário, não perderá oportunidade para afirmar a ideologia liberal que, sem um adversário à altura, seguirá ditando os limites da disputa orientada pelo felino interesse da classe dominante e sua coesão burguesa. A esquerda liberal segue desarmada para esse
combate decisivo.
Mais do que nunca, Lula segue sendo o grande empecilho ao "descobrimento" da política real pelo povo trabalhador brasileiro.
ResponderExcluirTrata-se de um legítimo traidor da classe trabalhadora.